Não há contradição em eventual ajuste para Selic ser residual em meio à inflação baixa, diz Kanczuk
Não há contradição entre o Banco Central mostrar que eventual ajuste na Selic é residual e apontar, ao mesmo tempo, que a inflação esperada para 2021 está abaixo do centro da meta, defendeu nesta sexta-feira o diretor de Política Econômica da autarquia, Fabio Kanczuk.
Ao participar de live promovida pelo Banco Safra, ele justificou que no balanço de riscos do BC há uma assimetria, já que apareceu um risco altista para a inflação ligado à possibilidade de impulsos creditícios e programas de recomposição de renda poderem gerar demanda acima do esperado, o que implica menor ociosidade da economia.
Segundo o diretor, o BC procurou sinalizar que, para além do cenário básico em que o IPCA de 2021 está em 3,2%, há outro cenário com o qual está preocupado, em que o PIB cai menos e há inflação “sensivelmente acima” desse patamar.
“Tem um cenário básico, mas há viés para um lado e esse viés faz com que eu não esteja longe da meta (de inflação em 2021)”, afirmou ele. A meta para 2021 é de inflação em 3,75%, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Quando cortou a Selic em 0,75 ponto em junho, à mínima atual de 2,25% ao ano, o BC já havia aberto a porta para nova redução “residual” à frente, condicionada à avaliação do cenário. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) acontece em 4 e 5 de agosto.
Kanczuk reforçou que agora o BC está muito mais de olho nos dados de atividade do que esteve nos meses anteriores e que sempre vai dar “ênfase enorme” para a inflação propriamente dita.
Limite para queda da taxas de juros
Sobre o chamado lower bound, limite de queda para a Selic a partir do qual a política monetária perderia sua eficácia, Kanczuk afirmou que o tema não foi muito debatido na última reunião do Copom como foi no encontro anterior, de maio.
“A discussão passou a ser atividade antes de qualquer coisa”, disse.
O diretor avaliou que houve mudança na natureza desse limite, já que em maio as discussões estavam mais associadas a uma preocupação com o que poderia acontecer com o câmbio, num momento em que o dólar rodava em nível mais alto sobre o real.
Agora, a preocupação do BC quanto ao limite para os juros básicos está mais ligada à indústria de fundos e realocação grande para a poupança, o que poderia gerar outras ineficiências econômicas, destacou ele.
“A gente não está vendo absolutamente nenhum problema atual na indústria de fundos, mas é algo que deve ser monitorado e deve ser feito com cautela”, complementou.
Kanczuk frisou ainda que esse ponto gera um debate diferente sobre qual instrumento alternativo seria usado pelo BC caso precisasse dar estímulo e não pudesse fazê-lo da forma usual, via Selic.
Segundo Kanczuk, se a preocupação prudencial do BC não é relacionada ao câmbio, mas aos juros básicos atingirem patamares muito baixos, abre-se a possibilidade de uso de orientação futura como um caminho para “proteger indústrias que estou com questionamento e vai gerar estímulo monetário que eu desejo”.
Na política de orientação futura, o BC dá uma sinalização mais clara e direta da trajetória à frente da taxa de juros.
Kanczuk ponderou que no Brasil há diferença entre orientação futura e afrouxamento quantitativo com compra de títulos públicos (quantitative easing) porque com o chamado QE o BC impediria o mercado de colocar o prêmio de risco no preço dos títulos, o que acabaria fazendo esse risco aparecer em outros ativos, particularmente no dólar.
Na visão do diretor, o uso da orientação futura não teria essa desvantagem, já que ela não afeta o prêmio de risco, mas apenas os outros componentes dos juros longos, ligados à expectativa de juros futuros e ao prêmio de termo.
“O problema do ´forward guidance´ é você ter credibilidade num país onde a volatilidade é tão grande”, afirmou ele.
Kanczuk sublinhou, porém, que essa discussão não está na mesa do BC e que muitas condições deveriam acontecer antes para isso aparecer “de forma relevante” para a autoridade monetária.
Volatilidade cambial
Kanczuk afirmou nesta sexta-feira que o BC está tentando identificar a causa do aumento elevado da volatilidade do câmbio e se ela é eficiente ou não, reconhecendo que esse movimento destoa do nível de volatilidade visto em outros países emergentes.
“Infelizmente eu não tenho muito a adicionar. Só posso dizer que a gente está super de olho nisso tentando entender”, afirmou ele. “É necessário entender exatamente o problema para daí poder pensar qual é o remédio possível”, acrescentou.
Ele disse que a mudança de overhedge criou pressão no câmbio nos últimos meses e há “parte residual” que ainda pode afetar comportamento do dólar, algo a que o BC está atento.
Mas ele ponderou que há uma coisa distinta acontecendo no momento, ligada à volatilidade diária “bastante elevada” do câmbio, com aumento grande de contratos pequenos.