Mercado de café perde base de dados mais importante dos EUA
A base de dados mais importante usada para avaliar a saúde da indústria de café dos EUA sumiu do mapa de repente, o que dá mais uma vantagem às maiores tradings e torrefadoras.
Os dados que monitoram o volume de café estocado em armazéns nos portos americanos — que ajudam analistas, traders e proprietários de cafés a avaliar a oferta e a demanda — foram repentinamente retirados do mercado no início deste mês. Esses dados eram publicados mensalmente pela Green Coffee Association há décadas.
A medida surpreendente gera frustração em toda a cadeia de suprimentos. Informações sobre estoques têm sido tradicionalmente uma das melhores maneiras de entender se o café importado pelos EUA está sendo moído e torrado para consumo — ou se está apenas se acumulando nos depósitos, em um sinal de queda da demanda. Como resultado, descobrir quanto café o maior consumidor do mundo está tomando ficou muito mais difícil.
“Os dados dos estoques portuários dos EUA têm sido um farol de certeza por muitos anos”, disse Carlos Mera, analista sênior de commodities do Rabobank. “Não há substituto para isso.”
A Green Coffee Association, com sede em Nova York, cujos membros incluem J.M. Smucker e Louis Dreyfus, confirmou em e-mail que os relatórios não serão mais publicados e não quis fazer mais comentários. A ação do grupo foi tão repentina que a entidade nem chegou a avisar todos os seus conselheiros ou empresas associadas antes de revelar que deixaria de divulgar os números, que são acompanhados de perto pelo mercado, segundo pessoas a par do assunto que pediram para não serem identificadas.
Alguns traders apontaram para uma decisão de 2020 da Federação Europeia do Café de parar de publicar seus próprios dados porto a porto, já que alguns lugares tinham tão poucos participantes alguém poderia facilmente extrapolar os números específicos das empresas.
O grupo europeu agora divulga apenas dados agregados. Outros especulam que a Green Coffee Association busca uma maneira de monetizar os dados. Foi o que a ICE Futures US fez quando começou a cobrar por números históricos.
“Houve várias séries de dados que passaram por um ‘firewall’ pago e apenas para membros”, disse Judy Ganes, presidente da J. Ganes Consulting. “Isso com certeza torna os relatórios sobre o mercado mais difíceis.”
A mudança inicialmente provocou temores de que outros grupos também pudessem deixar de publicar dados, o que tornaria o mercado mais opaco. Mas, por enquanto, ninguém foi pelo mesmo caminho.
A Federação Europeia do Café disse que não tem planos de suspender a publicação dos estoques nos portos do continente.
A federação de produtores colombianos e o Cecafé, maior grupo exportador brasileiro, também minimizaram os temores. Líderes da Associação do Café do Vietnã não quiseram comentar.
“Se pararmos de divulgar dados, o mercado ficará ainda mais carente de informações, e esse não é um caminho que queremos seguir”, disse o presidente do Cecafé, Márcio Ferreira.
Outros mercados de commodities também se tornaram menos transparentes nos últimos anos. O Departamento de Agricultura dos EUA parou de produzir estatísticas de cacau devido a cortes orçamentários, e a Conab já não divulga estatísticas de estoque de final de temporada todo mês de março.
Os dados portuários que mostram quantas sacas de 60 quilos de grãos inteiros não torrados estão armazenadas foram especialmente cruciais durante os primeiros dias da pandemia, quando as remessas previamente acordadas continuaram fluindo para os EUA, mas americanos que já não precisavam se deslocar ao trabalho estavam, em sua maioria, deixando de lado seu café matinal.
A mudança é mais uma preocupação para um mercado já afetado pela falta de transparência. Em muitos casos, as previsões de safra dos países produtores diferem muito dos números publicados por países consumidores e das estimativas de tradings privadas.
“A falta de dados alimenta a desconfiança”, disse Carlos Santana Jr., diretor comercial da unidade brasileira da trading de café Ecom Agroindustrial. “É uma fonte de frustração” para os produtores, disse, porque havia uma expectativa de que os estoques caíssem — um sinal que pode sugerir preços mais altos à frente.