Money Times Entrevista

CEO de bolsa no Rio: ‘Seremos um concorrente à altura da B3 (B3SA3)’; veja entrevista

10 dez 2024, 7:00 - atualizado em 10 dez 2024, 15:01
Cláudio Pracownik
CEO da ATG, Cláudio Pracowni, fala sobre os projetos da nova bolsa no Brasil (Imagem: Divulgação)

O ano de 2025 poderá marcar nova fase para o mercado brasileiro. Após 24 anos desde o fechamento da bolsa no Rio de Janeiro, o Brasil contará com duas bolsas em cidades diferentes para chamar de sua. As operações serão sediadas também na Cidade Maravilhosa, em um prédio próximo à orla da praia do Flamengo, e com um nome de Base Exchange.

Demorou, é verdade. A ATG, empresa que está por trás da empreitada, foi fundada em 2010 por ex-executivos da Ágora Investimentos, e desde então sonhava com uma concorrente da B3 (B3SA3).

Porém, a companhia esbarrava na falta de acesso às informações necessárias para colocar a ‘operação na rua’. Foi somente em 2019 que, por meio de arbitragem do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), houve um acordo para acesso a sua central depositária.

Em poucas palavras, é nesse ambiente onde se realiza o registro, aceitação, compensação, liquidação e gerenciamento do risco das ordens de compra ou venda dos produtos, incluindo o mercado de derivativos financeiros, dos mercados à vista de ouro, de renda variável e de renda fixa privado. Sem isso, as barreiras de entrada são ainda maiores.

Mesmo assim, era preciso resolver mais um detalhe: o dinheiro. Isso porque abrir uma bolsa envolve um custo forte, como relata o CEO da ATG, Cláudio Pracownik.

Segundo conta ao Money Times, a ATG tinha capital humano e tecnológico, mas faltava quem bancasse o projeto. Até que a Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi com mais de US$ 300 bilhões em ativos no mundo, comprou mais de 50% da companhia e se tornou sócia majoritária.

A expectativa é que a Base Exchange ocupe espaço relevante dentro do mercado nos próximos anos. “Seremos uma componente à altura da B3”, afirmou.

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B3 ameaçada? Empresa pode perder a exclusividade das negociações (Imagem: Money Times)

Alô, alô, Rio de Janeiro

Com a estrutura pronta e o dinheiro, o Rio de Janeiro, na figura do prefeito Eduardo Paes, correu para criar as condições necessárias para a cidade voltar a receber uma bolsa de valores.

A bolsa do Rio era, até metade do século passado, a mais importante do país e da América Latina. Apesar disso, perdeu protagonismo em meio às crises econômicas nas décadas de 80 e 90.

O grand finale foi a atuação do empresário Naji Nahas, que manipulou o preço das ações e provocou uma bolha nos ativos. A quebra do esquema foi suficiente para levar junto a bolsa da cidade em 1989. Desde então, a BVRJ, como era chamada na época, nunca mais se recuperou.

Mas isso está prestes a mudar. A cidade criou incentivos para abrigar novamente uma bolsa. Na Câmara Municipal, foi aprovado lei que prevê redução do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) para as operações.

“O Rio tem uma parte importante da força econômica do Brasil: a Vale (VALE3) está aqui, a Globo está aqui, a teledramaturgia da Record está no Rio. Mas onde está o setor produtivo? A volta da bolsa de valores é a ponta do iceberg“, disse Paes, que também aproveitou a oportunidade para tirar brincar com os paulistas.

Vestido com um colete, e com um copo Stanley, o prefeito fez um vídeo em suas redes sociais convidando os investidores a irem para o Rio de Janeiro. “Beach tennis aqui é na praia de verdade”, provocou.

O que falta à bolsa?

Pracownik disse que a Base Exchange se encontra em fase de testes na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e no Banco Central. A expectativa é que essa etapa dure até o meio do ano, com a pretensão de que comece a operar no segundo semestre.

Apesar disso, o CEO não descarta que o início das negociações seja adiado para o início de 2026.

“Se, por exemplo, estiver pronto para começar a operar em dezembro, vamos adiar para janeiro. Dezembro é um mercado de freezes [baixa atividade ou liquidez, quando não há muitas negociações acontecendo], não tem sentido lançar a Bolsa”, afirma.

No início, serão ofertados produtos como ações, BDRs, EFTs, fundos imobiliários e aluguel de ações. Está no plano negociação de renda fixa, porém não agora.

“Eu primeiro preciso lançar o meu ‘Corsinha’. Ele precisa sair da garagem com gasolina, ar condicionado, bom motorista, que atende bem as pessoas. Depois a gente vai pensar em aumentar a frota”, brinca.

Veja os principais trechos da entrevista:

Money Times: Acha que a bolsa será capaz de transformar o mercado brasileiro?

Cláudio Pracownik: Eu não posso ter uma postura arrogante aqui, de acreditar que transformaremos o mercado brasileiro. Acredito que a queda do monopólio representa uma transformação como não se via há muito tempo no mercado de capitais brasileiro.

É a primeira vez na história que uma bolsa de valores está sendo autorizada a operar. Também é a primeira vez na história que uma clearing está sendo autorizada a funcionar. O simples fato de existir concorrência já é absolutamente transformador.

Atendemos pela nossa competência na inovação tecnológica que estamos trazendo, acreditando que o nosso produto será o melhor no mercado. Ainda assim, seria prepotente presumir que entraremos no mercado, o transformaremos e assumiremos imediatamente a liderança entre as bolsas de valores.

A B3 é uma instituição séria, respeitada, com uma governança muito sólida, robusta e consolidada. O ponto central é que a transformação em si está no surgimento da concorrência.

Você provavelmente se recorda, assim como eu, de quando era mais jovem e o Brasil não tinha acesso a produtos importados.

Naquela época, alguém poderia dizer que determinados whiskies ou pães eram excelentes e que não havia espaço para outros. Isso mudou quando as importações foram abertas. Percebemos que havia espaço para novos produtos, alguns melhores, outros nem tanto.

A transformação no mercado brasileiro, impulsionada pela abertura das importações, é equivalente ao que está prestes a ocorrer no mercado de capitais. O mercado passará a contar com concorrência e, consequentemente, com mais opções.

Money Times: A B3 tem enfrentado queda no volume de negociação de ações, muito em função da alta da Selic. O Brasil tem liquidez suficiente para absorver duas bolsas? 

Cláudio Pracownik: A primeira questão é que a B3 não é o mercado. Ela é a estrutura.

O mercado ao qual estamos nos referindo, especialmente em momentos de baixa liquidez, é um ambiente que exige competição em todas as suas camadas. Os bancos competem nesse mercado — e não há apenas um, mas centenas deles.

As gestoras de ativos (assets), também em grande número, competem nesse mesmo mercado.

O mesmo ocorre com as corretoras, que já somam cerca de trezentas, disputando espaço nesse cenário.

É curioso que todas essas instituições podem competir para oferecer liquidez, mas a única entidade que provê infraestrutura para a existência do mercado afirma que não há espaço para mais uma bolsa de valores. Isso é absolutamente incoerente.

Historicamente, em países onde a entrada de novas bolsas ocorreu de forma democrática e adequada, o volume de operações aumentou.

Money Times: Por quê?

Cláudio Pracownik: Primeiro, a concorrência força as bolsas a melhorarem seus serviços para atender melhor aos clientes. Quando há opção, o cliente migra para um serviço melhor, o que exige excelência.

Em segundo lugar, a concorrência impacta os preços. Não estou sugerindo que os custos cairão pela metade, mas é natural que haja uma redução nos preços praticados.

Em terceiro lugar, a concorrência reduz o risco sistêmico. Diversos bancos globais, ao alocar seus recursos de maneira estratégica, consideram o Brasil como uma restrição devido à existência de apenas uma bolsa. Isso exige que eles adotem medidas de hedge específicas, caso surja qualquer problema operacional.

Por fim, a concorrência traz novos produtos, como a arbitragem entre bolsas, que já é amplamente utilizada ao redor do mundo. Esse tipo de operação movimenta volumes enormes e explora as diferenças de preços entre bolsas, algo comum nos principais mercados globais.

Portanto, há fortes razões para acreditar que o volume de operações aumentará com a entrada de uma nova bolsa. O mercado atual da B3, com um faturamento de R$ 6 bilhões, é um setor significativo.

Diante disso, pergunto: há espaço para competição em um mercado de R$ 6 bilhões? Creio que sim. Esses argumentos contrários à concorrência, que muitas vezes se baseiam em interesses corporativos ou restrições sociais, não encontram ressonância em um ambiente verdadeiramente competitivo e global.

Editor-assistente
Formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, cobre mercados desde 2018. Ficou entre os jornalistas +Admirados da Imprensa de Economia e Finanças das edições de 2022, 2023 e 2024. É editor-assistente do Money Times. Antes, atuou na assessoria de imprensa do Ministério Público do Trabalho e como repórter do portal Suno Notícias, da Suno Research.
renan.dantas@moneytimes.com.br
Formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, cobre mercados desde 2018. Ficou entre os jornalistas +Admirados da Imprensa de Economia e Finanças das edições de 2022, 2023 e 2024. É editor-assistente do Money Times. Antes, atuou na assessoria de imprensa do Ministério Público do Trabalho e como repórter do portal Suno Notícias, da Suno Research.