Thinking outside the box

Morde e assopra: Diferenciando condição necessária de suficiente

03 mar 2023, 20:15 - atualizado em 04 mar 2023, 9:22
Haddad e Lula
Questão fiscal, reoneração de combustíveis, taxação de exportação de petróleo bruto: Vemos todos os dias um verdadeiro morde e assopra (Imagem: Adriano Machado/Reuters)

Não resta dúvida de que o grande tema no Brasil hoje seja a questão fiscal. Em nossa história recente, ainda que o Plano Real tenha pavimentado consideravelmente a via para a pacificação das discussões monetárias do país, deixamos o âmbito orçamentário aberto, o que vem provocando graves distorções na curva de juros, em especial nos vértices mais longos, claro, e afetando o prêmio do risco dos ativos.

O problema se intensificou na era Dilma, sofreu um choque durante a pandemia e é resgatado anualmente desde então. Estamos há anos debatendo a questão fiscal, em uma espécie de preocupação insuperável. Aliás, parece que travamos numa faixa entre 105 mil pontos e 115 mil pontos, sem direção definida.

O ponto central repousa no estabelecimento de um novo arcabouço fiscal crível e responsável, o qual permitiria uma caminhada mais promissora para o país, sem que tivéssemos que retomar o assunto periodicamente, ancorando novamente as expectativas com o endividamento do país. Ao mesmo tempo, temos que batalhar para zerar o déficit primário o quanto antes, de modo a começarmos a sonhar com um superávit sustentável no longo prazo.

Há, porém, apenas duas alternativas para a realização de um ajuste fiscal: ou o governo corta gastos ou ele aumenta impostos. Não há saída. Como o governo atual é de centro-esquerda, possuindo resistência ao primeiro aspecto, nos resta avaliar o segundo. O problema foi que começamos o ano com a PEC da Transição e com a falta da reoneração sobre os combustíveis, movimentos que deixaram um gosto amargo na boca dos formadores de expectativas.

Para piorar, como comentamos aqui no passado, o pacote fiscal do ministro Fernando Haddad, embora tenha seus méritos, como já discutimos no passado, acabou focando excessivamente na arrecadação, ficando escanteado nas percepção dos agentes. Ou seja, enquanto o mercado pede, acertadamente, a definição de um novo e crível arcabouço fiscal, o governo cria confusão com o Banco Central e aumenta impostos. Não me parece a melhor das ideias.

Restava, portanto, a reoneração dos combustíveis, que enfrentou ruídos nos últimos dias. Como era esperado, o governo seguirá com a reoneração dos impostos sobre combustíveis. Não foi os 100% de cara como a Fazenda havia prometido no começo da semana, mas haverá convergência para a garantia de R$ 28,9 bilhões em arrecadação em quatro meses. Durante esse tempo, o governo se valerá de uma péssima e bizarra taxação sobre exportação de petróleo bruto. Vemos todos os dias um verdadeiro morde e assopra.

A taxa de 9,2% ficará em vigor por quatro meses, devendo arrecadar R$ 6,6 bilhões, compensando pela reoneração gradual nos próximos meses (de início, temos 75% do que era anteriormente, ou R$ 0,47/litro). Como se não bastasse a taxação sobre exportações, que afetou negativamente o setor petroleiro listado, ainda temos que lidar com ingerência sobre a Petrobras (PETR4), que reduziu o preço dos combustíveis para mitigar o impacto sobre o consumidor (havia espaço para a redução em termos formais, fique claro).

A companhia, que reportou um resultado recorde nesta semana sobre o quarto trimestre de 2023, indicou as primeiras diretrizes daquilo que deverá nortear a gestão da companhia nos próximos anos. Isso porque o que chamou a atenção foi a política de dividendos.

Petrobras
Ainda não houve esclarecimento sobre o que será feito com reserva de dividendos da Petrobras (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

Tivemos R$ 35,7 bilhões em dividendos no trimestre, totalizando R$ 216 bilhões em 2022, mais que o dobro pago em 2021. Para a próxima distribuição, porém, que deveria ser de R$ 2,7457 por ação, a companhia propôs a criação de uma reserva estatutária de R$ 6,5 bilhões, que seriam retidos da distribuição — ainda não houve esclarecimento sobre o que será feito com a reserva, pende de aprovação pelo conselho.

Sabíamos que haveria revisão na política de dividendos, isso não é surpresa. Eu só espero que o governo se lembre de que União é dona de quase 30% da companhia, enquanto o BNDES e o BNDESPar são donos de mais 8%, sendo o maior beneficiado pela política de dividendos (o acionista malvado da Gleisi é o próprio Lula). Durante o governo Bolsonaro, para vocês terem uma ideia, a Petrobras colocou nos cofres públicos mais de R$ 500 bilhões. Não é irrelevante.

Para piorar, voltamos a ver as autoridades do governo engrossando o tom com o BC, apesar da parcial trégua em fevereiro. Chama a atenção que não só Lula e Gleisi estavam falando mal, como de costume, mas Haddad e Tebet também, o que é bem prejudicial. Não ajuda em nada; aliás, muito pelo contrário, só atrapalha. Melhor seria se ficassem quietos pelo menos, mas não conseguem, precisam desesperadamente explodir o Brasil com falas irresponsáveis.

Sem falar que ainda precisamos do novo arcabouço fiscal, a ser apresentado em março, não bastando o ajuste fiscal anunciado em janeiro e a reoneração dos combustíveis. Em outras, palavras, a reoneração é necessária, mas ela não é suficiente para o BC baixar os juros. Não adianta falar grosso, tem que fazer mais. Pelo lado positivo, ao menos o diesel segue desonerado até o fim do ano, evitando problemas com os caminhoneiros e o agronegócio.

Neste sentido, por mais contraintuitivo que possa soar, pagar mais caro pela gasolina deveria ajudar o governo a caminhar em uma direção de maior responsabilidade fiscal, amenizando os ruídos sobre a curva de juros, permitindo uma maior tranquilidade por parte do BC para reduzir os juros ainda em 2023, ainda que marginalmente, e abrindo espaço para uma nova apreciação dos ativos brasileiros.

No curto prazo, vai doer no bolso do consumidor e provocar uma pequena inflação. Mas reforço minha visão de que a desoneração é um barato que sai caro, uma vez que deságua em mais déficit fiscal e, consequentemente, mais juros, prejudicando as perspectivas com a atividade. No longo prazo, podemos caminhar para um equilíbrio mais promissor e menos artificializado, principalmente se houver um bom arcabouço fiscal em março. Com isso, abriremos espaço para uma possível nova alta dos ativos.

As notícias da renoração dos combustíveis e do resultado recorde de Petrobras, contudo, que deveriam ser lidas de maneira positiva, acabaram gerando desgosto no mercado, principalmente depois que ficou evidente o desespero do governo com os dados de PIB anunciados – crescemos 2,9% e 2022, mas o último trimestre do ano foi marcado por uma contração marginal, já indicando uma desaceleração da atividade. Querendo já achar um culpado pela falta de crescimento, Lula e seu governo apontam os dedos para o BC.

A redução dos juros está 100% na mão do governo, que deverá apresentar neste mês, como já falamos, o novo arcabouço fiscal. Enquanto entender equivocadamente que a culpa é exclusiva da taxa de juros e de Roberto Campos Neto, não vai sair do lugar.

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