Argentina nacionaliza empresa de negociação agrícola e soa alarme no mercado de soja
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, recorreu ao manual de sua vice, Cristina Kirchner, em busca de um plano para nacionalizar a trading agrícola Vicentin SAIC, medida que deve soar o alarme nos mercados de soja e entre investidores do país.
O governo de Fernández assumirá o controle da Vicentin pelos próximos 60 dias enquanto busca aprovação do Congresso para desapropriar a empresa agrícola, que pediu recuperação judicial no ano passado depois de sofrer o impacto de oscilações cambiais.
“Esta é uma visão estatista para o século 21”, disse o ministro da Produção, Matias Kulfas, em entrevista na segunda-feira após o anúncio. A empresa não foi notificada, disse.
Sob o plano, todos os ativos da Vicentin – cujas joias da coroa são as unidades de processamento de soja que abastecem o mercado global com ração e óleo de cozinha – serão colocados em um trust administrado pelo braço agrícola da estatal de petróleo YPF.
A YPF Agro absorveria inteiramente a Vicentin, criando uma gigante estatal de commodities com grande peso em exploração de gás de xisto, distribuição de combustíveis e comércio de colheitas, e até dando ao governo mais influência no mercado de câmbio, disse Kulfas.
A mudança ocorre em um momento delicado para a Argentina, que negocia uma reestruturação de US$ 65 bilhões em dívida estrangeira.
Também remete à nacionalização da YPF em 2012 e de outras empresas durante a presidência de Cristina Kirchner, levantando questões sobre como a Argentina vai atrair investimentos do setor privado para recuperar a economia.
“A história nos mostra que as intervenções estatais, em particular no comércio de grãos, criam distorções graves que acabam aprofundando os problemas em vez de resolvê-los”, afirmou a Sociedade Rural Argentina em comunicado.
A principal coalizão da oposição criticou a medida, chamando-a de “ilegal e inconstitucional”.
O governo afirma que as repercussões da crise financeira da Vicentin no setor agrícola argentino eram simplesmente grandes demais para serem ignoradas.
A empresa de capital fechado é peça importante do negócio de exportação agrícola da Argentina, avaliado em US$ 20 bilhões por ano e que respondeu por 7,4 milhões de toneladas de exportações de esmagamento de soja em 2019.
“Existe uma certa crença, especialmente entre agricultores pequenos e independentes que foram bastante afetados pelo fracasso da Vicentin, de que a empresa precisava ser salva de alguma forma”, disse Juan Cruz Diaz, diretor da consultoria política Cefeidas, em Buenos Aires.
Mas, para muitos observadores, a nacionalização aponta para outra questão: quem exatamente governa a Argentina? Fernández, que está longe de ser visto como defensor do livre mercado, mas é considerado moderado, ou Kirchner, sua vice, conhecida pela visão nacionalista.
A Glencore, com sede na Suíça, tem uma joint venture com a Vicentin, chamada Renova, que inclui uma das maiores esmagadoras de soja do mundo.
Fernández disse que é muito cedo para dizer como uma nova parceria estatal com a Glencore funcionaria.
A Argentina é a maior exportadora de farelo de soja para ração e óleo de cozinha e, nos últimos anos, a Vicentin ganhou fatia de mercado de grandes multinacionais