Internacional

Meninas do Afeganistão lutam contra Talibã com arma da educação

31 jul 2019, 13:24 - atualizado em 31 jul 2019, 13:24
Os direitos das mulheres cidadãs do país ainda não são foco das negociações de paz conduzidas pelos EUA com o Talibã no último ano (Imagem: Nelson Ching/Bloomberg)

Khaleda Sediqqi arrisca a vida toda vez que vai trabalhar.

Ela diz aos vizinhos que dá aulas em uma escola primária nos arredores, mas, na verdade, viaja para a cidade de Jalalabad ao longo de um trecho da rodovia que é frequentemente atacada por militantes. Sediqqi, responsável de treinamento da instituição de caridade Comitê Sueco para o Afeganistão, dá aulas para jovens professoras primárias. Elas então levam esse conhecimento de volta às escolas de suas vilas – tudo sob a opressão do Talibã e do Estado Islâmico.

“Coloquei minha vida em risco para vir aqui e educar garotas cujo sonho é apenas se formar no ensino médio”, disse Sediqqi, 31 anos, formada em química pela Universidade de Nangarhar. Falando no centro de treinamento, em uma casa velha de dois cômodos em Jalalabad, capital da província de Nangarhar, no leste do país, diz: “O objetivo é capacitá-las por meio da educação para que possam lutar e defender os direitos à educação de outras meninas”.

A maioria dos distritos de Nangarhar, incluindo a cidade natal de Sediqqi, está na linha de frente da batalha do país contra o Talibã e de seus esforços para impedir que o Estado Islâmico ganhe poder fora de Cabul. Cercada pela extensa cordilheira Hindu Kush, Nangarhar foi palco da primeira atuação do Estado Islâmico no Afeganistão. Agora sob constante ameaça de militantes, Jalalabad é cercada por assentamentos informais de deslocados internos que fugiram de suas casas para escapar da violência.

A educação de meninas – e o tratamento das mulheres em geral – é uma questão crítica para muitos no Afeganistão. No entanto, os direitos das mulheres cidadãs do país ainda não são foco das negociações de paz conduzidas pelos EUA com o Talibã no último ano.

O enviado especial dos EUA para a reconciliação do Afeganistão, Zalmay Khalilzad, vai coordenar a oitava rodada de negociações no próximo mês entre o governo americano e o Talibã, com o objetivo de garantir um acordo de paz buscado há muito tempo para acabar com a guerra de 18 anos. As conversas ganharam urgência ainda maior diante das eleições presidenciais no Afeganistão previstas para 28 de setembro.

Muitos ficaram surpresos quando representantes do Talibã disseram às delegações do Afeganistão e dos EUA que permitiriam que meninas recebessem educação completa, mas apenas em escolas exclusivas para mulheres. A declaração contradiz a violência contra escolas no Afeganistão – ataques que atingiram o coração da vida acadêmica de Sediqqi.

No começo do ano, militantes mataram um de suas amigas mais próximas, uma aluna da Universidade de Nangarhar, disse Sediqqi.

Militantes desconhecidos também bombardearam duas vezes uma escola primária onde Sediqqi leciona há vários meses, matando duas crianças e ferindo dezenas. Escolas, especialmente aquelas em áreas remotas, têm sido repetidamente alvo de ataques violentos, inclusive com incêndios ou envenenamento de estudantes.

Os ataques não desanimaram Sediqqi, que promete continuar desafiando as ameaças para educar meninas que há muito foram privadas de educação.

“Sofremos durante décadas – deliberadamente espancadas por membros da família ou mortas por insurgentes – porque nos falta educação e conhecimento”, disse Sediqqi. “A única maneira pela qual podemos proteger nossos direitos é através da educação, e estou aqui a qualquer custo para ensinar essas garotas indefesas.”