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Matheus Spiess: A fraqueza do dólar e a ruptura do euro – é o novo normal?

12 ago 2020, 19:10 - atualizado em 12 ago 2020, 19:10
Notas de euro, dólar norte-americano, dólar de Hong Kong, iene japonês
“Agora, com a nova dinâmica, o dólar, que se fortaleceu relativamente bem nos últimos 10 anos, passa a perder fôlego contra as moedas dos países desenvolvidos” (Imagem: REUTERS / Jason Lee)

De umas semanas para cá, temos observado uma dinâmica curiosa no comportamento das moedas consideradas fortes ao redor do mundo, como o dólar americano, o euro, o franco suíço, o iene e a libra esterlina.

O Dollar Index (DXY), índice que mede a performance da moeda americana versus uma cesta de divisas, vem perdendo sua força devido a três motivos: i) expansão monetária e fiscal sem precedentes nos EUA; ii) pressão da eleição presidencial; e iii) dinâmica ao redor do ESG, na qual a Europa é notadamente mais evoluída e aderente que os EUA.

Ou seja, o dólar tem se desvalorizado perante seus pares globais.

É curioso uma vez que o DXY só fez subir nos últimos anos (desde 2008, principalmente). O secular desempenho das empresas de tecnologia estadunidenses, o bom crescimento da economia, o maior diferencial de juros e a inflação controlada nos EUA ajudaram a construir tal trajetória.

Agora, com a nova dinâmica, o dólar, que se fortaleceu relativamente bem nos últimos 10 anos, passa a perder fôlego contra as moedas dos países desenvolvidos. Atualmente, contudo, o movimento encontra uma resistência importante que coloca a Turquia em uma posição de importância no debate mundial.

Explico.

O DXY, por mais que amplamente utilizado, não é perfeito. Uma das críticas mais contundentes ao indicador é a concentração da moeda europeia, o euro (EUR). Nesse sentido, é natural estudarmos mais o comportamento do dólar versus o euro do que o DXY em si, notadamente em casos como o atual.

Abaixo, compartilho o gráfico elaborado pela Nordea, que destaca o ponto técnico em que a relação entre as duas divisas se encontra. Veja como de 2008 para cá o dólar de valorizou relativamente ao euro (linha azul caindo) e agora, mais recentemente, passou a de desvalorizar (linha azul subindo), se deparando com uma fronteira técnica.

Não sou analista técnico, mas observo os fluxos internacionais com salutar agnosticismo e interesse. Segundo a Nordea, poderíamos dar início a um bull market para a divisa europeia se o euro romper com mais robustez a fronteiro do 1,194.

Naturalmente, o DXY seguiria, com Libra Esterlina, Iene e Franco Suíço reproduzindo o movimento de valorização relativamente ao dólar. E, em um segundo momentos, moedas de países emergentes, como o real, também.

Por isso, muito provavelmente os desdobramentos das questões monetárias e fiscais da Turquia podem definir o movimento. Isso porque quando a lira turca apanha pro dólar, o EUR costuma sentir o impacto.

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“As autoridades na Turquia estão tentando tornar o mais caro possível as apostas contra o TRY” (Imagem: Pixabay)

O que está acontecendo?

A fraqueza da economia, a falta das reservas e a morte momentânea do turismo, muito importante para a economia local e para atrair dólares para o país, além da já notória problemática política, implicam em fuga de capitais da Turquia.

As autoridades na Turquia estão tentando tornar o mais caro possível as apostas contra o TRY (as taxas overnight offshore atingiram mais 1000% no início de agosto). Ou seja, querem punir quem tenta atacar de maneira especulativa o país, parecido com o que acontecia com o Brasil nas décadas de 80 e 90.

O problema é que isso implica em questões fiscais e monetárias importantíssimas, relacionadas com a capacidade das autoridades em honrar suas dívidas e gerenciar a balança de pagamentos nacional.

Os setores financeiros da Espanha, da França e da Alemanha, são muito expostos à Turquia. Logo, o enfraquecimento da Turquia acaba sendo um enfraquecimento da União Europeia e, consequentemente, do Euro.

Abaixo, outro gráfico da Nordea identificando os países mais expostos à economia turca.

Na Turquia, no entanto, a falta de ajuste da taxa de câmbio, devido a um crescente déficit em conta corrente e lacunas de financiamento mais amplas, implica na necessidade de uma política mais rígida.

Resta ver quem sairá vencedor desse cabo de guerra.

Em sendo a estabilidade turca, o Euro pode romper a barreira e puxar as demais moedas fortes. Em seguida, poderíamos testemunhar também a valorização das moedas emergentes contra o dólar, importante para nós brasileiros. Em sendo o caos financeiro na Turquia, o Euro pode a voltar a perde valor, retornando à lógico do pós-2008.

Assim, para nós brasileiros, vale guardar posição tanto em dólar, como em outras moedas fortes. Estruturalmente já seria necessário, mas a conjuntura demanda uma exposição mais assertiva.