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Irisnaide Silva é mulher, brasileira e indígena. Pela primeira vez, segundo ela, está sendo ouvida.
Durante décadas, sua família garimpou na fronteira perto da Venezuela em busca de diamantes e ouro. Eles continuaram escavando mesmo depois que o Brasil, em 2005, homologou a terra como território indígena, uma medida que proibiu a mineração no local, apesar dos protestos de sua família e de outros exploradores do povo macuxi.
Agora, Irisnaide tem o apoio de ninguém menos do que o presidente Jair Bolsonaro.
Criticado por movimentos ambientalistas por sua defesa do desenvolvimento da Amazônia, Bolsonaro reuniu-se com Irisnaide duas vezes em Brasília. Ele a encontrou pela primeira vez, junto com outros líderes indígenas, pouco depois de assumir o poder em janeiro de 2019 para discutir um projeto de lei que autorizaria a mineração em terras indígenas.
“Alguns querem que vocês fiquem na terra indígena como se fossem um animal pré-histórico”, disse Bolsonaro a Irisnaide e outros na reunião. “Vocês têm terra, bastante terra”, declarou o presidente. “Embaixo da terra tem bilhões ou trilhões de dólares.”
Irisnaide, de 32 anos, lidera um dos dois principais grupos indígenas no Estado de Roraima. Mas o outro grupo e muitas associações indígenas por todo o Brasil a veem como uma traidora. Dizem que ela não representa verdadeiramente os interesses indígenas e está sendo manipulada por invasores ávidos por se apoderar das terras e recursos.
Ela não se importa.
“Fui chamada de índia branca”, disse Irisnaide à Reuters em sua casa na reserva Raposa Serra do Sol. “Outros disseram que eu não poderia liderar porque sou mulher.”
O incentivo dela ao desenvolvimento — e o desejo de Jair Bolsonaro de possibilitá-lo– vai além das questões envolvendo mineração e riqueza material. Isso desafia décadas de políticas públicas em busca de manter os intrusos afastados e desperta um debate histórico sobre se algumas das tribos mais isoladas do mundo deveriam ser integradas à sociedade moderna ou deixadas sozinhas.
As terras indígenas representam 13% do Brasil — uma área protegida quase do tamanho do Egito. Porém, com os indígenas totalizando menos de 0,5% da população brasileira, grupos de agricultura e mineração há muito tempo miram essas áreas de baixa densidade populacional.
Não está claro se o projeto de lei de mineração de Bolsonaro passará no Congresso. Mas a situação nunca foi tão favorável para o presidente, com os aliados conquistando recentemente a liderança da Câmara dos Deputados e do Senado e uma economia atingida pela Covid desesperada por investimentos. Bolsonaro fez do projeto de lei uma prioridade para 2021.
Ao se associar a alguns povos indígenas, ativistas dizem que o presidente está exacerbando as tensões dentro de algumas comunidades por meio de métodos de dividir para conquistar que, historicamente, ajudaram a destruir terras nativas em todo o mundo.
“O Bolsonaro usa as estratégias do colonizador. Ele divide os povos indígenas para fazer valer as suas ideias”, disse Antenor Vaz, um veterano ex-agente de campo da Funai.
“Novo El Dorado”
A perspectiva de legalização da mineração já levou milhares de caçadores de ouro a invadir o território indígena.
O projeto de lei de Bolsonaro estabelece a estrutura regulatória para abrir essas áreas à mineração legal pela primeira vez, além de outras atividades econômicas. Os povos indígenas, porém, não terão poder de veto para rejeitar instalação de empreendimentos em suas terras.
Muitas comunidades indígenas continuam tendo estilos de vida rurais, buscando pouco desenvolvimento além da agricultura em pequena escala. Mas Irisnaide e outros como ela acreditam que os indígenas têm tanto direito quanto outros brasileiros de explorar suas terras e recursos.
O Estado de Roraima, com pouca mineração industrializada devido às muitas reservas, já está cortejando investidores. Anastase Papoortzis, chefe da Companhia de Desenvolvimento de Roraima (Codesaima), disse à Reuters que a empresa possui 29 licenças de exploração em territórios indígenas e participará de uma feira de mineração no Canadá este ano para “apresentar Roraima como uma nova fronteira mineral, um novo El Dorado.”
A ânsia por tesouros e a destruição causada têm moldado esta parte norte da bacia amazônica desde a chegada dos europeus no século 18. Os mapas iniciais até colocavam El Dorado, a lendária cidade do ouro, em algum lugar entre essas colinas verdes e rochas.
Os exploradores têm vindo desde então.
Entre eles, na década de 1950, estava o avô de Irisnaide que veio do Nordeste para tentar a sorte. Ele se casou com uma mulher macuxi local e começou uma família. O pai de Irisnaide –Celson, agora com 68 anos– escavou com seu pai desde os oito anos.
Irisnaide também garimpava quando criança, mas apenas “durante as férias”, pois seu pai insistia que ela ficasse na escola, caminhando três horas por dia para assistir às aulas. “Eu ainda garimpo de vez em quando”, disse ela, “mas é terrível para minhas unhas.”
Nos anos 2000, quando ela terminou a escola e estudou para ser professora, grupos indígenas rivais brigavam sobre como proteger sua terra natal. Enquanto o grupo maior Conselho Indígena de Roraima (CIR) queria uma reserva contínua que removesse forasteiros da área, a Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiurr), de Irisnaide, acreditava que os fazendeiros deveriam ter permissão para ficar, definindo o território indígena como ilhas ao redor de suas propriedades.
A Sodiurr argumentava que os produtores de arroz e criadores de gado –que se mudaram para lá nas décadas anteriores– trouxeram empregos e desenvolvimento.
Em abril de 2005, quando o governo ratificou a Raposa Serra do Sol como uma reserva contínua, muitos agricultores resistiram ao despejo. Ataques esporádicos contra oponentes indígenas duraram vários anos, ferindo mais de uma dezena de pessoas.
“Vai ter sangue”
Irisnaide não entrou na disputa, mas isso a influenciou na política.
Desde que assumiu a liderança da Sodiurr em 2019, ela redobrou a mensagem pró-desenvolvimento e pró-integração, além de aumentar a presença na mídia social e alinhar a organização com governos estaduais e federais de direita.
O número de associados também está crescendo, segundo Irisnaide. Sete comunidades mudaram de associação, dispensando o CIR para se juntar a ela, enquanto outras oito estão “conversando”, disse ela. Existem cerca de 350 comunidades indígenas no Estado.
Edinho Batista de Souza, vice-coordenador do CIR, afirmou não estar ciente de que comunidades estão mudando de lado.
“A base dessa organização não fala a mesma língua da própria presidência da coordenação que tá conduzindo essa organização”, disse ele à Reuters. “O governo… tenta manipular algumas lideranças da organização, inclusive a presidência, mas aí a base também não concorda com essas opiniões.”
Embora o quadro de membros da Sodiurr seja menos da metade dos indígenas alinhados ao CIR, a organização menor agora tem apoio em Brasília.
“A questão não é de agora, é uma questão que já vem de antes, mas naquela época eles eram minoria, agora tem o presidente da República, a diferença daquela época para agora é que agora eles estão no poder”, afirmou Márcio Meira, ex-chefe da Funai que trabalhou junto aos dois lados na demarcação de 2005.
A Funai, em resposta a perguntas da Reuters, disse não saber o tamanho de cada grupo ou como eles podem ter mudado. Se recusou a comentar a rivalidade, mas ressaltou que não tolera a violência.
A agenda de Bolsonaro parece estar alimentando mudanças antes de uma única votação sobre seu projeto de lei de mineração.
Perto de Napoleão, município indígena de 1.200 habitantes no montanhoso sul da Raposa Serra do Sol, os trabalhadores suam do amanhecer ao anoitecer, cortando profundamente as rochas. Alguns têm brocas, mas a maioria trabalha apenas com músculos e uma picareta.
A “montanha”, como são conhecidas as cinco minas selvagens próximas da cidade, está em funcionamento desde julho de 2019. Ela tem impulsionado a mudança que Irisnaide anseia.
A cidade recebe 4% dos lucros da mineração, segundo Carpejane Lima, líder indígena da cidade e aliado de Irisnaide. Os escavadores ficam com 74% e aqueles com máquinas para extrair ouro ficam com os 22% restantes.
“A empresa de energia cortou a eletricidade porque não podíamos pagar as contas”, disse Lima, à sombra de uma mangueira. Agora, geradores a diesel zumbem perto de um armazém reaberto. Do outro lado da rua, um estande vende réplicas de camisas de futebol.
“Podemos tornar esta cidade próspera”, afirma Lima, com uma pulseira de ouro brilhando em seu pulso.
Mas a mineração atrai forasteiros. Poucos povos têm a experiência ou o capital necessário para triturar e processar o minério. Essas chegadas, dizem os críticos, trazem drogas, prostituição e doenças. O mercúrio, usado para separar o ouro, também apareceu em níveis alarmantes no sangue de algumas populações indígenas.
Desde que Bolsonaro foi eleito, o CIR diz que 2.000 mineiros invadiram a Raposa Serra do Sol para trabalhar em minas como esta. Irisnaide insiste que apenas os nativos exploram a terra.
Em uma mina à beira do rio perto da casa de Irisnaide, onde seu pai vive sob uma lona nas últimas semanas, um pequeno grupo escava sob o sol forte.
“Nós vamos brigar pelo que é nosso”, disse Celson. “Se começar a entrar gente que não deve aqui, vai ter sangue.”