Modelo de tarifação do táxi não faz sentido, afirma diretor-geral da Cabify
Uma das reclamações recorrentes sobre o serviço de táxi no Brasil é o preço. E, ao lado disso, esta também é uma bronca dos taxistas. Para eles, o serviço é mal remunerado e agora “canibalizado” pelas empresas de transporte privado individual. Para Daniel Bedoya, diretor-geral da Cabify no Brasil, o sistema de tarifas dos táxis, na verdade, não faz muito sentido.
“Eu posso falar que a rentabilidade dele pode chegar de R$ 0,40 a R$ 0,60 por cada real investido. Se eu colocar R$ 1 ganharei R$ 1,60. Que investimento no Brasil hoje ganha 60% em cima do que você investe? Nenhum”, explica Bedoya em uma entrevista para o tradicional podcast da gestora Rio Bravo.
A entrevista pode ser ouvida aqui ou acompanhada abaixo na íntegra abaixo:
Aqui no Brasil, as iniciativas empreendedoras relacionadas à mobilidade urbana não começaram com a Cabify. Ou seja, quando a empresa veio para o país, outras companhias já tinham iniciado esse processo. Na sua avaliação, quais foram as vantagens e as desvantagens de ter chegado depois?
Para a Cabify, no modelo de trabalho nosso, a gente sempre trabalhou acompanhando o modelo regulatório também. Então, a nossa chegada veio depois de muito ter sido discutido. A gente chegou em um momento que já estava mais tranquilo a questão regulatória, lançando em São Paulo, já vinha o decreto, que foi lançado logo depois pelo prefeito Haddad. Tinha um projeto de lei em relação a isso também em Brasília. Então trouxe o ambiente mais confortável do ponto de vista jurídico.
Esse com certeza é um ponto positivo para a gente. Outro ponto que faz total sentido é o modelo de negócio já difundido, então não precisava explicar o que a gente faz ou o que o modelo de negócio faz. Isso a gente teve esse problema em outros mercados, por exemplo, Cidade do México, Santiago, Lima, são cidades e países que a gente entrou inclusive antes de outros modelos como o nosso. Então lá a gente teve todo esse desafio de, além de contar o que é a marca Cabify, contar o que a gente faz. Então, as pessoas entenderem que isso é uma solução de transporte leva tempo, investimento em marketing, investimento em capital. Então a gente chegou num local que isso já estava difundido, tanto para passageiros e motoristas.
Lógico que tem fronteiras a serem quebradas sempre, mas isso também traz uma agilidade no processo. Eu não preciso contar toda a história do que é o modelo de trabalho nosso, porque uma grande parte do público entende. E um grande desafio, mesmo tendo esse pré-caminho já construído por outros players, é, sim, ser uma nova marca entrante, num ambiente com empresas muito já bem consolidadas em questão de marca, como Uber, 99, Easy Taxi, Wappa, tinha outras empresas menores, creio que essas outras empresas já tiveram uma média de três, quatro anos construindo a marca deles aqui.
A gente chega como uma nova empresa que tem o desafio de construir a marca no período de um ano, sendo que elas fizeram em três. Então aí vem sim o desafio de marketing enorme de posicionamento nosso. Acho que esse seria o maior desafio, até para tirar da consciência dos nossos clientes, tanto motoristas como passageiros, que a solução para a mobilidade são essas outras empresas. Não, a Cabify também é uma solução de confiança que vai trazer uma solução ainda melhor do que você está habituado. Então eu posso dizer que o custo que você economiza em não criar o mercado, você acaba investindo em conscientizar de forma mais agressiva a sua marca.
Uma vez no Brasil, qual foi o critério da escolha das cidades em que a Cabify iria funcionar?
Como eu comentei antes, o aspecto regulatório. A gente sempre se move em relação ao aspecto regulatório. São Paulo foi o primeiro a ser lançada. É lógico que existe um combo fora em São Paulo, desde um avanço regulatório na época, uma dificuldade em mobilidade – São Paulo é uma cidade com vários problemas de mobilidade, é uma cidade com alta densidade populacional e com uma aderência muito grande a novas tecnologias. Acho que a gente pode cruzar esses principais fatores como sendo os principais pontos a tomar a decisão sobre uma nova cidade. As outras vêm consequentemente por esses fatores, mas muitas delas não tinham um avanço regulatório tão grande como São Paulo.
Ah, mas por que abriu ela, sendo que o marco regulatório é tão importante? Uma vez que o ambiente competitivo está tão alto e a gente é o último entrante nesse mercado, a gente começou a trabalhar na forma inversa. A gente entra e começa toda discussão junto aos órgãos regulatórios de cada cidade uma vez que a gente entrou, e não esperamos mais eles regularem para a gente entrar. Por quê? Por exemplo em Santiago, a gente trabalhou quase quatro anos seguindo a regulação e estimulando a construção de uma nova regulação e nunca veio.
E toda essa espera nossa nos tirou a tração em relação a competidores que estavam trabalhando sem seguir o modelo regulatório local. Então, visto o ambiente competitivo e a necessidade de acelerar, a gente resolveu mudar um pouco o nosso modelo de em vez de entrar em lugares regulados, vamos entrar e ajudar a regular. É um conhecimento que a gente tem de vários mercados quando se tem a regulamentação de Buenos Aires, Montevidéu, Cidade do México, Bogotá, Madri, São Paulo. A gente entende quais são reais necessidades e como existe um trabalho em quatro mãos nosso, não só governamental como de empresas como a nossa para ajudar a construir isso.
Como a Cabify se posiciona em relação à mais recente iniciativa de regulação do mercado?
O projeto que entrou na Câmara faz total sentido, uma vez que ele trazia esse modelo como autorizado a nível federal, mas que deveria ser regulado a nível municipal. A gente estava debatendo em cima desse projeto, inclusive desse modelo que foi cotado naquele dia, mas a emenda trazida para o final da votação, o destaque que foi trazido pelo Zaratini (deputado Carlos Zaratini), ele mudava toda a composição do modelo privado para público. Parece um detalhe, inclusive na própria votação a gente viu as primeiras manchetes que saíram, não mostrava que isso é algo preocupante, mas é sim algo preocupante para a gente.
O projeto faz sentido, o destaque não. Uma vez que você torna uma iniciativa privada em pública, de uma forma tão agressiva assim, você com certeza não tem mecanismos públicos claros para controle dele. Acho que esse seria o primeiro momento. Todos os municípios não estão preparados para receber uma mudança de privado para público tão agressiva. Dois. Uma vez que é público, eu preciso de concessões para trabalho. A gente vem como uma proposta de mobilidade, não de concessão uso de carros.
Se eu trabalho com concessões, eu vou ter limitações de carros, e se a gente analisar que mobilidade é transporte, faz mais sentido, por exemplo, na regulação de São Paulo, em cima de transporte privado, mas ela não é em cima de transporte privado. É o uso do modal viário urbano por veículos privados. Então em São Paulo, a gente paga por uma outorga, que não é nem uma concessão, de uso viário. Então, eu posso ter mil carros, 100 mil carros, 1 milhão de carros. Se eles estão melhorando o uso viário, faz sentido.
Então eu pago pelo uso viário. Uma vez que eu volto ao modelo de concessão, eu volto à mesma problemática que eu tinha por exemplo nos táxis. Para São Paulo, que tem 30 mil táxis, há quase duas décadas não tinha liberação de nenhuma licença, sendo que a população cresceu nesse meio tempo de 20% a 30%. Então criam-se bloqueios para o que seria mobilidade urbana. Então ele volta para o modelo anterior. E um terceiro ponto é a questão de fixação de preços. Eu sempre trago um exemplo. Soa estranho trazer, mas para mim faz total sentido. N
os anos 90, o Collor quebrou a política de preços fixos do leite, a indústria do leite. Eu venho da indústria do agro, por isso sei o exemplo disso, eu trabalhei muito com a indústria do leite. Quando ele quebrou o preço fixo do leite, eu tinha uma indústria que trabalhava há mais de 100 anos quase nacionalmente com uma proteção governamental clara. Naquela época, o Brasil não conseguia produzir leite para seu próprio consumo, os níveis de qualidade eram baixíssimos, o nível de deterioração diária era altíssimo, o nível de produtividade baixíssimo. Então existia uma certa acomodação dos produtores na época.
Na hora que quebrou, logico que gerou um estresse gigante, porque o preço fixo traz proteção, mas hoje o Brasil já se destaca com nível de qualidade alto, começa a ser autossuficiente em produção de leite, se destaca em tecnologia, em produção. As áreas estão totalmente já, de baixa qualidade estão virando de alta qualidade, porque entra num mercado competitivo. Por que eu trago nesse exemplo? Uma vez que eu volto a preços fixos, simplesmente estou voltando ao modelo que se mostrou que não faz sentido. Por que teve uma aceitação grande de toda a população por um modelo de trabalho diferente dos táxis?
A gente também trabalha com táxi, acho legal trazer isso. A Cabify não levanta uma bandeira do táxi ou não. Aqui a minha discussão é em cima de um modelo de regulamentação. Se esse modelo fosse tão bom em questão de mobilidade e entender que o que realmente todos os clientes precisam, não teria uma quebrança de modelo no momento atual. Empresas como a nossa não estariam se destacando. Transporte privado não estaria se destacando sobre o transporte público, pelo modelo regulatório criado. Uma vez que traz uma solução nova, que começou a quebrar todo esse modelo que já existia e hoje sim é muito mais eficiente, ele só aconteceu porque ele não entrou nas mesmas regulamentações que já existiam.
Se ela fosse a mesma, com certeza não teria esse destaque de agora. Então toda essa problemática dessa discussão em nível federal simplesmente volta ao modelo regulatório que já foi testado, já executado por mais de 60 anos e que todo mundo entende as problemáticas dele. Então quando que uma aceitação de um destaque como esse faz sentido para a evolução tecnológica, evolução de mobilidade urbana e de todo um país dentro desse aspecto? Para a gente hoje não faz sentido algum a maneira que saiu esse destaque. Com certeza, ter autonomia de cada município criar regulamentação específica faz sentido para a Cabify e a gente apoia isso, mas uma vez que é tratado como público volta à estaca de 1969 quando saiu o projeto de táxi. Basicamente tudo volta ao início.
Em que medida vocês percebem que o ambiente de negócios é mais hostil do que em outras cidades em que a Cabify está por conta desse destaque por exemplo?
Eu posso dizer que no México, no Distrito Federal, a gente teve um trabalho muito bom junto ao governo lá e criou um modelo que se adequou, a gente paga uma porcentagem de toda a receita para o governo, isso vai ser investido em mobilidade. Inclusive aos táxis também vai uma parte desse capital, e simplesmente uma vez que o DF autorizou e trouxe isso como perspectiva geral para o país inteiro, ele começou a ser replicado pelos municípios. Uma maneira simples, não hostil, porque já era algo regulado e direcionado, e simplesmente ele foi bem absorvido, e, sim, foi tratado como privado e não como público.
Na hora que eu trago para cá, e uma vez que isso é votado, lógico que tem toda uma fase de Senado etc., ele traz para cada município, ainda não se destacou isso, um poder grande de simplesmente bloquear esse modelo de atividade em prol de interesses particulares e não só políticos. Uma vez que foi votado e todas as discussões paralelas que vieram tanto de segmentos de taxistas quanto de políticos e de prefeituras, isso já trouxe uma incerteza grande para o nosso modelo de negócio dentro do país.
Se a incerteza foi trazida, nos traz riscos, que seria a hostilidade desse modelo aqui. Se não tivesse trazido incerteza em nenhum momento esse projeto, eu posso te dizer que a gente estaria semelhante a um exemplo no caso do país do México, que conseguiu criar uma regulamentação simples, tem suas exigências claras em qualidade e controle, eles têm em um banco de dados todos os documentos de todos os motoristas, todos são verificados pelo governo do México. Então existe todo esse controle, que a argumentação do Destaque foi principalmente porque não tinha o controle do público, mas lá existe, mas que simplesmente trata esse modelo como privado.
Na sua avaliação, portanto, existe possibilidade da convivência do táxi ou do modelo do táxi com esses modelos que são oferecidos pela Cabify, por exemplo?
Os táxis pretos trabalham na nossa categoria Cabify Cap. Por que eles trabalham conosco? A regulamentação faz sentido. O próprio governo traz uma alta exigência de qualidade e, além disso, traz agilidade. Ou seja, são carros que podem andar nos corredores de São Paulo. É um modal diferenciado em relação aos carros particulares, que não têm essa diferenciação. Uma vez que o município ou qualquer órgão regulador traz quais são as diferenças entre os modais, eles podem trabalhar iguais.
Se está todo mundo igual, aí com certeza tem algum problema, mas a culpa é que as regulações não são claras a ponto de criar uma sinergia entre modelos de transporte. E aí sim. Não só a Cabify conseguiu fazer isso sozinha. A gente propõe, mas aí precisa de uma aliança muito forte para o governo local entender como criar mobilidade. Mobilidade não é só um carro de A a B transportar uma pessoa. Mobilidade é entender que eu tenho várias pessoas com tipo de consumos diferentes de transporte e eu tenho que atender cada uma dessas curvas de consumo. O táxi só entrega de A a B, um tipo de qualidade, de serviço, de tarifa. Eu posso ter pessoas que precisam de carrinho de bebê, pessoas que queiram ganhar uma bicicleta, que queiram mais qualidade, um carro blindado, um carro executivo…. Por aí vai. Até helicópteros e aviões.
Se você entende todas essas curvas, você cria regulamentações para que todas elas trabalhem num ambiente de harmonia e de sinergia, você cria mobilidade para uma cidade e isso é mobilidade urbana. Então essa é a nossa visão: a sinergia. A Cabify pode ajudar? Pode, com inteligência, dados, conhecimento de vários mercados, mas a palavra final que eu falo que vai trazer todo o colchão para todo mundo trabalhar em cima é a regulação. São as instituições públicas que criam o direcionamento de como funciona todo o mercado.
Qual a estratégia de vocês em relação ao preço das corridas?
Nosso modelo, a gente não briga por preço. Lógico que o usuário é muito sensível a preço, então não posso criar preços muito diferentes do que está no mercado, mas hoje a Cabify se posiciona como uma plataforma mais cara. A gente trabalha só com preços por quilômetro, então em alguns momentos a Cabify vai ser mais barata que outras plataformas, em outros mais alta, mas no final do dia nos nossos modelos e simulações que a gente tem, a gente é para ser de 10 a 15% mais caro que outros modelos de transporte privado.
Está sim mais barato que táxi, eu posso dizer que eu mesmo antes de lançar no Brasil eu fiz modelos de todos os transportes públicos e individuais que existiam, desde táxi, transporte de táxi de luxo, táxi simples, acessível, transporte privado individual, e o nível de rentabilidade que foi criado ao táxi estava muito descolado ao nível de custo que ele tinha.
Os níveis praticados no que existe de tarifação de táxi não fazem sentido. Eu posso falar que a rentabilidade dele pode chegar de zero quatro a zero seis por real investido. Se eu colocar R$ 1, ganho R$ 1,60. Que investimento no Brasil hoje ganha 60% em cima do que você investe? Ninguém. É só se comprar uma coxinha por R$ 1 e vender por R$ 2, talvez você consegue, mas não em altas proporções. Desculpa a brincadeira (risos). De acordo com esse gap, dá para você abaixar, pagar seu ativo fixo e toda operação dele e ainda ter uma margem de lucro. É isso que a Cabify trabalha.
Vocês enfrentam algum tipo de desconfiança ou mesmo resistência por parte dos passageiros?
Depende da cidade. Acho que esse modelo das vantagens, da primeira pergunta, foi que ele já foi bastante repetitivo nos riscos, nas vantagens, então a gente entra num mercado que está mais aceitável. Possivelmente 1 a 2 anos atrás não seria tão aceitável assim. Por outro lado, como a gente preza muito por qualidade e segurança, o nível de aceitação é altíssimo, que é o nosso diferencial.
Algumas cidades existem sim receios de algumas empresas que querem trabalhar com a gente, a gente trabalha com modelo corporativo, mas é principalmente toda essa discussão regulatória que não tem uma clareza final. É muito mais porque legalmente tem toda essa discussão entre nível federal e municipal do que simplesmente uma desconfiança ao modelo de negócio que está sendo praticado.
Em São Paulo, por exemplo, é possível traçar um perfil de quem viaja com a Cabify?
Sim. Geralmente pessoas mais exigentes, então são pessoas que preferem pagar mais por um serviço relativamente diferenciado. É o perfil de 25 a 35, 40 anos. Geralmente jovens empresários, empresários, não pessoas que estão simplesmente sensíveis ao preço para o transporte. Pode ser uma classe C, B, não A, porque a gente não traz nenhuma categoria executiva. Mas pode trazer que C e B estão muito bem atendidos e é o público que tem procurado bastante a gente.
Em relação aos motoristas, como vocês fazem no tocante à seleção de quem vai levar a marca adiante?
O processo de entrada é bem complexo, restritivo. A gente exige que os motoristas mandem os documentos para a gente avaliar tanto documento do carro, tanto documento do condutor, antecedentes criminais. Existem reuniões presenciais informativas de como devem atender, como você deve utilizar o aplicativo, quais são as boas e as más práticas que existem nesse modelo, vistoria do carro, exames toxicológicos e depois ele é aprovado.
A gente traz modelo de autônomo e empreendedorismo como sendo uma solução para esse modelo. Mas se você quer trabalhar como motorista, que tenha o mínimo de profissionalismo para isso. A gente não preza que qualquer pessoa pegue o carro e saia rodando, mas que essa pessoa tenha o mínimo de capacitação para saber atender bem o passageiro e trazer a qualidade e segurança necessárias. Isso que o motorista parceiro hoje passa e ele é durante todo o período que está fazendo viagens intermediadas pela Cabify, é algo que a gente procura acompanhar, se ele consegue trazer a qualidade no atendimento para os usuários.
Qual a importância do mercado brasileiro para a operação da Cabify em termos globais? Existe paralelo do Brasil com outros mercados?
Com certeza o Brasil se destaca. A gente inclusive recentemente trouxe uma notícia de investir US$ 200 milhões aqui no país, ainda nesse ano. Isso mostra grande confiança e o apetite que a gente tem nesse mercado. É quase um continente. Então com certeza o Brasil hoje para a Cabify está entre os destaques entre todos os países. Posso dizer até que é tratado como um continente do que só como um país devido às dimensões territoriais que a região tem.