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Mercado de energia tem avisos sobre força maior por coronavírus

24 mar 2020, 15:19 - atualizado em 24 mar 2020, 15:19
Setor Elétrico
O movimento das empresas gerou preocupações no mercado elétrico sobre o início de uma série de disputas contratuais (Imagem: Freepik/Whatwolf)

A pandemia global de coronavírus e a decretação de estado de calamidade pública no Brasil devido à disseminação da doença levaram comercializadoras de energia, incluindo uma empresa do grupo Cemig (CMIG3), a enviar notificações a parceiros em que declaram a ocorrência de “fato de força maior”.

No mercado livre de energia, onde grandes consumidores negociam diretamente com fornecedores, os contratos geralmente possuem cláusulas de “força maior” que permitem descumprimento de alguns termos por uma parte em caso de eventos não previsíveis e “fora do controle”.

A Cemig GT e a Votener, da Votorantim Energia, alertaram em comunicados vistos pela Reuters que podem pedir às contrapartes “redução do montante de energia elétrica contratado”, uma vez que medidas de governos contra o vírus, como a decretação de quarentenas, devem levar a uma “redução generalizada da demanda”.

As consequências sobre os contratos “serão informadas à medida que se tornarem conhecidas”, segundo os documentos.

O movimento das empresas gerou preocupações no mercado elétrico sobre o início de uma série de disputas contratuais, que poderiam inclusive levar a uma nova onda de judicialização no setor, que já sofre com embates nos tribunais por questões relacionadas ao risco hidrológico de geradores, disseram especialistas à Reuters.

“O nível de belicosidade, por assim dizer, nessa discussão, tende a aumentar quanto mais essa situação (de quarentena) se perpetuar”, disse à Reuters o sócio do escritório Baraldi Mariani Advogados, Romulo Mariani.

Um problema adicional é que a busca por tais renegociações acontece em momento de preços baixos no mercado devido à recente melhora das chuvas na região das hidrelétricas, principal fonte de geração do Brasil, o que deve gerar maior resistência por parte de vendedores em aceitar “devoluções” de energia.

Com a demanda em baixa, um gerador ou comercializador que tenha volumes de venda reduzidos pode ser obrigado a vender a energia no mercado spot, por valores bem abaixo do que previa receber por contrato.

“Há possibilidade real de uma nova judicialização do setor. Você tem aí custos milionários que vão ser discutidos, por um lado ou pelo outro. Do ponto de vista dos geradores, eles não querem ficar com uma sobra de energia para vender à vezes a um terço do valor do contrato no mercado spot”, disse o especialista em energia do ASBZ Advogados, Rafael Janiques.

Empresas que compram energia no mercado livre respondem por cerca de 30% do consumo de eletricidade no Brasil e incluem desde grandes indústrias até hotéis e shoppings, setores fortemente impactados pela crise do coronavírus.

Em caso de não haver acordo sobre pedidos de redução do volume de energia comprado, as partes podem iniciar arbitragens, geralmente previstas nos contratos, além de eventualmente recorrer a liminares na Justiça comum para suspender pagamentos, por exemplo.

Com medidas de governos estaduais para conter a doença, como o fechamento de lojas e serviços considerados não essenciais (Imagem: REUTERS/Sergio Moraes)

Isso gera ainda um temor de que empresas afetadas por renegociações com base na cláusula de força maior também busquem rever negócios, aumentando o problema e criando precedentes perigosos para o mercado, disse o sócio da área de energia do Tomanik Martiniano Advogados, Urias Martiniano Neto.

“Precisamos ter cuidado. A depender das medidas que se adotar, isso pode causar um efeito em cadeia. O impacto seria muito pior.”

Os advogados afirmam que há nos últimos dias um crescente interesse de empresas que atuam no mercado livre em discutir possíveis renegociações contratuais por força maior devido aos impactos do coronavírus.

Com medidas de governos estaduais para conter a doença, como o fechamento de lojas e serviços considerados não essenciais, a carga de energia caiu quase 14% na segunda-feira na comparação com a semana anterior, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Cemig e Vorener

Cemig e Votener confirmaram à Reuters os avisos enviados ao mercado, mas afirmaram que apenas cumpriram obrigação contratual de alertar contrapartes sobre motivos que possam levar ao acionamento futuro da cláusula de “força maior”, negando que já estejam reduzindo contratos.

“A Cemig cumpriu uma cláusula padrão do mercado livre de energia, a qual determina que as partes informem o surgimento de um motivo de força maior que possa vir a ter um impacto futuro… Não houve qualquer desdobramento deste comunicado, nada mais foi tratado”, disse a companhia em nota.

A Votener disse que “a medida não significa uma solicitação de alteração das condições comerciais, uma vez que os contratos exigem que os impactos do evento de força maior sejam evidenciados e comprovados”.

“É importante ressaltar que, independente da extensão dos impactos, ainda não conhecidos, a Votorantim Energia tem adotado e adotará todas as medidas que estiverem ao seu alcance para minimizar os efeitos, sempre em respeito aos contratos, seus clientes e fornecedores e às suas relações comerciais”, acrescentou.