Na contramão de Bolsonaro, Banco Central pressiona por bancos mais verdes
O Banco Central está se preparando para exigir que os bancos contabilizem potenciais perdas advindas de fenômenos relacionados a mudanças climáticas, como secas, inundações e incêndios florestais, posicionando-se como líder global na regulamentação do setor financeiro com base em ESG.
A proposição de novas regras ocorre sob a liderança de Roberto Campos Neto, ex-executivo do Banco Santander Brasil. Ele foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, que governa sob uma onda de desmatamento na Floresta Amazônica e é criticado por ambientalistas.
O Banco Central, no entanto, é totalmente independente, o que reduz a influência de Bolsonaro sobre a política do banco.
As ações do Banco Central, que preveem a inclusão de riscos climáticos nos testes de estresse dos bancos, refletem a pressão crescente sobre os reguladores em todo o mundo para que levem a sério suas credenciais verdes, mesmo sob o risco de alterar o fluxo de crédito para certos tomadores.
O aquecimento global é cada vez mais visto como um risco para a estabilidade financeira. Desastres naturais decorrentes de temperaturas mais altas podem prejudicar os negócios das empresas ou as garantias dadas por elas a empréstimos, colocando em risco uma carteira de crédito de 4,2 trilhões de reais.
Embora atualmente não haja exigência de capital específica para os bancos cobrirem riscos ambientais nas regras propostas pelo regulador, o Banco Central pode impor a constituição de colchões extras no futuro se acreditar que os bancos estão correndo riscos mais elevados, disse Kathleen Krause, chefe- adjunta do departamento de regulação prudencial do Banco Central.
“Nosso objetivo não é proibir os bancos de conceder empréstimos, mas conscientizá-los sobre os riscos que correm relacionados a mudanças climáticas”, disse Krause em uma entrevista.
O aumento do nível do mar pode inundar terras dadas como garantia para um empréstimo, resultando em perdas para os bancos, ela exemplificou.
Para cobrir riscos como esse, os bancos podem ser forçados a reservar mais capital, o que provavelmente se traduziria em empréstimos mais caros e escassos para determinados tomadores.
Entre os riscos relacionados às mudanças climáticas listados pelo Banco Central nas regras que foram levadas a audiência pública estão as potenciais perdas decorrentes de uma transição para uma economia de baixo carbono, bem como secas e inundações.
Caso o BC incorpore os riscos relacionados às mudanças climáticas nos testes de estresse, o que está sendo considerado, isso o colocaria na vanguarda dos reguladores em todo o mundo.
Alguns poucos países – como França e Holanda – já lançaram esses testes, embora muitos outros estejam em preparação, de acordo com o Financial Stability Institute.
Previsões climáticas
O Banco Central disse que planeja lançar as novas medidas para incorporação do risco climático aos testes de estresse ainda este ano, com implementação a partir de 2022. Mas os bancos estão pedindo até 18 meses para conseguirem se preparar.
Os bancos demandam que o regulador emita previsões climáticas para que todos os credores as utilizem em testes de estresse.
“Se cada banco fizer sua própria previsão, os resultados finais podem acabar sendo muito diferentes dentro do setor bancário”, disse Amaury Oliva, diretor de sustentabilidade da Febraban, entidade que representa os bancos.
O regulador disse que está considerando o pedido e pode fornecer algumas orientações, como os cenários climáticos divulgados pela Network of Central Bank and Supervisors for Greening the Financial System em julho.
Ainda assim, Oliva diz que esses cenários globais são muito genéricos e que o ideal seria um cenário mais tropicalizado.
Além de incorporar os riscos do aquecimento global aos testes de estresse, o Banco Central, que regulamenta empréstimos para projetos no bioma amazônico desde 2008, também propôs duas novas regras neste ano envolvendo riscos ambientais, sociais e o crédito rural.
Uma dessas regras, que também passou por audiência pública e agora está em fase de análise final pelo regulador, veta o desembolso de crédito rural a projetos em terras indígenas ou desmatadas, ao mesmo tempo em que cria uma espécie de selo de “empréstimo sustentável” para projetos que seguem as melhores práticas para o crédito verde.
O regulador também está exigindo uma divulgação mais detalhada e profunda sobre como os bancos lidam com riscos sociais e ambientais, o que inclui problemas como assédio, preconceito e desmatamento.
Um caso de discriminação racial, por exemplo, pode ferir a imagem de um banco, assustar clientes e levar a penalidades legais.
No caminho certo
A postura do Banco Central está em nítido contraste com o histórico do governo de Bolsonaro em relação à proteção ambiental.
Muitos grandes investidores têm demandado ao governo brasileiro que adote uma postura mais firme em relação à proteção ambiental. Eles acolhem as iniciativas verdes do Banco Central, mas alertam que este é apenas o primeiro passo.
“A iniciativa do Banco Central é um ponto de partida positivo. O Brasil está indo do nada para alguma coisa”, disse Daniela da Costa-Bulthuis, gestora de portfólio da Robeco, com sede na Holanda, que administra 168 bilhões de euros em ativos ESG. “Mas o governo está um pouco atrasado em relação ao regulador.”
De acordo com o Positive Money, um grupo de defesa a uma economia sustentável sediado em Londres, o Brasil tem o segundo Banco Central “mais verde” do mundo depois da China, mas as perspectivas de progresso social e política ambiental mais amplas no Brasil permanecem fracas sob Bolsonaro.
Em última análise, o impacto das políticas do Banco Central será limitado até que o governo brasileiro implemente políticas fiscais e industriais necessárias para enfrentar os problemas ambientais.
“Ao redirecionar as finanças, as alavancas do Banco Central podem ajudar enormemente ou dificultar a transição”, disse o economista da Positive Money David Barmes. “Mas ainda precisamos que os governos liderem o caminho.”