Mudanças em impostos no Brasil e China afetam rentabilidade da geração solar
Mudanças na cobrança de impostos sobre módulos de geração de energia solar anunciadas nas últimas semanas por Brasil e também na China devem prejudicar a rentabilidade das usinas brasileiras da fonte renovável, em momento em que os projetos já estão com retornos apertados, disseram especialistas.
O Brasil importa quase todos módulos de geração solar utilizados no setor, cujos projetos avançaram nos últimos anos ao ponto de colocar a fonte como a segunda mais importante da matriz elétrica brasileira. E a China é a principal fornecedora, o que dá alguma dimensão do impacto das medidas.
O governo brasileiro decidiu na semana passada elevar o imposto de importação de painéis solares de 9,6% para 25%, em iniciativa que visa fortalecer a produção local e a geração de empregos internamente, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
Essa é a segunda alta tarifária sobre equipamentos fotovoltaicos em menos de um ano, depois da revogação do regime de ex-tarifário, e pegou o setor solar de surpresa.
Na mesma semana, a China resolveu cortar incentivos fiscais para exportação de uma série de produtos, incluindo módulos e células fotovoltaicas, o que deve levar os exportadores chineses a aumentar preços e renegociar contratos para repassar a alta do custo tributário, segundo traders e analistas.
As medidas devem encarecer a geração solar no Brasil, que importa mais de 90% dos módulos fotovoltaicos usados nos projetos, segundo a Greener. Pelos cálculos da consultoria, somente a alta de imposto no Brasil já elevará em 8% o custo de implantação de empreendimentos solares de grande porte.
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“Isso é impactante para o modelo econômico e perspectiva de rentabiliade do projeto. Muito provavelmente, contratos terão que ser revistos, de forma a manter a rentabilidade do investimento”, disse o CEO da Greener, Marcio Takata.
Ele também observou que as margens dos projetos estão bastante apertadas, dada a elevada competitividade do mercado de geração em meio a um cenário de sobreoferta de energia no médio prazo no Brasil, que dificulta a viabilidade de novas usinas.
Segundo levantamento feito pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), pelo menos 281 empreendimentos solares deverão ser afetados pela elevação de impostos de importação no Brasil, somando mais de 25 gigawatts (GW) e 97 bilhões de reais em investimentos até 2026.
Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar, afirma que a fonte, que já alcançou o segundo lugar na matriz elétrica brasileira, sofrerá um “golpe duplo”, com reflexos já em 2025.
O governo cancelou as cotas de importação de painéis com isenção de impostos até 2027 que havia fixado anteriormente e definiu uma nova cota, para compra dos equipamentos com alíquota mais baixa até a metade de 2025. Mas a expectativa da Absolar é de que a cota seja consumida antes, até fevereiro.
“O que vemos é que em poucos meses o mercado vai estar sujeito a esses 25% de imposto de importação… Isso é um retrocesso, porque é em desfavor do consumidor. Encarece os projetos e não desenvolve a indústria nacional”, avaliou Sauaia.
Carlos Dornellas, diretor técnico-regulatório da Absolar, apontou que as mudanças em impostos para painéis se somam a um cenário já desafiador para a geração renovável no Brasil, agravado pelo aumento dos cortes de geração impostos pelo operador do sistema elétrico.
Indústria nacional
O aumento do imposto de importação foi comemorado por fabricantes locais como a BYD, que apostam em um estímulo à retomada da indústria nacional. A companhia chinesa de veículos elétricos, que opera desde 2017 uma fábrica de módulos fotovoltaicos em Campinas (SP), foi uma das pleiteantes da elevação de impostos junto ao governo.
“Como empresa líder em veículos híbridos, elétricos e tecnologia solar, esta medida é um estímulo gigantesco para retomada da indústria local, quase falida, impulsionando a produção local, incentivando inclusive novos investimentos e reforçando a cadeia produtiva brasileira”, disse Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD Brasil, em nota.
Na visão da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), a medida “veio para interromper a sangria pela qual passavam as indústrias instaladas no país” e é um primeiro passo para “condições mais isonômicas de tratamento” em relação aos fabricantes do exterior.
“A medida nada mais fez do que compensar parte dos subsídios diretos e indiretos de que dispõem os produtos asiáticos”, disse a entidade, citando uma queda de mais de 60% dos preços de exportação de módulos ao Brasil e outros mercados nos últimos 24 meses.
“A decisão não deve acarretar aumento de preços para os consumidores brasileiros. O que muda com a alíquota é a competitividade dos produtos fabricados internamente”, sustentou a Abinee.
Mas para Donato da Silva, CEO da Volt Robotics, falta um plano industrial mais robusto do governo para que a indústria nacional possa se desenvolver de fato, e sem comprometer o crescimento do setor solar, ainda altamente dependente das importações.
“Vemos vários países se posicionando de forma estratégica, entendendo que do ponto de vista de tecnologia, ninguém vai alcançar a China… É preciso criar benefícios, trazer fabricantes. Tem que ser um movimento estrutural, não só painéis, mas também baterias, turbinas eólicas”.