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Não entre em negócios dos quais não entenda profundamente, caso contrário perderá dinheiro

08 dez 2022, 11:37 - atualizado em 08 dez 2022, 11:37
pessoa desesperada com medo do confisco da poupança
Confira as dicas do especialista para não entrar em negócios sem entender o ramo e veja os exemplos de fracasso e de sucesso (Imagem: Freepik/Montagem: Julia Shikota)

*Por Estevão Seccatto

Quase todos nós conhecemos alguém que tentou empreender e não obteve sucesso, nos mais variados ramos de atuação. Aquele amigo que montou uma franquia, acreditando na circular de oferta, e que na prática não se concretizou; um parente que investiu sua rescisão numa empreitada que, no papel era maravilhosa, mas acabou com suas reservas; um conhecido que, mesmo sem entender do negócio, apostou na ideia infalível de um colega, que mesmo sendo especialista técnico super qualificado, nunca havia empreendido, e falhou.

Os exemplos são diversos. Entretanto as causas permanecem as mesmas. Dentre elas, destacam-se: tomar decisão de investir com base em business plan (ou plano de negócios), e não na realidade.

Não se engane, o bom senso, sozinho, não funciona. Se você deseja investir em algo, seja como investidor passivo ou empresário, que seja então em algo que você domine, cujos fundamentos você esteja familiarizado, com riscos e oportunidades bem mapeados, e com projeções de resultados realistas (principalmente necessidade de caixa, com entradas e saídas de caixa factíveis).

Aquela planilha bonita, com resultados crescentes, constantes, passam a imagem de que tudo será consistente o que, na prática, não se observa. Ao negligenciar a verdade nua e crua, você se enganará. Se o acaso permitir, isso pode dar certo, e, neste caso, um cassino pode ser mais divertido, para arriscar dinheiro e brincar com a sorte.

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Imagina o cenário

Imagina o cenário de você inaugurar uma loja, colocar suas economias ali, acreditando numa planilha que seu parceiro montou, mostrando um fluxo de clientes, uma taxa de conversão de vendas, com faturamento mensal crescente, funcionários motivados, comissões sendo pagas, tudo muito bem planejado. Você investe no seguro garantia, se compromete com um contrato de três anos, realiza a reforma do ponto, compra estoque, contrata funcionários, até uma página no Instagram você faz, com logotipo feito por experiente agência de comunicação.

Entretanto, por incrível que pareça, nem você nem seu parceiro conhecem sobre o produto que venderão, nem ficaram ali, em frente o ponto, por algumas semanas, para ver se o fluxo era aquele mesmo. Bom, inauguração realizada, as pessoas simplesmente não entram na loja, o faturamento acaba sendo metade do que você estimou.

Os salários precisam ser pagos e, já que você já investiu um pouco, saca mais dinheiro da sua poupança para sustentar o negócio. O tempo passa suas reservas acabam, e o resultado não vem. Desesperador, certo? Mas muito comum. O produto, naquele bairro, naquele ponto, não decolou. A realidade foi bastante diferente do planejado, apesar das 150 páginas bem-feitas do plano de negócios.

Mão na graxa

Multiplique isso para proporções de fundos de investimento, cujas aquisições envolvem centenas de milhões de reais. Entenda que, mesmo experientes executivos, investidores, ou sócios de empresas, quando tomam decisões, baseados somente em teses de investimento, realizados no conforto dos seus escritórios, sem entenderem profundamente a realidade e o ritmo das operações dos negócios, o fluxo de pessoas nos pontos de venda, as dinâmicas que influenciam e as particularidades da empresa, cometerão erros cruciais.

Não existe segredo. Se você não entende sobre o negócio, se não está em contato com os clientes, funcionários e com a operação, é bem provável que você irá fracassar. Por isso, é preciso colocar a “mão na graxa”.

É necessário que entender, exatamente, como as coisas funcionam na empresa à qual você está à frente (ou analisando), pois, somente desta forma, poderá perceber claramente quais são os problemas enfrentados pela organização, até mesmo antecipando-se a eles, conhecerá os pontos de atenção, e tomará decisões corretivas, quando forem necessárias. Para isso, compreenda as forças, fraquezas e ameaças reais, e não teóricas, da operação.

Esse tipo de conhecimento é de vital importância para que você desenvolva estratégias que irão funcionar, e para que você não seja enrolado por alguém. Se você não entende sobre os fundamentos práticos do negócio, sobre o que está, de fato, acontecendo (ou poderá acontecer), se não tem propriedade sobre o tema, você não vai conseguir desvendar os reais problemas, e tomará decisões incorretas. Muitos são os empreendedores e investidores que tomaram decisões estratégicas e táticas equivocadas, pois não participaram do dia a dia da gestão.

Exemplos não faltam

Para ter exemplos claros sobre isso, cometidos por investidores graúdos, por gente experiente, basta ler as notícias de fracassos recentes de private equities, que não conseguiram entregar as teses projetadas e prometidas aos seus cotistas. Vários deles, ao longo dos últimos anos, falharam, ao tomar decisões de investimentos, com base em análises supercomplexas, mas sem conexão com a realidade operacional dos negócios, e ausência de experiência e envolvimento raso na condução das empresas adquiridas.

Um dos principais fatores de sucesso da fabricante de refrigeradores comerciais chamada Metalfrio, uma das primeiras empresas em que eu participei diretamente da gestão, foi o fato de que o principal investidor da empresa estava na fábrica, todos os dias, das sete da manhã às dez da noite. O sócio estava o dia todo à frente do negócio, olhava a fábrica, fazia reuniões com clientes, com diretoria, entendia as necessidades dos fornecedores, e todos os pagamentos passavam por ele.

Isso proporcionava a gestão efetiva da organização. Não foi à toa que a empresa aumentou receitas, adquiriu fábricas no Brasil, expandiu internacionalmente, e realizou sua oferta pública inicial de ações a B3. Grande caso de sucesso para tal investidor.

O presente texto foi realizado com informações disponíveis publicamente e com base na experiência prática de seu autor, não sendo recomendação de conduta, investimento de qualquer espécie.

*Estevão é conselheiro e gestor de empresas, tendo assessorado mais de uma centena de empresas em diversos setores. Professor de Turnaround na FIA Business School e Empíricus Research. Colunista do Money Times, entre outros. Engenheiro naval (Poli/USP), extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (USP), tecnologia (Singularity), finanças (Duke), mestrando (Liverpool) e MBA em Banking (FIA). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), restruturador de empresas pela KPMG e IVIX, diretor da G4S (LSE) e associado no private equity Artesia (IPO de 3 empresas). www.seccatto.com