Mercado vê pragmatismo em Lula e descarta apoio explícito a Bolsonaro
Agentes do mercado financeiro começam a enxergar pouca diferença na condução econômica entre um eventual novo governo Lula e um segundo mandato do atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro — ao menos logo após a eleição.
A avaliação de analistas e gestores é de que ambos têm caminho aberto com o centrão, mirando apoio para um segundo turno, e um eventual governo em que deve ser priorizado, além de recursos para redutos eleitorais, a consolidação de um auxílio financeiro.
“O mercado começa a falar que, com Lula ou Bolsonaro eleito, o mais provável é que se tenha um bom ministro da economia e que o radicalismo fique na campanha”, disse um gestor ao Money Times. “Ambos podem ser meio que ‘mais do mesmo'”.
Esse gestor vê Lula mais “populista” no discurso, mas com habilidade política para fazer um governo pragmático, “como a gente já viu historicamente”.
Para o analista de política da Ohmresearch, Márcio Olímpio Fernandes, Lula e Bolsonaro mantêm pontes com o centrão por razões distintas: enquanto o líder petista visa minimizar a possibilidade de não aceitação de vitória pelo adversário, o capitão reformado age de forma “menos radical” porque está com a popularidade fragilizada.
Fernandez pondera que os dois mandatos do governo Lula demonstraram uma capacidade “maior que a do Bolsonaro de negociar com forças distintas do Congresso e fazer avançar determinadas pautas econômicas”.
Para o especialista, o mercado não vai apoiar publicamente nenhum candidato, como fez com Bolsonaro em 2018, ao mesmo tempo em que há segmentos que tentam hoje digerir um novo governo Lula, diz. “Vem daí os questionamentos de se seria um governo vingativo”.
Na avaliação de Fernandez, apenas alguns segmentos, como o do agronegócio, devem demonstrar com Bolsonaro o mesmo entusiasmo do pleito passado. O analista fala em tensão entre as candidaturas, mas refuta a tese de polos opostos. “Bolsonaro é de extrema direita”.
Menos discurso liberal
A viabilidade de uma “terceira via”, como se convencionou chamar uma possível alternativa a Lula e Bolsonaro, é avaliada cada vez como menos provável por agentes do mercado, embora vejam alguma chance para o ex-juiz Sergio Moro — que teria de “roubar” votos de Bolsonaro.
Para o sócio da BRA João Beck, o eleitor votará em uma terceira via se ele sentir que há de fato chances de ela ganhar. Nesse sentido, avalia, um candidato alternativo teria que necessariamente conversar com a massa de desempregados, “o grande público-alvo” da próxima campanha.
“Certamente que temas como infraestrutura e logística serão menos presentes na campanha”, diz. Para o especialista em investimentos, o tema de gastos fiscais deve aparecer como parte da discussão sobre Auxílio Brasil (ou Bolsa Família).
Beck lembra que a economia ainda não foi totalmente impactada pela alta da Selic, já que o efeito de uma decisão do Banco Central leva ao menos seis meses. “A gente vai ter um ano eleitoral de recessão”, afirma.
O economista pondera que o mercado pode já ter precificado o risco eleitoral, quando no passado Lula esteve com discurso mais “anti-mercado”. “Mas agora, mesmo que [o ex-governador de São Paulo Geraldo] Alckmin não seja vice, já fica evidente uma sinalização de moderação”, diz.
Propostas são incógnita
O cientista político e professor da FGV Cláudio Couto diz que o tema macro deverá ser a recuperação econômica de uma maneira “um pouco mais ampla”, com nível de atividade, desemprego e pobreza, mas destaca que o momento é “precoce” para a discussão.
“Não sei qual vai ser a proposta econômica de Lula”, pondera. “Em relação ao Bolsonaro, é muito difícil imaginar algo diferente do que está acontecendo até aqui: barafunda de proposições e um ministro da Economia completamente esvaziado”.
Para Couto, Lula vai priorizar o discurso de combate à pobreza e ao desemprego, ao mesmo tempo que tentará demostrar estabilidade fiscal. “Mas por quanto tempo? Não tem mais o [ex-ministro da Fazenda Antonio] Palocci…”.
O acadêmico lembra que o próprio líder petista disse recentemente que o país em 2023 será “muito pior” do que o de quando ele assumiu o primeiro mandato e destaca que não vê a economia melhorando no curto prazo. “O cenário vai exigir a manutenção de algum tipo de auxílio”.
Em relatório recente, a XP Investimentos disse ver a política fiscal e a regra do teto de gastos no centro das discussões econômicas nas eleições.
“As propostas podem incluir desde a manutenção da regra atual até sua completa revogação, passando pela alteração do método de correção e pela exclusão de determinadas despesas do limite do teto”.