Economia

Mensagem “em cima do muro” mostra que Copom pode ter exagerado, diz Guide

05 fev 2020, 20:32 - atualizado em 05 fev 2020, 20:32
Banco Central BCB Copom
Reunião de cúpula: diretoria do Banco Central compõe o Copom (Imagem: Raphael Ribeiro/BCB)

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) pode ter errado a mão, ao promover um novo corte de 0,25 ponto na taxa básica de juros (Selic) nesta quarta-feira (5). A avaliação é da Guide Investimentos, que se baseia no tom ambíguo do comunicado do BC.

O analista Luis Sales, que assina o comentário da gestora sobre a decisão, afirma que “com base no comunicado, acreditamos que este novo corte na taxa Selic passou uma mensagem um tanto ‘em cima do muro’ pelo Copom.”

Para a Guide, os motivos elencados pelo Copom para reduzir a taxa Selic para 4,25% ao ano – o menor nível da história – não foram claros. O BC, aliás, concentrou boa parte do texto nos potenciais riscos de alta da inflação.

Usando trechos do próprio comunicado, a Guide cita as preocupações do BC com a possibilidade de o “atual grau de estímulo monetário… elevar a trajetória da inflação acima do esperado no horizonte relevante para a política monetária”.

Catalisador

Esse risco é amplificado, segundo o próprio Copom, pelas medidas adotadas com o objetivo de estimular e facilitar o crédito (como o limite de cobrança de juros no cheque especial). O BC se refere a tais medidas como “as transformações na intermediação financeira e no mercado de crédito e capitais”.

A Guide lembra que o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, citou esses riscos em diversas entrevistas anteriores à reunião desta semana do Copom.

Alerta: Campos Neto, presidente do BC, aponta riscos de volta da inflação (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasi)

A autoridade monetária completa a lista de riscos, citando uma eventual deterioração do cenário externo para países emergentes, e uma possível frustração do mercado com reformas econômicas que fiquem pela metade.

Sob pressão

“Pelo que parece, o fato de o Comitê ter deixado a porta aberta para isto acontecer com base nos dados que saíram antes da decisão levou as projeções e expectativas do mercado a pressionar este novo movimento”, afirma o relatório.

Por isso, a Guide sugere que o BC possa ter cedido à pressão do mercado, que vinha se manifestando a favor de um novo corte.

A suspeita de que o BC passou do ponto é ampliada, segundo a Guide, pela convicção com que sua diretoria descartou novas reduções da Selic nas próximas reuniões.

“Na nossa opinião, o fato de o Copom praticamente antecipar um cenário de 45 dias com uma mensagem tão clara na conclusão – linguagem que já foi usada por este Comitê, que já foi até criticado por isso – indica que este novo corte pode ter ido além do que o inicialmente planejado”, observa a gestora.

Veja, abaixo, a íntegra do comunicado do Copom sobre a reunião desta terça e quarta-feira.

“Em sua 228ª reunião, o Copom decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 4,25% a.a.

A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:

Dados de atividade econômica divulgados desde o último Copom indicam a continuidade do processo de recuperação gradual da economia brasileira;

No cenário externo, apesar do recente aumento de incerteza, o caráter acomodatício da política monetária nas principais economias ainda tem sido capaz de produzir ambiente relativamente favorável para economias emergentes;

O Comitê avalia que diversas medidas de inflação subjacente encontram-se em níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;

As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 3,4%, 3,75% e 3,5%, respectivamente;

No cenário híbrido com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$4,25/US$*, as projeções do Copom situam-se em torno de 3,5% para 2020 e 3,7% para 2021. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 4,25% a.a. e se eleva até 6,00% a.a. em 2021; e

No cenário com taxa de juros constante a 4,50% a.a. e taxa de câmbio constante a R$4,25/US$*, as projeções situam-se em torno de 3,5% para 2020 e 3,8% para 2021.

O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Por um lado, (i) o nível de ociosidade elevado pode continuar produzindo trajetória prospectiva abaixo do esperado. Por outro lado, (ii) o atual grau de estímulo monetário, que atua com defasagens sobre a economia, pode elevar a trajetória da inflação acima do esperado no horizonte relevante para a política monetária. O risco (ii) se intensifica no caso de (iii) aumento da potência da política monetária decorrente das transformações na intermediação financeira e no mercado de crédito e capitais, (iv) deterioração do cenário externo para economias emergentes ou (v) eventual frustração em relação à continuidade das reformas e à perseverança nos ajustes necessários na economia brasileira.

Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, pela redução da taxa básica de juros para 4,25% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e o balanço de riscos para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante para a condução da política monetária, que inclui o ano-calendário de 2020 e, com peso crescente, o de 2021.

O Copom reitera que a conjuntura econômica prescreve política monetária estimulativa, ou seja, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural.

O Copom avalia que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira tem avançado, mas enfatiza que perseverar nesse processo é essencial para permitir a consolidação da queda da taxa de juros estrutural e para a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta ainda que a percepção de continuidade da agenda de reformas afeta as expectativas e projeções macroeconômicas correntes.

O Copom entende que o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela na condução da política monetária. Considerando os efeitos defasados do ciclo de afrouxamento iniciado em julho de 2019, o Comitê vê como adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária. O Comitê enfatiza que seus próximos passos continuarão dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação, com peso crescente para o ano-calendário de 2021.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (Presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fábio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.”