Meio Ambiente

Mudança Climática: Uma radiografia das pesquisas de opinião junto aos Climatologistas

23 dez 2018, 11:30 - atualizado em 21 dez 2018, 18:41
(Divulgação/Ibama)

Por André Lunardelli, doutor em economia pela FEA-USP – Para o Terraço Econômico

“Apesar de numerosos indicadores de consenso (entre os cientistas da área), há uma ampla percepção do público de que cientistas do clima estão divididos sobre a causa fundamental do aquecimento global.”

(Passagem do artigo de Cook e outros (2013), citando Leiserowitz e outros (2012)).

Praticamente ninguém questiona que o planeta tenha passado por significativas mudanças de clima ao longo de eras, mas existe um consenso também muito grande entre cientistas da área no sentido de que agora está havendo uma mudança importante causada pelo homem. No entanto, houve, e se sustenta até hoje, uma controvérsia sobre isto junto a opinião pública e a grupos que assumiram o poder nos Estados Unidos. Porém, esta controvérsia levou a um debate acadêmico que gerou uma radiografia clara do pensamento dos cientistas que trabalham com o assunto. Diante disto, e do fato de o presidente eleito brasileiro ser partidário da ideia errônea de que não há tal consenso, o presente artigo apresenta uma resenha da literatura em questão.

O trabalho pioneiro e mais citado desta literatura é Oreskes (2004), publicado na Science, que falou em um consenso de 100% pró a visão de aquecimento global antropogênico (AGA) entre os artigos publicados em revistas científicas da área com palavra-chave “global climate change.”

A versão mais atualizada de artigo em revista científica usando metodologia similar a dela é Cook e outros (2013), que chamarei de C-2013, e que chegou a resultados que os autores consideraram bem próximos. Este trabalho concluiu que “66,4% dos abstracts não expressaram posição sobre AGA, 32,6% endossaram AGA, 0,7% o rejeitaram, e 0,3% expressaram incerteza sobre as causas do aquecimento global. Em uma segunda fase do estudo, convidamos os autores a avaliar a posição dos seus próprios artigos. Comparando com a avaliação dos abstracts, uma proporção menor expressou não ter posicionamento sobre AGA (35,5%). Entre os que declararam posição, 97,2% endossaram que humanos estão causando aquecimento global.”

A principal reação acadêmica a C-2013 é dada por artigo de 2016 de Richard Tol publicado na mesma revista, a Environmental Research Letters, a qual conta também com a tréplica de Cook e outros (2016), que chamarei de C-2016. Tol é professor de economia da mudança climática na Universidade de Sussex, e pode ser considerado uma liderança entre os “céticos do clima.” As duas principais críticas de Tol (2016) são as de que: (i) há outros trabalhos avaliando o nível de consenso pro-AGA com metodologias variadas, incluindo pesquisas de opinião, e a mediana da taxa de consenso a respeito seria significativamente abaixo de 97%; (ii) C-2013 enfatiza as taxas de consenso pró AGA com o cálculo que inclui somente artigos nos quais houve posicionamento (seja nos abstracts ou nas respostas dos autores) – ou seja, esta taxas não levam em conta os casos nos quais não houve posicionamento.

Com relação à primeira destas críticas C-2016 responde, então, que os casos computados por Tol (2016) com consenso mais baixo apresentam problemas graves:

(i) perguntas formuladas de forma inadequada (por exemplo, perguntando se a mudança é principalmente antropogênica, mas não explicitando se é com referência à toda a história da Terra ou aos dias de hoje);

(ii)  amostras incluindo grandes proporções de respondentes que não são cientistas da área.

(iii) tabulação dos dados de forma claramente viesada – como exemplo, para C-2013, Tol lançou 8 taxas de consenso – 32,6%, 34,8%, 62,7%, 62,7%, 97,1%, 98,4%, 97,2% e 96,4% – inflando a dispersão dos resultados da sua amostra de trabalhos.

A resposta de C-2016 à segunda crítica de Tol foi de que aquilo que já é consensual (no caso, o AGA) se torna menos necessário de ser explicitado nos abstracts. Observo, porém, que 35,5% dos autores que responderam à segunda etapa da pesquisa reportaram que seus artigos não tinham posicionamento quanto à questão, de modo que considero esta crítica pertinente.

Levando-se em conta os pontos levantados tanto pela crítica de Tol (2016) quanto pela tréplica de C-2016 (ou seja, levando-se em conta os que responderam a C-2013 sem terem apresentado posicionamento, excluindo as pesquisas com respondentes que não são pesquisadores da área, e excluindo os itens viesados da tabulação de Tol), as estimativas de consenso dos cientistas da área sobre AGA tem um piso de 62,7% e um teto de 100% para o ano de 2003, e de 98% para 2016. Conforme a discussão que se segue, se verificará de modo mais claro que é considerado que, para os parâmetros de ciência (na qual o que é unânime deixa de ser pesquisado), o consenso sobre o assunto é considerado muito amplo.

No intuito de precisar e atualizar esta avaliação, vale relatar informações das duas pesquisas de opinião mais recentes feitas exclusivamente entre cientistas da área, as quais fazem também o levantamento de informações bastante detalhadas.

No questionamento de se fatores antropogênicos constituem a força principal do aquecimento atual (uma questão distinta da de Cook e outros (2016), que é sobre a existência de aquecimento antropogênico), Bray e Von Storch (2016), obtiveram um percentual de concordância de 87%, e com a metade dos restantes enxergando causas antropogênicas versus naturais com pesos iguais. Verheggen e outros (2014) faz uma pergunta próxima, mas ainda mais específica, de quais consideram a emissão de gases de efeito estufa a causa principal, com o resultado sendo de 83% para a amostra total, e de aproximadamente 89% para os pesquisadores com 30 ou mais publicações na área (percentuais sem considerar os que responderam que a causa principal não está clara).

Bray e Von Storch (2016) contém um grande número de perguntas, e parte delas tem relação com um outro ponto que provavelmente ocupa hoje o lugar central do debate – o de qual a gravidade do problema. Muitas das suas perguntas se referem ao grau de confiança que estes pesquisadores têm na exatidão dos modelos que desenham cenários relacionados com as mudanças climáticas. O perfil das respostas revela um grau de incerteza significativo. Apesar de os “céticos” geralmente usarem isto como argumento contra investimentos em mitigação e adaptação, entendo que uma leitura levando em conta a aversão ao risco seria a oposta a esta – enfatizando que há um risco significativo de que o desenrolar dos acontecimentos seja claramente pior do que o esperado. A pesquisa mostra também que 62,9% dos respondentes acham que há um significativo ou grande potencial de catástrofe em seus países caso não sejam feitos esforços de mitigação e adaptação (pergunta 97), e que 86,8% deles acham que este potencial de catástrofe é significativo ou grande em outras partes do mundo (pergunta 99) – sendo que a grande maioria deles vive nos países desenvolvidos, e com 46% deles dando a nota máxima para o potencial deste risco. Vale lembrar que, quando se tem em mente as projeções de elevação da temperatura média do planeta, os continentes terão elevações de temperatura maiores do que as regiões oceânicas, e as regiões continentais não temperadas (tanto as mais frias quanto as tropicais) terão elevações ainda maiores.

Portanto, apesar de a estimativa de consenso na faixa de 97%-98% parecer ser mais um teto do que a mediana dos resultados, o percentual dos pesquisadores do clima global que pensam que há influência antropogênica significativa ou grande nos dias de hoje parece estar entre 80% e 90%, com a boa parte dos restantes estando incerta, e não contra este ponto de vista (havendo muito poucos climatologistas discordando que há mudança climática antropogênica importante), e com os climatologistas que publicam mais tendo um nível de consenso mais alto do que os que publicam pouco. O grau de consenso em questão foi considerado por Shwed e Berman (2010) (com uma metodologia que usa rede de citações) similar ao do consenso científico de que fumar causa câncer. Ademais, a única pesquisa que perguntou a respeito da percepção dos cientistas sobre potencial de grandes catástrofes nos países tropicais obteve como resposta um sonoro 86,8%.

Ou seja, querer imitar Trump na diplomacia climática não é uma decisão inteligente para o Brasil.