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Nicholas Sacchi: o mecanismo de captação de fundos via token funciona?

26 nov 2019, 11:30 - atualizado em 29 fev 2020, 10:40
Ofertas iniciais são formas de as equipes de desenvolvimento conseguirem financiar seus projetos antes de lançá-los (Imagem: The Daily Hodl)

ICO, IEO e STO. Esses são alguns dos nomes que foram dados à oferta inicial de novas moedas, utilizados por diversas empresas para financiar suas empreitadas nos últimos anos.

Apesar do hype gerado em 2017 com as criptos, que injetou uma grana preta nessa classe de ativos, a esmagadora maioria dos projetos financiados via emissão de tokens sofreu uma forte queda nos preços, além de uma redução drástica nas entregas de novos desenvolvimentos (quando não a cessão absoluta).

O ciclo parece estar se repetindo com o modelo exageradamente “marketeado” pelas exchanges, as Ofertas Iniciais em Exchanges (ou IEO, na sigla em inglês), dado que, segundo uma pesquisa feita pela The Block, cerca de 86% dos projetos já perderam mais da metade de seu valor frente à sua máxima histórica.

Vale destacar que cada um desses projetos passou, em algum momento, pela aprovação das plataformas em que são negociadas. Ainda assim, não tiveram força o suficiente para vingar em termos de preço.

A tentativa mais recente de emplacar esse modelo de financiamento tem sido feita por meio dos tokens de valores mobiliários, com as ofertas públicas de security tokens (ou STO, na sigla em inglês). Por estarem enquadrados nessa categoria, suas ofertas precisam seguir políticas de conformidade com os reguladores muito mais rigorosas.

Mas, afinal de contas, por que o modelo de captação via tokens ainda não engrenou de uma vez por todas? Melhor ainda, será que a nova tentativa pode colher resultados diferentes das anteriores?

Este texto pretende endereçar cada uma dessas questões.

Em 2017, houve uma grande explosão de ofertas iniciais de moedas, mas já não são tão comuns atualmente (Imagem: Shutterstock)

O findado caso das ICOs

Caso não se recorde, as ofertas iniciais de moedas (ou ICOs, na sigla em inglês) surgiram entre 2011 e 2012, quando alguns camaradas começaram a perceber que poderiam utilizar a tecnologia criada pelo bitcoin para levantar capital. Mas ele ganhou popularidade mesmo em 2017, após a criação do padrão de ERC-20, de contratos inteligentes da Ethereum.

Aos poucos, as ICOs começaram a atrair olhares de investidores de varejo e de fundos de capital de risco que, juntos, movimentaram algumas dezenas de bilhões de dólares para o mercado.

Esse influxo de capital não foi apenas intenso ao longo de 2017, mas se estendeu também para 2018, criando uma espécie de corrida do ouro, onde ninguém queria ficar sem a sua fatia do bolo.

Muita gente fez fortuna nessa época, especialmente em 2017, quando vários projetos tiveram valorizações estratosféricas, mesmo sem apresentar qualquer entrega em termos práticos. Quem vendeu na alta se deu bem. A Ethereum, que era a principal plataforma utilizada para criação de ICOs, viu os preços de seu token ir às alturas.

Evidentemente, alguns projetos realmente tinham utilidade prática e apresentaram um desenvolvimento importante ao longo de sua trajetória. É o caso da Binance, do Basic Attention Token, do Chainlink, da Tierion e de muitos outros.

Mas a principal questão aqui é que, como não havia qualquer tipo de claridade regulatória sobre o tema, a esmagadora maioria dos tokens não possuía qualquer utilidade clara, tampouco representava qualquer obrigação para com o seu detentor.

Em outras palavras, a equipe que captava os fundos via emissão de ICO podia fazer o que bem entendesse com o seu dinheiro e não devia qualquer satisfação a você.

Foi o auge do #cryptolife, com Lamborghinis e festas em iates, como você pode imaginar.

Se aproveitando da confusão toda, um exército de camaradinhas do mal resolveu aplicar golpes nos investidores desavisados e simplesmente desaparecer com o dinheiro. Foram tantos casos que os reguladores de diferentes regiões do mundo perceberam que precisariam intervir. A própria comissão de valores mobiliários dos EUA, a SEC, criou um site fictício de ICO na tentativa de educar os investidores a não serem ludibriados por golpes.

Encurtando a história, por conta de toda a bagunça, a maioria das ICOs colapsou. No ano de 2019, a captação de recursos foi pífia (mas existente, por incrível que pareça, mesmo com todo o escrutínio regulatório).

Analisar bem o projeto em si antes de investir é uma ótima maneira de não perder seu dinheiro (Imagem: Pixabay)

Ajustou o percurso, mas ainda não chegou lá

Mas a forma de captar recursos continua sendo interessante, não há como negar: de que outra forma você poderia ter acesso a um pool global de liquidez com um baixíssimo número de intermediários?

Justamente por isso, muitas exchanges decidiram criar o modelo de plataformas de lançamento. São integrações entre os idealizadores de projetos com criptoativos e equipes de negócios qualificadas, que disponibilizam sua base de consumidores para que seu token já possua liquidez logo de cara.

Dessa forma, dois problemas do modelo anterior são eliminados.

O primeiro deles é a análise do projeto e da equipe. Muitos investidores de ICO aplicavam seus recursos sem sequer fazer uma análise mais aprofundada da equipe e da solução que era oferecida (o famoso “due dilligence”). Com equipes dentro das exchanges fazendo o dever de casa, o risco de fraude é praticamente eliminado.

O segundo é que o token já nasce listado em uma exchange, o que, diferente do que se percebia com diversos tokens de ICOs em 2017-18, possibilita ao investidor se desfazer da sua posição quando quiser.

Ocorre que, por conta da facilidade de negociação e do caráter altamente especulativos das IEOs, muitas delas foram vendidas ao apresentarem uma apreciação satisfatória para os investidores que entraram cedo no projeto. Isso significa que a maioria delas optou por auferir ganhos no curto prazo com seus trades em vez de manter o ativo por uma questão de utilidade prática ou algo que o valha.

É claro que isso levanta a questão da real utilidade dos tokens ofertados em parceria com exchange, assim como foi com as ICOs.

ICOs foi um modelo de financiamento muito utilizado, mas já está ultrapassado, então agora os de security tokens poderão ser melhor e bem mais utilizados? (Imagem: Datafloq)

Será diferente com security tokens?

Acredito que sim, será diferente. Digo isso porque, enquanto valores mobiliários, esses tokens terão que seguir uma série de normas já estabelecidas para o mercado.

Tudo bem, algumas jurisdições flexibilizarão suas regras para não sufocar a indústria insurgente, mas, no geral, o árbitro vai apitar, seguindo diretrizes claras e já conhecidas.

Ou seja, tanto empresas quando investidores poderão contar com maior transparência, o que implica num menor número de fraudes e maior confiança envolvida no processo de investimento.

No ano de 2018, houve um pequeno hype com esse tipo de cripto, fazendo com que várias startups dessem suas tacas. É o caso da Securitize, da Polymath, da Swarm e da Harbor. Mas talvez elas estivessem alguns anos à frente de seu tempo dado que, naquele ano, não houve tração o suficiente.

De qualquer forma, os modelos de financiamento de empresas em estágio inicial, que replica a estrutura da ICO e da IEO, apresentam riscos significativamente menores para o investidor, relacionados muito mais à atividade exercida pela empresa, e não a questões regulatórias ou de idoneidade da empresa.

Além disso, os security tokens possibilitam uma infraestrutura de liquidação de operações muito mais eficiente do que a oferecida pelo modelo tradicional. Digo isso porque hoje, pelos meios tradicionais, existem várias figuras responsáveis pela liquidação de uma negociação feita com um valor mobiliário.

Pegando a liquidação de uma ação como exemplo. Uma simples operação de compra requer a comunicação da corretora com o custodiante da parte e da contraparte, com a câmara de liquidação e com a Bolsa. O processo todo, no melhor dos cenários, leva cerca de dois dias.

Ao adotar a infraestrutura de um blockchain público, com uma ação emitida na forma de um token, a liquidação poderia ser feita em cerca de dez minutos, além da transação ser facilmente auditável por qualquer uma das partes.

Por fim, a resposta para a pergunta feita no título deste texto é sim, a captação via tokens funciona. Os dois modelos iniciais, apesar de terem tido vida curta, conseguiram levantar alguns bilhões de dólares sem a existência de qualquer claridade regulatória.

E agora, com os security tokens em uma nova fase, devemos ver uma forte evolução desse mercado no decorrer dos próximos anos.

Cryptoassets Strategist
Economista apaixonado por inovação tecnológica, traz no currículo a atuação em bancos de investimentos, corretoras de valores e exchanges de criptomoedas. Seu campo de estudo o trouxe naturalmente para os criptoativos. Hoje, se dedica a vasculhar esse mercado à procura das melhores oportunidades de investimento na equipe de criptoativos da Empiricus, é host do podcast Crypto Storm e editor do Crypto Times.
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