Mercado não cai no conto do vigário
O governo não perdeu a chance de faturar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos três primeiros meses deste ano, após oito trimestres seguidos de queda. Mas uma análise detalhada dos números mostra que o desempenho positivo não é sustentável e foi atribuído à safra recorde de grãos, que inflou o resultado da agropecuária, além da revisão metodológica do IBGE, que tornou os números artificiais.
Ciente da “contabilidade criativa” promovida pelo instituto oficial de estatísticas, o mercado doméstico não comprou o otimismo do governo e sequer festejou o fim da recessão econômica no país, após dois anos consecutivos de queda da atividade. Os investidores perceberam que enquanto as incertezas em Brasília não se dissiparem, não adianta fingir que as coisas estão bem.
Ou seja, mesmo a trajetória lenta de retomada econômica corre riscos de não se materializar, com a recuperação iniciada no início de 2017 mostrando uma natureza gradual e frágil da atividade. Ainda mais se as incertezas no front político continuarem turvando o cenário de aprovação das reformas em pauta no Congresso.
Afinal, se até o Banco Central foi claro no recado, apontando as incertezas políticas como o principal fator de risco ao processo de ajuste em curso na economia, não será o mercado financeiro que vai acreditar sozinho na superação da crise. O BC não deixou dúvidas de que o ritmo de queda da taxa básica de juros será menor, bem como o tamanho total do ciclo de cortes, deixando a Selic um pouco mais alta.
Esse conservadorismo do BC serviu para dar um choque de realidade no mercado, que vinha se esforçado para manter o sangue-frio nos negócios, sustentando os ativos. Por enquanto, os investidores não jogaram a toalha sobre as reformas. Mas o prazo final para isso acontecer pode estar próximo.
Tudo vai depender do desfecho do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a cassação da chapa eleita em 2014. O julgamento terá início na próxima terça-feira e a expectativa é de que a sessão dure apenas três dias.
Porém, as chances de haver um pedido de vista do processo são grandes, o que adiaria o anúncio da decisão, dando sobrevida a Michel Temer no cargo. Além disso, o placar entre os ministros da Corte eleitoral, embora apertado, parece ser favorável ao presidente, pondo fim às apostas de uma solução rápida para a crise política.
O problema é que as suspeitas de envolvimento de Temer em suposto esquema de corrupção comprometem as chances de aprovação das reformas fiscais, com a base aliada encolhendo a cada dia. Assim por mais que o presidente insista em permanecer no cargo, a governabilidade pode ficar em xeque, tornando-se um governo que não governa.
Aliás, o cenário em Brasília é um campo minado, onde a próxima bomba pode estourar a qualquer momento. Uma nova explosão pode vir da notícia de que o empresário Joesley Batista tentou um segundo encontro com Temer, após uma troca de mensagens com o ex-assessor especial da Presidência Rodrigo Rocha Loures. A conversa mostra que, depois do encontro no Palácio do Jaburu, em 7 de março, Batista procurou o assessor para se encontrar novamente com o presidente e – aí sim – tratar da Operação Carne Fraca.
Flagrado com uma mala com R$ 500 mil em propina que recebeu da JBS, a Procuradoria-Geral da República (PGR) voltou a pedir a prisão de Rocha Loures ao Supremo Tribunal Federal (STF), a qual o Palácio do Planalto já dá como certa. O ex-assessor perdeu o mandato de deputado com o retorno de Osmar Serraglio à Câmara, após recusar o convite de trocar o Ministério da Justiça pelo da Transparência.
Auxiliares do presidente tentam minimizar o potencial estrago que a prisão de Rocha Loures pode ter sobre a base aliada, que vinha torcendo por um “fato novo” para justificar um desembarque do governo. O presidente Michel Temer diz não ter medo de delação do ex-assessor, em que deposita uma “estrita confiança”, e acusa a PGR de fazer um “jogo casado” com o STF.
À espera dos desdobramentos na capital federal nos próximos dias, a trégua no noticiário político se contrasta com a intensa agenda de divulgação de indicadores econômicos. A sexta-feira traz como destaque os números da produção industrial brasileira em abril, no primeiro dado sobre a atividade no segundo trimestre deste ano.
E a previsão é de estabilidade da indústria em relação a março, reforçando a hipótese de que o crescimento econômico no início deste ano foi um “ponto fora da curva”. Na comparação com abril de 2016, a previsão é de queda de 6%. O resultado efetivo será conhecido às 9h. Antes, têm os resultados regionais da inflação ao consumidor (IPC-S) em maio (8h).
No exterior, o destaque fica com o relatório oficial do mercado de trabalho nos Estados Unidos (payroll) em maio, às 9h30. Os números devem reforçar a previsão de uma nova alta na taxa de juros norte-americana (FFR) na reunião do Federal Reserve daqui a duas semanas. O primeiro aumento neste ano ocorreu em março, com a FFR indo a 1%.
A previsão é de abertura de 185 mil vagas de emprego, com a taxa de desemprego no país permanecendo em 4,4%. Porém, após os números da pesquisa ADP ontem mostrarem a criação de 253 mil postos de trabalho no setor privado dos EUA no mês passado, acima da previsão de 180 mil, é provável que o payroll também surpreenda.
Assim, as chances de aumento no custo de empréstimo no país em junho tendem a se consolidar, ainda mais após o tom duro (“hawkish”) de alguns presidentes regionais do Fed e de outros membros votantes. Mas os mercados internacionais não estão preocupados com a redução da liquidez e, consequentemente, do apetite por risco que um aperto monetário nos EUA pode provocar.
Ao contrário, os investidores preferem lançar o olhar otimista e elevar a confiança na economia global, após os sinais de robustez do mercado de trabalho norte-americano. Como resultado, os índices futuros das bolsas de Nova York têm alta acelerada, embalados pelo rali no índice japonês Nikkei 255, que fechou acima do nível de 20 mil pontos pela primeira vez desde agosto de 2015, diante da desvalorização do iene.
Aliás, o dólar ganha terreno dos rivais antes do payroll, com a libra esterlina seguindo fraca antes das eleições no Reino Unido. O fortalecimento da moeda dos EUA penaliza as commodities, com o petróleo estendendo as perdas na semana diante do excesso de oferta.
Os investidores também monitoram a decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de abandonar o Acordo de Paris, atendendo ao lobby da indústria intensiva no uso de poluentes. As implicações da retirada ainda são imprevisíveis, mas estão longe de acatar o discurso de Trump de que os EUA são vítima do pacto climático, que seria desvantajoso e “injusto” aos norte-americanos.
Na fala, o republicano simplesmente se esqueceu das vantagens obtidas pelo país para manter o reinado da Pax Americana por mais de um século, sustentando os EUA como a maior economia do mundo às custas do aumento da temperatura mundial e da emissão de gases do efeito estufa. Em tom de campanha, Trump reafirmou suas promessas de “tornar a América grande novamente” e limitou-se em dizer que o acordo gerou desemprego no país, criando vagas em outros lugares.
Tal afirmação, porém, se contrasta com o que números (mais confiáveis) a serem mostrados pelo payroll hoje, com a economia norte-americana cada vez mais em condições de pleno emprego.