MP alerta para abuso do poder religioso na disputa eleitoral
O vice-procurador-geral Eleitoral, Humberto Jacques, alertou que é necessário combater todo tipo de abuso de poder capaz de desequilibrar a disputa eleitoral, seja econômico, político ou de natureza religiosa. O alerta foi feito nesta terça-feira (29) na sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os ministros iniciaram o julgamento de recursos ajuizados por candidatos mineiros acusados de utilizar a estrutura de evento religioso para promover suas candidaturas nas eleições de 2014.
“O sistema brasileiro diz que há limite no acesso dos poderes ao jogo eleitoral. Estamos acostumados a tolher os excessos do poder político. Mas é sabido que o poder político não é o único em condições de turbar o processo e abalar as condições de escolha de um eleitorado”, ressaltou o vice-PGE. Na sessão, os ministros começaram a analisar recursos que contestam as sanções aplicadas ao deputado estadual eleito em 2014 por Minas Gerais Márcio José Machado de Oliveira, o então candidato a deputado federal Franklin Roberto Souza e o líder religioso Valdemiro Santiago, por abuso de poder econômico.
Eles são acusados de utilizar o evento promovido pela Igreja Mundial do Poder de Deus, um dia antes das eleições de 2014, em benefício dos candidatos. O evento, realizado em uma praça pública em Belo Horizonte reuniu cerca de 5 mil pessoas e custou quase R$ 1 milhão. O valor foi totalmente financiado pela igreja e não consta na prestação de contas dos candidatos. Pela prática, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG) condenou os dois políticos e o líder religioso a oito anos de inelegibilidade. Além disso, o deputado estadual eleito teve seu mandato cassado.
Ao defender a manutenção das sanções aplicadas, Humberto Jacques lembrou que o modelo eleitoral brasileiro é restritivo e impõe uma série de limites aos partidos e candidatos, relacionados a diversos temas, como gastos e tempo de campanha. É uma maneira de evitar excessos que comprometam o equilíbrio de oportunidade entre os candidatos. “Nenhum ator pode invocar da Constituição uma liberdade absoluta que possa desequilibrar o jogo eleitoral”, destacou.
Para afastar a influência indevida da religião no processo eleitoral, a Lei 9.504/97 veda a partido e candidato receber direta ou indiretamente de entidades beneficentes ou religiosas qualquer tipo de doação em espécie ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade. A mesma lei proíbe a veiculação de propaganda de qualquer natureza em templos religiosos, por considerá-los bens de uso comum. “É uma opção do legislador termos uma disputa eleitoral com restrições, que devem valer a todos os atores”, pontuou Humberto Jacques.
No caso do uso de estrutura física e financeira de cunho religioso, o caso é ainda mais grave, visto que tais entidades desfrutam de imunidade tributária. “Se estivéssemos apreciando o caso de um jogo de futebol, em que se pediu à torcida votos para determinado candidato, estaríamos todos muito assustados com o desequilíbrio na disputa, mas como se trata de evento de aparente raiz religiosa temos um pudor severo”, exemplificou. “É preciso avançar nos limites e restrições a esses abusos”, concluiu o vice-PGE.
Ao votar, a ministra Rosa Weber, relatora do caso, afirmou estar “perfeitamente delineado o abuso de poder econômico” cometido pelos políticos mineiros, em razão da “utilização premeditada de sofisticada estrutura de evento religioso de grande proporção”. Segundo ela, os recursos envolvidos na organização do evento foram revertidos em benefício dos candidatos, comprometendo o equilíbrio da disputa eleitoral. A ministra lembrou que durante o ato foram distribuídos materiais de campanha dos candidatos. Também houve pedido expresso para que os fiéis votassem nos políticos e para que conseguissem mais dez votos para as candidaturas.
No parecer enviado ao TSE, o MP Eleitoral destaca que, apesar das liberdades de expressão e crença, tem sido constatado comportamento abusivo por parte de alguns líderes religiosos para influenciar os fiéis a votarem em candidatos ligados a seus segmentos. “Partidos políticos e candidatos, valendo-se da estrutura eclesiástica e do apoio de ministros religiosos com discursos carregados de conotação espiritual, são capazes de subverter a legitimidade do pleito e influenciar diretamente o resultado das eleições ao arrepio da legislação eleitoral”, aponta o documento.