Matheus Spiess: Um trimestre cheio de ansiedade – a economia real e as eleições americanas
Demos nossos primeiros passos para dentro do último trimestre deste caótico ano de 2020. Assim sendo, acredito que seja proveitoso darmos uma olhada onde estamos agora e verificar possíveis riscos à frente.
Em primeiro lugar, quando observamos a atualidade, nos defrontamos inevitavelmente com a narrativa de “a economia ficará melhor”. A verdade é que a crise provocada pelo Covid-19 não acabou; aliás, muito pelo contrário.
Pode soar demasiadamente pessimista, mas eu gostaria que o leitor entendesse que, na realidade, se trata apenas de uma constatação sóbria do presente momento.
Hoje, a economia mundial ainda luta para se reativar… naturalmente, o movimento foi mal precificado logo em seguida do choque. É um fenômeno histórico: agentes econômicos costumam subestimas processos de recuperação pós-crise. Foi o que aconteceu.
Claro que, ao passo que reabrimos nossas economias, os indicadores sofrem melhoras marginais, mas ainda temos muito chão pela frente. Dois temas me chamam predominantemente a atenção: i) o mercado de trabalho; e ii) inflação.
Já tratamos neste espaço dos fatores deflacionários e inflacionários que se digladiam ao redor do mundo.
De um lado, a “japonização” mundial, com a demografia, a tecnologia e a globalização forçando os preços para baixo. Do outro, a expansão fiscal e monetária sem precedentes, com taxas de juros zeradas ou negativadas nos mercados desenvolvidos.
Tal dinâmica, somada à crise do novo coronavírus, provocou uma aceleração na disfunção do mercado de trabalho global. Enquanto o mercado de tecnologia e da digitalização está a todo vapor, contratando mais pessoas e expandindo, muitas outras indústrias, que já enfrentavam a obsolescência, encontram uma dificuldade a mais, a de faturamento zero.
Não podemos nos esquecer que muitas empresas ainda não voltaram a operar e muitas pessoas ainda estão desempregadas. Gradualmente, o desemprego friccional americano, que é tradicionalmente mais fluido e dinâmico por conta da flexibilidade trabalhista, passa a se transformar em desemprego estrutural.
Companhias não produzem, indivíduos não tem renda e alguns ainda empregados, com medo do desemprego, optam por poupar ao invés de consumir, por uma questão de segurança. O choque de curto prazo é inevitável e o que tem evitado um colapso mais latente é justamente alguns estímulos fiscais, notadamente nos EUA.
Agora, a menos de um mês das eleições presidenciais, o debate ao redor de mais estímulos cavalares ganha contornos políticos. O mercado passa a precificar não só a chance de aprovação de um pacotão (ou pacotinho) fiscal, mas também a probabilidade de uma próxima presidência democrata.
Sem juízo de valor aqui: o mercado apresentou bom desempenho aos investidores de longo prazo, independentemente do Presidente…
Contudo, as eleições de 2020, por mais que tentemos negar, tendem a ser um pouco mais importantes devido ao contexto. Estamos no início de uma nova década com uma das chapas mais progressistas da história do partido democrata.
A falta de previsibilidade estressa os mercados.
De acordo com o Bank of America, a possibilidade de eleições contestadas se trata do cenário mais volátil de todos, uma vez que a indefinição de rumo seria tremenda. E veja, se trata de uma chance considerável. Imaginem que estamos vivenciando um modelo de eleições inédito nas escalas propostas.
Nunca antes na história dos EUA o vote by mail tinha sido tão explorado. Pragmaticamente, o efeito disso será um resultado tardio, de meados de novembro em diante. A dinâmica abre espaço para intervenção da Suprema Corte, como aconteceu na primeira eleição de George Bush (filho).
Ainda que a volatilidade esteja no radar, não deveremos ter problemas direcionais nos EUA.
O que eu quero dizer com isso?
Significa que a volatilidade não poderá ser usada para uma realização radical nos ativos de risco. Isso porque, em uma terminologia mais técnica, a Bolsa não está tão cara como esteve da última vez em que isso aconteceu.
Apesar da forte recuperação do múltiplo P/E de Shiller (CAPE) comparativamente ao piso de março, o valuation geral ainda está abaixo do nível pré-crise.
E graças à queda acentuada nos yields, podemos até argumentar que o prêmio de risco está em níveis razoavelmente aceitáveis novamente.
O que nos traz a uma segunda derivada desse movimento: os mercados emergentes.
Uma vitória de Joe Biden seria menos agressiva aos mercados internacionais, principalmente se viesse com a chamada “onda azul”, na qual os democratas levariam não só a Casa Branca, mas o Congresso inteiro também.
Um regime democrata seria positivo para a retomada dos fluxos de comércio global – se queremos que a economia, hoje muito machucada (primeiro gráfico), volta ao que era antes, o mundo tem que trabalhar junto.
Uma retomada dos fluxos de comércios simbolizaria um dólar mais fraco e commodities mais fortes, dando pujança aos emergentes.
Este belo gráfico da Fidelity mostra a correlação histórica entre valor, commodities e inflação (a segunda dinâmica que mencionei no início). Mercados emergentes, pelo menos ex-China-tech, ainda é um comércio de commodities e valor.
Faz sentido estar otimista marginalmente com o Brasil, especificamente, considerando que somos o mercado emergente que mais apanhou em dólares no ano.
Claro que, para isso, precisamos fazer o dever de casa e realinhar a agenda fiscalista de reformas, principalmente as de produtividade. Não precisamos ter o governo mais liberal do mundo para dar certo, o mínimo de esforço será suficiente, mas ele precisará vir de Brasília.
A ver…