Ministro do Meio Ambiente quer que críticos ajudem na Amazônia
O Brasil está deixando de lado brigas ambientais com a comunidade internacional que marcaram o primeiro ano do presidente Jair Bolsonaro no cargo e, agora, convida investidores e empresas estrangeiras para ajudar a proteger a Amazônia.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles vem desenvolvendo uma série de planos que, conforme descreveu em entrevista, darão aos críticos a chance de ajudar concretamente, colocando dinheiro em projetos de preservação.
O governo tem três fundos para financiamento engatilhados, que irão injetar cerca de US$ 250 milhões em investimentos na região amazônica.
Nesta semana, o governo vai criar por decreto programa que reserva 15% de toda a Amazônia à adoção da iniciativa privada, podendo render outros 630 milhões de euros (US$ 747 milhões) por ano.
“Diante das críticas e das pressões, abrimos uma oportunidade para que brasileiros e estrangeiros participem da solução do problema”, disse ele em seu gabinete em Brasília. “É uma mudança importante do governo. Se havia uma crítica que o governo não estava aberto à ajuda de fora, essa crítica agora não faz mais sentido. Estão colocadas na mesa várias possibilidades.”
A mudança de estratégia ocorre em meio a duas pressões simultâneas sobre o ministério: a deterioração das credenciais verdes do país, que começam a ter impacto sobre o investimento e as exportações; e a realidade de que o dinheiro para administrar o meio ambiente precisará vir do setor privado, na medida em que os recursos do governo para investimentos e custeio da máquina estão escassos diante da pandemia do coronavírus.
Após a indignação global causada pelos incêndios na Amazônia no ano passado, fundos que gerenciam cerca de US$ 3,7 trilhões em ativos assinaram uma carta, em junho, expressando preocupação com a política ambiental do país e dizendo que poderiam reconsiderar seus investimentos se nenhuma ação fosse tomada.
A diretora do Banco Central para Assuntos Internacionais, Fernanda Nechio, classificou a carta naquela oportunidade como um “sinal importante” de que o Brasil precisava ser transparente sobre seu “plano de ação” para o meio ambiente.
O desmatamento na floresta amazônica cresceu 33% entre agosto de 2019 e julho de 2020 em comparação com o mesmo período entre 2018 e 2019, indicam dados do sistema de monitoramento por satélite Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Cada vez mais investidores estão percebendo que prevenir a crise climática é realmente crucial”, disse Kate Monahan, gerente de engajamento de acionistas da Friends Fiduciary Corporation, um dos fundos que assinaram a carta. “Vemos o desmatamento apresentando riscos legais e de reputação para as empresas de nosso portfólio, especificamente no setor de alimentos e agricultura.”
Adote um Parque
Nesta semana, o governo vai lançar o programa “Adote um Parque” que permitirá a fundos de investimento e empresas privadas patrocinarem a preservação da Amazônia pelo preço de 10 euros por hectare. Serão disponibilizados 63 milhões de hectares, distribuídos em 132 áreas de conservação, o que totaliza 15% de toda a floresta. Nada poderá ser explorado comercialmente, apenas protegido.
“Esse dinheiro não entra no Tesouro, não é para arrecadar para o governo. O dinheiro será usado para a preservação”, disse o ministro. “É uma mudança completa e uma oportunidade para Bradesco, Itaú, Santander e fundos nacionais e estrangeiros fazerem a adoção dos parques.”
Salles afirmou também que está viabilizando outros três programas, dois deles fundos de investimentos, totalizando mais US$ 246 milhões para a gestão ambiental. Um, que já está funcionando — de US$ 96 milhões — recompensa pequenos agricultores e comunidades locais na Amazônia por medidas de preservação, incluindo a suspensão do uso do fogo como forma de limpar terras.
Outro, de US$ 100 milhões, estará disponível para financiar projetos de biodiversidade e bioeconomia. O terceiro tem uma contribuição inicial de US$ 50 milhões e financiará projetos de bioeconomia de países amazônicos e grandes empresas. Será administrado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Bancos brasileiros e algumas das maiores empresas do país seguiram o exemplo dos investidores internacionais e aumentaram a resistência às políticas ambientais do governo.
Um grupo de 61 empresas, incluindo Cargill e Suzano, enviou carta ao governo em julho dizendo que as percepções ambientais negativas são potencialmente prejudiciais à reputação e às perspectivas de negócios. Posteriormente, solicitou ao Congresso que tomasse medidas para solucionar questões envolvendo, entre outras, regularização fundiária e desmatamento ilegal.
“A iniciativa privada tem se juntado e colocado esse assunto com mais premência”, disse em entrevista Roberto de Oliveira Marques, CEO da Natura & Co. Sobre o governo, ele disse que tem havido “mais diálogo em algumas frentes e a consciência de que isso é importante”.
Outra tentativa de suavizar a narrativa global sobre o compromisso do Brasil com o meio ambiente veio no início do ano, quando Bolsonaro colocou o vice-presidente Hamilton Mourão no comando do Conselho da Amazônia com o objetivo de coordenar esforços para impedir o desmatamento ilegal.
Um dos resultados do esforço de Mourão foi manter um decreto de Garantia da Lei e da Ordem desde o ano passado, auge das queimadas, em vigor. A medida mantém milhares de soldados nos biomas fiscalizando desmatamento ilegal e ajudando no combate a incêndios.
No entanto, os percalços costumam vir de dentro do próprio governo. Em vídeo de reunião ministerial que se tornou público em meio à demissão de Sergio Moro, Salles pode ser ouvido dizendo que o governo deveria aproveitar “enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. Seus comentários indignaram os ambientalistas, que os viram como uma prova das verdadeiras intenções do governo.
A mudança de tom de Bolsonaro também pode refletir interesses econômicos em vez de posições políticas, disse Isabela Kalil, professora que pesquisa a política de Bolsonaro na Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
“Acho que essa mudança é mais uma questão de aparência do que uma mudança na política de Estado ou que Bolsonaro tenha efetivamente, por algum motivo, mudado sua posição”, disse ela.
Apesar da disposição ao diálogo, o ministro fez críticas aos países europeus por travarem as negociações sobre o mercado de crédito de carbono. “O protecionismo europeu do crédito de carbono está impedindo o Brasil de receber recursos fundamentais para cuidar da floresta”, disse. Ele fez um apelo para que as negociações sejam reativadas antes da COP 21, marcada para novembro de 2021 na Escócia.