Muito além do Desenrola: educação financeira é liberdade
Por Alessandra Velloso*
O ano de 2022 terminou com um cenário crítico em relação à inadimplência. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que 77,9% das famílias disseram ter dívidas. Trata-se de um percentual sete pontos a mais que em 2021 (70,9%). Além disso, três a cada dez pessoas atrasaram algum pagamento no ano passado.
Por isso, ano após ano, acontecem feirões “limpa nome” e programas de refinanciamento para tentar aliviar essa situação.
Agora, o governo federal anunciou mais uma dessas iniciativas: o Desenrola. O programa propõe a ajudar os mais vulneráveis a sair da inadimplência. A ação ainda não tem data para começar, mas a União promete beneficiar brasileiros que recebem até dois salários mínimos, com dívidas de até R$ 5 mil e atrasadas há mais de seis meses.
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Muito bem. Mas e depois?
Muitos acabam aproveitando essas oportunidades. Porém, depois, caem em um círculo vicioso, voltando a atrasar pagamentos e a contrair novos débitos. O resultado disso, como se imagina, é de se afundar em um poço que parece não ter fim.
Para um avanço concreto, é fundamental termos medidas efetivas para levar educação financeira às famílias. A população precisa ser instruída a gerir melhor seu dinheiro, evitando cair em armadilhas que façam a situação sair do controle.
Dados do Serasa mostram que 59% dos endividados não sabem os valores das tarifas e juros cobrados quando uma conta atrasa. Embora 88% diga controlar seus gastos, 14% dizem que fazem isso de cabeça, 21% apenas para algumas coisas e 15% de vez em quando.
Esses números reforçam a importância de educar as pessoas para a gestão dos recursos. E isso deve começar desde a escola, ensinando as crianças sobre o papel do dinheiro em suas vidas. Além de instruí-las de acordo com sua idade e de forma lúdica é preciso dizer sobre como fazer para cuidar bem dos gastos.
Adultos que não tiveram essa chance também devem receber oportunidades, conhecendo técnicas e ferramentas simples para a boa gestão financeira. Afinal, é fácil contratar empréstimos pelo celular, usar cartões de crédito e aproveitar o cheque especial — e, também, perder o controle. Aí, fica muito difícil se organizar e sair da crise.
A educação financeira não é uma questão ideológica. Ela deve ser vista como pilar da liberdade e emancipação das pessoas e famílias. Mais que isso, também é tida como estímulo ao desenvolvimento.
Afinal, com tantas dívidas, a população deixa de consumir. Ao mesmo tempo, os problemas sociais se aprofundam. Antes de tudo, portanto, é preciso desenrolar os brasileiros sobre como vão gerir o próprio dinheiro.
*Alessandra Velloso é advogada e especialista em Direito Bancário e Empresarial. Sócia-fundadora do Velloso Advogados & Associados e da Velloso Cobrança, possui mais de 20 anos de experiência no setor jurídico voltado ao atendimento de instituições financeiras e empresas. Integra a Divisão Jurídica da Federação das Empresas do Rio Grande do Sul (Federasul) e tem passagens pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).