Matheus Spiess: Perspectivas para o ouro
Historicamente, o ouro sempre assumiu diferentes conotações quando considerado como um investimento para o longo prazo.
Contudo, ainda que possua diferentes camuflagens, predominantemente os investidores mais tradicionais o identificam como um “safe haven” (em português, porto seguro).
Com isso, independente do momentum derivado de eventuais conjunturas, o ouro assumiu um papel importante nas carteiras dos investidores, principalmente como proteção.
Aliás, desde que perdeu seu papel como lastro das moedas mundiais logo no início da década de 70, o ouro tem sido taxado como mais uma commodity; entretanto, suas versatilidades e características ímpares colocam o metal precioso em uma posição privilegiada entre os demais pares.
Ao longo de 2020, o ouro bateu a marca dos US$ 2.000 por onça-troy, sendo impulsionado por uma crescente demanda derivada da grande expansão de liquidez, por vias monetárias e fiscais. Resta, porém, a dúvida: seria 2021 um ano de continuidade para a alta do ativo ou seria o caso de rever seu posicionamento nos portfólios?
Já adianto minha resposta: sim, o metal poderá continuar subindo (existe fundamento para isso), mas os eventos para o ano que vem sugerem um custo de oportunidade de se estar sobrealocado em ouro, indicando uma posição neutral relativamente ao ano de 2020.
Vamos aos pontos do porquê acredito nisso. Separei três forças que, no meu entendimento, terão impacto sobre o metal nos próximos meses.
Força do dólar no mundo e inflação
Embora o dólar tenha perdido 85% de seu poder de compra desde 1970 como resultado do aumento da inflação, ele perdeu 95% de seu valor em relação ao ouro. Isso sugere que o ouro manteve seu poder de compra de maneira superior às demais moedas fiduciárias – de um ponto de vista secular, claro.
É importante ressaltar que, embora o ouro seja oficialmente desvinculado do dinheiro fiduciário em todo o mundo, seu valor é muitas vezes percebido como mais seguro e mais estável do que o papel-moeda.
Quando o dólar cai, os preços da maioria dos ativos tangíveis tendem a subir por causa do “efeito denominador” – mais dinheiro para comprar o mesmo produto. O gráfico abaixo mostra o DXY versus o preço do ouro. Evidentemente, as grandes desacelerações no DXY abrem espaço para a alta do ouro.
Atualmente, com Joe Biden a caminho de se tornar o quadragésimo sexto presidente dos EUA, entende-se que o multilateralismo comercial democrata, somado ao expansionismo monetário e fiscal (mais no tópico abaixo), fará com que os recursos fluam com mais facilidade pelo mundo. Um maior fluxo de dólares para outras regiões desvalorizará a moeda, ainda que haja uma recuperação econômica em curso nos EUA.
Portanto, ponto positivo para o posicionamento em ouro.
⦁ Expansão da liquidez e taxas reais de juros
A crise atual obrigou aos governos e autoridades monetárias a atuarem de maneira nunca antes vista para estimular a economia. O resultado? Foi criado um expansionismo fiscal e monetário sem precedentes, com muito dinheiro fluindo para economia.
Mais dinheiro para a economia significa inflação. Acredita-se que o ouro seja uma boa proteção contra a inflação – em vez de ter o dinheiro perdendo valor contra os bens (item 1 destacado acima), o investidor prefere preservar recursos em bens reais, como o caso do ouro.
Ao mesmo tempo, a expansão monetária, que acaba gerando inflação em um segundo momento, vem em reação ao medo da falta dela – a manutenção do poder de compra da moeda preza por estabilidade.
Vivemos em um mundo em que fatores demográficos, tecnológicos e de globalização forçam a inflação para baixo.
Sem inflação, reduz-se os juros, para tentar estimular a economia (a falta de inflação costuma indicar, entre outras coisas, a falta de atividade econômica).
Abaixo, um gráfico que apresenta a taxa de juros real de 10 anos nos EUA e a correlação para com os preços do ouro. Não é uma correlação óbvia, claro, mas existe. “No creo en brujas, pero que las hay, las hay”.
Os rendimentos reais dos títulos são negativamente correlacionados com os preços do ouro. A queda nas taxas reais representa uma redução no custo de oportunidade de se reter ouro e, portanto, deve elevar os preços do ouro.
Paralelamente, a queda dos rendimentos reais dos títulos reflete a flexibilização das condições monetárias nos EUA, o que muitas vezes, embora nem sempre, corresponde a um dólar mais fraco e, portanto, a preços do ouro mais fortes.
Em geral, as variáveis estão negativamente correlacionadas 70% do tempo.
Aliás, a indicação recente de Janet Yellen para ser a Secretaria do Tesouro dos EUA reforça ainda mais que o expansionismo, que impulsiona a inflação, continuará por mais tempo. Quando foi presidente do Fed, Yellen era conhecida por seu perfil “dovish” (estimulativo).
Assim, se por um lado você tem a conjuntura favorável à inflação com o expansionismo fiscal, por outro existem fatores que apontam para uma continuidade de baixas taxas de juros reais por mais tempo. Menos juros por mais tempo significa fluxo de recursos para o ouro.
⦁ Recuperação econômica e prêmio de risco
Por fim, temos os prêmios de risco do mercado de ações, os quais possuem uma correlação positiva com os preços do ouro. Isso deriva do fato de os investidores consideram o ouro principalmente como uma proteção contra riscos imprevistos.
Por esse aspecto, como se entende que haverá uma recuperação dos preços dos ativos nos próximos meses, devido ao boom de 2021, podemos estimular que o ouro terá uma grande trava. Não entendemos que será o caso de uma realização, porque os pontos 1) e 2) apresentados acima são relevantes para mim, mas poderá ficar em congestão nos próximos meses
Conclusão
Com isso, identifico motivos para manter o ouro em portfólio balanceados. Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas.
No entanto, dado que existem bons prognósticos de alta para a Bolsa em 2021, na esteira da retomada da economia, o ouro deriva assumir apenas papel de proteção contra eventuais catástrofes, guardada sua característica de ativo real historicamente descorrelacionado.