MPF quer rever vazão da hidrelétrica de Belo Monte, que teme “enormes prejuízos”
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao órgão ambiental Ibama uma correção na licença de operação da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, por avaliar que a vazão do rio Xingu destinada a alimentar as turbinas da usina pode causar um “colapso socioambiental” na região, disse um procurador nesta quarta-feira.
A preocupação do MPF já estava no radar da Norte Energia, que reúne os acionistas do empreendimento, orçado em mais de 35 bilhões de reais. Em junho, a empresa disse em reunião com o Ministério de Minas e Energia que uma nova discussão sobre a vazão poderia resultar em “enormes prejuízos aos investidores”, segundo documento visto pela Reuters.
Belo Monte, que será uma das maiores usinas do mundo quando concluída, o que é previsto para novembro, tem como principais acionistas empresas do grupo estatal Eletrobras, além das elétricas Cemig, Light e Neoenergia, a mineradora Vale e fundos de pensão.
O chamado “hidrograma de consenso” da hidrelétrica, licitada em 2010, determinou que cerca de 80% da vazão do Xingu será destinada a alimentar as turbinas da usina, mas os procuradores alegam que esse número foi definido sem os necessários estudos técnicos e já tem causado consequências negativas para o rio, o bioma local e populações indígenas próximas.
“Esse nome técnico pode iludir, porque hidrograma de consenso não quer dizer que isso foi negociado… você já teve uma redução (na vazão), ainda não para os níveis do hidrograma de consenso, e isso já provocou resultados… já tem elementos que indicam que isso é insustentável”, disse à Reuters o procurador da República no Pará, Ubiratan Cazetta.
Ele citou como exemplos efeitos negativos “irreversíveis” sobre espécies de peixes e a navegação, o que impactaria o modo de vida de índios e poderia levar ao deslocamento deles de suas aldeias, segundo o MPF.
Procurado, o Ibama direcionou os pedidos de comentários da Reuters para o Ministério de Meio Ambiente, que não respondeu de imediato. A Norte Energia afirmou que não foi notificada sobre a recomendação dos procuradores federais.
Nas discussões sobre o licenciamento ambiental de Belo Monte, ficou definido que haveria um período de testes de seis anos do hidrograma após a entrada em operação total da usina, com monitoramento dos impactos da vazão da hidrelétrica sobre a chamada Volta Grande do Xingu e possível rediscussão após esse prazo caso não houvesse alternativas para mitigar impactos.
Mas a recomendação do MPF é de que cálculos técnicos para a revisão sejam feitos de imediato, de forma a evitar consequências locais ainda mais severas com a usina em pleno funcionamento.
“Neste momento é de fato uma recomendação, com as preocupações que temos e nossas conclusões… mas se não for possível avançar num processo de negociação, aí a judicialização passa a ser uma hipótese”, disse Cazetta.
Segundo o MPF, artigo assinado por 21 cientistas aponta que as vazões que constam do hidrograma “inviabilizarão a vida na Volta Grande do Xingu”.
Impacto Financeiro
A Norte Energia chegou a procurar o Ministério de Minas e Energia em meados do ano para apresentar preocupação sobre questionamentos então já realizados pelo MPF sobre a vazão do rio Xingu, alertando sobre possíveis impactos financeiros de mudanças.
A empresa alegou que realizou investimentos bilionários levando em consideração vazões mínimas definidas na licença prévia emitida pelo Ibama antes da licitação da concessão do empreendimento.
“Rediscutir o hidrograma neste momento é rediscutir todo o processo de licenciamento ambiental do empreendimento e o próprio contrato de concessão. Adicionalmente, é importante ponderar que qualquer alteração no hidrograma afeta a capacidade de geração de energia para o país, além de alterar as premissas que viabilizaram o projeto, resultando em enormes prejuízos para os investidores”, disse a Norte Energia.
Em carta ao ministério, vista pela Reuters e assinada pelo diretor-presidente da companhia, Paulo Roberto Ribeiro Pinto, a Norte Energia ainda afirma que “rever processo dessa envergadura abriria um precedente de riscos incalculáveis não somente para a empresa como para o setor de energia, ocasionando insegurança jurídica e perda de credibilidade nos mecanismos e normativos que regem o setor no país”.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia não respondeu de imediato a um pedido de comentários.
O MPF alega, no entanto, que sempre alertou sobre os riscos do hidrograma para o projeto e que o tema foi sempre ignorado devido à prioridade dada pelo governo e investidores para a construção do projeto.
“É falso dizer isso. Todos conheciam nossa crítica, nossa afirmação de que havia um sério risco de sustentabilidade econômica no empreendimento por conta da vazão do Xingu, então dizer que entrou e depois a regra do jogo mudou não é verdadeiro”, argumentou Cazetta.
A polêmica em torno da vazão do rio Xingu é apenas mais uma na história de Belo Monte, um projeto que começou a ser desenhado ainda nos anos 70, durante a ditadura militar, e acabou hibernando por décadas até ser retomado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Inaugurada por sua sucessora Dilma Rousseff, a usina enfrentou enorme oposição de ambientalistas e organizações não-governamentais durante sua implementação, além do próprio MPF, que ajuizou diversas ações judiciais para tentar suspender a construção do empreendimento.
À pasta de Minas e Energia, a Norte Energia defendeu ter investido cerca de 6,5 bilhões de reais “em ações de mitigação e compensação ambiental” de seus impactos.