Internacional

Na América Latina, Casa Branca de Biden enfrentará uma China em ascensão

14 dez 2020, 15:29 - atualizado em 14 dez 2020, 15:29
Grãos de soja, Argentina
Na Argentina, o governo anunciou uma enxurrada de iniciativas novas ou fortalecidas com a China nos últimos meses (Imagem: REUTERS/Agustin Marcarian)

Donald Trump enviou uma mensagem clara para a América Latina durante seus quatro anos de mandato: não faça negócios com a China. A mensagem foi ignorada.

Enquanto o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, se prepara para entrar na Casa Branca em janeiro, Pequim tem reforçado seu controle sobre grande parte da região, uma ameaça para os EUA no que antes era visto como seu quintal político.

Uma apuração da Reuters, incluindo entrevistas com cerca de uma dezena de autoridades e conselheiros antigos e atuais e uma análise detalhada de dados comerciais, revela que, sob Trump, a China deixou os Estados Unidos para trás na maior parte da América Latina.

Isso representa um desafio para Biden, que prometeu restaurar o papel de Washington como líder global após anos de “America First” de Trump, e disse que a redução da influência dos EUA na América Latina é uma ameaça à segurança nacional.

“Eles devem ficar cientes de que a incompetência e a negligência de Trump na América Latina e Caribe terminarão no primeiro dia do meu governo”, disse Biden à publicação Americas Quarterly em março. A equipe dele se recusou a fazer comentários para esta reportagem.

A promessa, no entanto, não será fácil de cumprir.

Desde 2017, a China ultrapassou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial da América Latina fora o México, adquirindo cobre andino, grãos argentinos e carne brasileira.

O país asiático também elevou investimentos e empréstimos a juros baixos para a região, apoiando projetos de energia, fazendas solares, barragens, portos, ferrovias e rodovias.

O ex-presidente boliviano Jorge Quiroga explicou o poder de atração da China à Reuters em La Paz neste ano, acrescentando que, ao lado do Brasil, o país asiático é o parceiro mais importante.

“As pessoas me perguntam quem eu prefiro, Estados Unidos ou Europa? Digo Brasil. E em segundo lugar? Digo China. Essa é a realidade da América do Sul”, disse Quiroga.

“Trump Não Mostrou Interesse”

Autoridades da região alertaram que será difícil desbancar a China, um importante parceiro econômico e diplomático de muitos países latinos. Bilhões de dólares da China representaram uma tábua de salvação fundamental para países emergentes endividados, o que foi acentuado pelo impacto da pandemia de coronavírus.

“Acredito que a China tem mais interesse na Argentina do que os EUA têm na Argentina. E é isso que faz a diferença”, disse uma autoridade do governo argentino à Reuters.

“Trump não mostrou qualquer interesse. Esperamos que Biden o faça.”

A China é agora o parceiro comercial número um de Brasil, Chile, Peru, Uruguai e outros. Ultrapassa de longe os Estados Unidos em termos de comércio com a Argentina.

Tirando o México, o comércio da China com a região superou os Estados Unidos em 2018 e foi ampliado em 2019 para mais de 223 bilhões de dólares, contra 198 bilhões de dólares do comércio dos EUA, de acordo com uma análise da base de dados da ONU Comtrade.

Os EUA permanecem bem à frente quando o México seu principal parceiro comercial global no ano passado– é incluído.

O governo Trump foi visto por alguns países regionais como tendo feito pouco mais do que reclamar a contrapartes latino-americanas por se aproximarem da China, particularmente por meio de financiamento barato ou laços de tecnologia conforme a corrida pelo domínio do 5G esquenta.

Mark Feierstein, que assessorou o ex-presidente Barack Obama, disse que a falta de engajamento de Trump e a saída da Parceria Transpacífica criaram um “vácuo” que a China preencheu e que Biden tentará reverter.

“O que Trump fez foi fazer com que a China parecesse um parceiro melhor. Tudo isso vai mudar”, afirmou Feierstein, agora conselheiro sênior do Albright Stonebridge Group e da CLS Strategies.

“Vantagem Estratégica”

Uma Casa Branca com o democrata Biden provavelmente dará maior prioridade à América Latina, disseram analistas e ex-assessores, embora isso se dará em um momento de difícil recuperação da pandemia e de retomada dos laços na Europa e na Ásia.

Janet Napolitano, ex-secretária de Segurança Interna dos EUA no governo Obama, afirmou que Biden vê uma “vantagem estratégica para os Estados Unidos por terem relações muito fortes na América Central e do Sul”.

Biden continuará fazendo advertências semelhantes contra a aproximação da China, mas pode oferecer mais incentivos financeiros e um retorno da ajuda humanitária que Trump cortou drasticamente.

“(Eles vão) reconhecer a dependência na América do Sul do mercado chinês para commodities e tentar com muito mais energia e generosidade oferecer apoio”, disse Benjamin Gedan, ex-funcionário do Conselho de Segurança Nacional de Obama e agora um acadêmico do Wilson Center.

Diplomacia Econômica

A China aproveitou a oportunidade durante a pandemia para aprofundar os laços em toda a região, distribuindo suprimentos médicos como respiradores e máscaras para combater a Covid-19.

Na Argentina, o governo anunciou uma enxurrada de iniciativas novas ou fortalecidas com a China nos últimos meses, como swap de moeda, cooperação espacial, curso de estudos militares chineses e testes de vacinas.

Os dois países têm discutido uma possível visita de Estado à China e a adesão da Argentina à iniciativa Belt and Road (Cintuarão e Rota) de Pequim.

Margaret Myers, diretora do programa China e América Latina do Diálogo Interamericano, disse que, embora os empréstimos soberanos chineses tenham caído um pouco, em seu lugar vieram os financiamentos de bancos comerciais.

“A diplomacia econômica da China, seja por meio do comércio ou das finanças, abriu uma ampla variedade de portas”, declarou ela, citando um empréstimo de 2,4 bilhões de dólares ao Equador pelo China Exim Bank este ano.

A ânsia da China por matérias-primas lhe dá uma vantagem na área abaixo da Região de Darién, devorando minério, combustíveis minerais, soja e cobre. Enquanto isso, governantes locais se interessam por importações acessíveis e financiamentos chineses.

Os EUA pareceram mudar de curso nos meses que antecederam as eleições de novembro, lançando seu próprio conjunto de iniciativas na região em uma tentativa de competir com a China, embora muitos considerem isso muito pouco e tarde demais.

“Essa é uma competição de grande potência e está acontecendo em todo o mundo, incluindo a América Latina”, disse uma autoridade de alto escalão do governo dos EUA, que pediu para não ser identificada. “Temos uma estratégia e estamos reagindo.”

Francis Fannon, secretário adjunto do Escritório de Recursos Energéticos do Departamento de Estado, recém-chegado de uma visita a Brasil, Chile, Equador e Panamá, afirmou que a pandemia corre o risco de empurrar alguns países da região a parceiros como a China.

“Com a Covid, isso está afetando a tomada de decisões econômicas e está afetando a psicologia dos países. Queremos encorajar os países a continuar no caminho reformista em que estão”, disse Fannon à Reuters.

“Os Estados Unidos são o parceiro escolhido. Foram e vão continuar sendo.”

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