Opinião

Matemática do mercado de petróleo: Como precificar ameaças geopolíticas

26 set 2019, 14:57 - atualizado em 26 set 2019, 18:38
Petróleo Brent Setor Petrolífero Commodities
A expectativa de perda de valor do petróleo na oferta mundial é o produto destas duas variáveis: a chance de um evento ocorrer e a quantidade de barris por dia que seria perdida se ele acontecesse (Imagem: Reuters/Carlos Garcia Rawlins)

Por Investing.com

Após o ataque de 14 de setembro à infraestrutura petrolífera da Arábia Saudita, vimos um salto na cotação do petróleo na segunda-feira seguinte. Desde então, os preços vêm retornando aos níveis pré-ataque.

Embora seja possível ouvir um monte de falastrões reclamando de que o mercado não esteja precificando a chance de uma guerra e outros conflitos geopolíticos capazes de impactar o petróleo saudita, a matemática conta uma história diferente. De fato, o mercado talvez esteja muito mais em linha com os ataques do que alguns especialistas acreditam.

Ao examinar o potencial dano de um possível evento, como uma guerra, devemos tentar identificar um valor esperado. Para isso, devemos considerar tanto a probabilidade de ocorrência desse evento quanto a extensão do seu dano à oferta mundial de petróleo em termos de barris por dia perdidos.

A expectativa de perda de valor do petróleo na oferta mundial é o produto destas duas variáveis: a chance de um evento ocorrer e a quantidade de barris por dia que seria perdida se ele acontecesse.

O cálculo é o seguinte:

t = chance do evento​

b = barris por dia perdidos (caso o evento aconteça)​

VE = Valor Esperado

t*b = VE

Vamos analisar três exemplos, tendo em mente que eu não estou endossando qualquer suposição específica. Os exemplos são meramente ilustrativos:

Hassan Rouhani
Hassan Rouhani, presidente do Irã: uma guerra total com o país poderia levar a perda de 1 milhão de barris por dia (Imagem: site da presidência do Irã)

Cenário 1

Considere que a chance de que ocorra uma guerra total entre o Irã e a Arábia Saudita seja de 10% e que essa guerra possa retirar 10 milhões de barris por dia provenientes da região do Golfo Pérsico.

0,10 x 10 = 1 milhão de barris por dia (mbpd)

Nesse caso, o valor esperado da perda é de 1 milhão de barris por dia (mbpd). Se um hedge fund de Nova York ou Londres decidir que a chance de que ocorra uma guerra é de 10% e que isso poderia retirar do mercado 10 milhões de barris por dia, esse fundo espera, portanto, que a oferta mundial sofra uma redução de 1 milhão de barris por dia. Isso não é muito no mercado atual.

É preciso entender que, nesse cenário, se uma guerra realmente acontecer, o valor esperado teria que ser recalculado com uma chance de 100% . Isso significa que a perda esperada mudaria para 10 mbpd e que o fundo estaria prevendo um aumento de preços.

Cenário 2

Considere que exista uma chance de 50% de que ocorra um incidente militar capaz de retirar 6 mbpd do mercado. O valor esperado é uma perda de 3 mbpd. Se o fundo acredita que essas variáveis estão corretas, ele precificará uma perda esperada de 3 mbpd.

Novamente, se de fato houver uma guerra, a perda esperada seria recalculada para 6 mbpd.

Cenário 3

Este é um exemplo mais complicado: existe uma chance de 10% de que 10 mbpd sejam retirados do mercado, outra chance de 50% de que 6 mbpd saiam do mercado e mais outra de 75% de que 1 mbpd saia do mercado.

Nesse caso, o fundo calcularia que a perda esperada desses três eventos seria de 4,75 mbpd. Se o fundo acredita nessas suposições, inseriria esse valor esperado em suas projeções. (Esse cenário particular é mais complicado, porque cada porção do cálculo pode ser dependente das outras, mas o cálculo acima foi simplificado para ficar mais claro).

Uma perda de produção de um país específica poderia ser compensada pelo grupo de países do cartel Opep (Imagem: Reuters/Leonhard Foeger)

É preciso levar em consideração duas complicações: primeiro, é preciso entender que, no caso de uma guerra em grande escala no Golfo Pérsico, poderia haver uma histeria entre os traders de petróleo capaz de impulsionar os preços acima do que indicam os fundamentos. Mas a disparada resultante desse pânico teria vida curta.

Em segundo lugar, se esse petróleo realmente fosse ficar fora do mercado por um longo período, ainda há capacidade ociosa no mundo para compensar essa perda.

Por exemplo, outros membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) podem aumentar a produção, especialmente após uma reunião emergencial. A América do Norte também é capaz de aumentar a produção, principalmente com o apoio de capital adicional de Wall Street.

Por fim, diversos países, como a China e os Estados Unidos, possuem volumes consideráveis de petróleo armazenado que podem utilizar para enfrentar a ascensão dos preços.

Saudi Aramco
Após os ataques sofridos por drones, a Saudi Aramco irá divulgar o seu nível de produção na segunda-feira (Imagem: REUTERS/Ahmed Jadallah)

Valor de mercado esperado

Embora o exposto acima seja uma visão geral simplista de como o valor esperado poderia ser usado por um fundo sofisticado que opera no petróleo, o ponto continua o mesmo. O mercado provavelmente já precificou o valor esperado dos diferentes conflitos possíveis. Neste momento, os valores esperados não justificam um aumento expressivo de preços.

Observação: a Saudi Aramco deve divulgar uma atualização sobre o avanço do processo de retomada de produção após os ataques no dia 30 de setembro (segunda-feira).

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