Não é o fim do Real: Entenda o que é a moeda comum do Mercosul
O Brasil e a Argentina estão estudando a criação de uma moeda única. No entanto, ao contrário do que se diz nas redes sociais, isso não significa o fim do Real e do Peso Argentino.
A nova moeda seria utilizada apenas em transações comerciais e financeiras entre países do Mercosul para reduzir a dependência dos países latinos ao Dólar, que vem pressionando as moedas dos emergentes.
Ou seja, o comércio estaria livre das flutuações cambiais, mas os países podem manter suas atuais moedas para uso interno.
Os governos ainda vão discutir o necessário para a criação de uma moeda comum, que envolve não apenas questões fiscais, mas também precisa levar em conta o tamanho das economias e o papel dos bancos centrais locais.
A moeda virtual pode ser batizada de “sur” e outros países da região foram convidados para participar do estudo.
A ideia é que a moeda seja inspirada na Unidade Real de Valor (URV), usada durante a transição entre o Cruzeiro Real e o Real. Além disso, ela seria emitida e regulamentada por uma espécie de banco central sul-americano – assim como o Banco Central Europeu, para a Zona do Euro.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está na Argentina para reuniões com o presidente Alberto Fernández e, entre os temas que ambos devem abordar, está a da moeda única.
Segundo Etóre Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, a ideia é confusa e faltam muitos detalhes, gerando muitas especulações.
“A Argentina possui uma economia dolarizada, além de diversos outros problemas monetários. A criação de uma moeda comum nos moldes discutidos, muito provavelmente não refletiria o câmbio oficial argentino e seria muito mais vantajoso para exportação para o Brasil, mas pioraria muito a possibilidade de compra de produtos brasileiros pelos argentinos”, diz.
Moeda nova, discussão antiga
A criação de uma moeda única para a América Latina não é uma ideia nova. Na verdade, o assunto vem sendo discutido desde a década de 1980. O tema nasceu em conversas entre os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsin.
De lá para cá, Brasil e Argentina tentam encontrar uma forma de tirar o plano do papel. Tanto que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a defender a moeda única em mais de uma ocasião e até chamou a moeda de “peso-real”.
Apesar de anos em debate, a moeda não saiu do papel até agora por causa das enormes diferenças econômicas entre os países, além de questões monetárias e diplomáticas.
Rafael Passos, analista da Ajax Capital, destaca que a inflação da Argentina fechou o ano de 2022 em torno de 95% e que o país está sem acesso ao mercado internacional de capitais.
“O anúncio do sur poderia causar algum impacto positivo para a Argentina neste ano eleitoral e as empresas portenhas poderiam expandir seus negócios. Não está claro qual será o incentivo para uma empresa brasileira que apenas exporta para a Argentina, receber na nova moeda, que não poderá ser usada para os pagamentos dos compromissos da exportadora em outras moedas”, afirma.
Para ele, é possível que o Banco Central brasileiro tenha de comprar o sur em troca de dólares. “Como o Brasil tem registrado superávit comerciais contra a Argentina, a tendência seria o BC acumular a nova moeda em suas reservas”, completa.
Fazenda e Banco Central
No início do mês, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou que o Brasil estava participando de uma proposta de criação da moeda única. Dias antes, o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, se encontrou com Haddad e afirmou que os países iriam trabalhar juntos na moeda.
“Não existe uma moeda única, não existe essa proposta”, disse o ministro ao ser questionado por jornalistas e ainda afirmou que o profissional que fez a pergunta deveria “se informar primeiro”.
Ao chegar a Buenos Aires junto com Lula, Haddad ironizou os rumores sobre fim do real e afirmou que o objetivo é buscar algo comum, que permita incrementar o comércio com a Argentina.
“O problema é exatamente a divisa. A gente está quebrando a cabeça para encontrar uma solução. Alguma coisa em comum, alguma coisa que permita a gente incrementar o comércio porque a Argentina é um dos países que compram manufaturados do Brasil e a nossa exportação para cá está caindo. Passa por driblar a dificuldade deles. Estamos pensando em várias possibilidades”, afirmou.
Os planos, no entanto, não agradam o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Durante um evento na Universidade da Califórnia em Los Angeles, ele afirmou ser contra a criação de uma moeda em comum entre o Brasil e a Argentina.
“Sou contra. Não acho que faça sentido para nós no momento por diversos motivos”, disse sem entrar em muitos detalhes.