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Marly Parra: fusões e aquisições podem ser uma boa saída para empresas familiares?

22 jun 2021, 14:19 - atualizado em 22 jun 2021, 14:19
As operações de M&A em um negócio familiar podem ocorrer por diversos motivos (Imagem: Freepik/pressfoto)

As fusões e aquisições estão em alta. O Brasil experimentou em 2020 um recorde histórico neste tipo de transação.

O cenário de forte competição pelo dinheiro curto do consumidor e as pressões da conjuntura econômica, com ou sem pandemia, obrigam que até mesmo empresas familiares, geralmente mais avessas a grandes mudanças, mantenham essa possibilidade no radar.

Vamos aos pontos que me levam a defender esta tese.

As operações de M&A em um negócio familiar podem ocorrer por diversos motivos.

Alguns mais previsíveis, como a falta de interesse pelo negócio entre os herdeiros dos fundadores e a ausência de um plano de sucessão; outros circunstanciais, como uma forma de capitalizar a empresa para crescer, por exemplo, ou ainda evitar uma crise futura por meio de uma aliança estratégica.

De acordo com a 10ª Pesquisa Global sobre Empresas Familiares – 2021, feita pela consultoria PWC, apenas 24% têm planos de sucessão e 36% dizem que há resistência às mudanças. Para efeito de comparação, na média global 30% têm planos de sucessão e 29% se declaram refratárias a alterações.

Com a aceleração do processo de digitalização devido à pandemia, muitas empresas se viram obrigadas a antecipar planos de investimento em tecnologia, o que também pode ser um motivo para atrair um novo sócio, com dinheiro ou expertise no mundo digital.

Segundo o relatório 2021 da PWC, 28% dos entrevistados brasileiros afirmam que suas empresas dispõem de fortes recursos digitais, enquanto, na média global, esse percentual é de 38%.

A pesquisa da PWC entrevistou representantes de empresas familiares em 87 países ou territórios, sendo 282 delas no Brasil, entre outubro e dezembro do ano passado.

De acordo com dados do Sebrae, 90% das empresas brasileiras são familiares, ou seja, apresentam como principal característica que a propriedade e a gestão estão nas mãos de dois ou mais membros da mesma família. Elas respondem por cerca de 65% do Produto Interno Bruto do país e empregam 75% da força de trabalho.

Os dados do Sebrae mostram, no entanto, uma característica preocupante: 70% dessas empresas não resistem à segunda geração da família no comando. Acabam fechando as portas após o afastamento do fundador, seja por desinteresse dos herdeiros ou por incapacidade de continuar a estratégia ou modelo de gestão.

Quer bons exemplos na gestão de empresas familiares?

Há casos de sucesso na passagem de bastão nessas companhias. A Magalu (MLGU3), que chegou, no fim do ano passado, ao posto de sexta empresa mais valiosa da bolsa brasileira, com valor de mercado de R$ 178 bilhões, talvez seja um dos mais conhecidos.

A varejista, fundada em 1957 em Franca (SP), se transformou, na terceira geração de sucessão, em um ecossistema digital do varejo brasileiro, assemelhando-se mais ao modelo da Amazon do que das tradicionais lojas de departamentos que operam por aqui.

O caso da Dasa Diagnósticos, líder no país em medicina diagnóstica, com a maior rede de laboratórios, que engloba as bandeiras Delboni Auriemo, Salomão Zoppi e Lavoisier, também se destaca.

DASA3 Planos de Saúde
Pedro Bueno, enteado de Dulce Pugliese, continua como presidente do grupo Dasa, que, desde 2017, acelerou seu processo de digitalização e inovação (Imagem: Divulgação/Dasa/LinkedIn)

Pedro Godoy Bueno, filho do controlador Edson Bueno, assumiu o comando da empresa em 2015 e iniciou a transformação digital da rede. Deu autonomia em posições-chave e atraiu grandes talentos do mercado para se envolverem na cultura da empresa.

Em 2017, Edson Bueno, que foi fundador da Amil, junto com a então esposa, Dulce Pugliese, morreu de infarto durante um jogo de tênis. Em testamento, Edson deixou os direitos de voto de suas ações para Dulce, que sempre teve 49% dos negócios, e dividiu os direitos econômicos dos papéis para os dois filhos.

Pedro Bueno, enteado de Dulce Pugliese, continua como presidente do grupo Dasa, que, desde 2017, acelerou seu processo de digitalização e inovação. As ações triplicaram de valor após a pandemia e, em março, a empresa anunciou planos de lançar uma oferta restrita de ações para levantar R$ 5 bilhões.

Outro caso que chama a atenção é o da ABC da Construção. O negócio familiar nasceu em 1990 como uma loja de materiais do interior de Minas Gerais. Em 2006, o atual presidente, Tiago Moura Mendonça, neto do fundador, assumiu a direção das lojas e implementou uma mudança de posicionamento.

A rede passou a focar em acabamentos, como azulejos e pisos, e investiu em um novo modelo de negócios, com parcerias com lojistas de cidades pequenas, centralização de estoque e vendas online.

Para manter a expansão, a companhia então optou por receber recursos de venture capital e private equity, que viraram sócios do negócio. O aporte dos fundos Spectra, Fir Capital e Redpoint eventures ocorreu em 2020, já após a pandemia, e o total de investimentos, junto com o dos sócios fundadores, alcançou R$ 125 milhões.

O grupo do setor de alimentos J. Macedo, dono das marcas de farinha de trigo Sol e Dona Benta, é outro que se mantém familiar mesmo depois de recorrer a aquisições para sustentar o crescimento.

Amarílio Macêdo, o principal representante da família do fundador à frente do grupo, segue com a ideia de perenizar o negócio com a família, como queria seu pai, o fundador, mas também recorrer ao mercado para financiar a aceleração do desenvolvimento.

Esses casos de sucesso têm como ponto de convergência importante o cuidado com a governança corporativa. Por minha experiência, o trabalho de estruturação de uma holding já é complexo por si só.

No caso de uma empresa familiar, o terreno ainda é mais instável e pode durar até quatro anos; seja com objetivo de vender a empresa, quando não há herdeiros interessados em seguir no negócio, seja para receber um novo sócio-investidor.

É preciso estabelecer regras, um estatuto societário, deixar claro quem manda em que área e, essencial, ter certeza de que os gastos da família não se misturem ao caixa da empresa.

No caso da entrada de novos sócios, então, é necessário um acordo muito bem escrito sobre responsabilidades e obrigações de cada parte. A preparação emocional da família fundadora da empresa para aceitar a nova divisão de poderes é outra questão delicada.

Os processos de M&A podem gerar ganhos para todos os lados se for bem orientado e conduzido com foco especial na governança e com expectativas bem alinhadas.

Operações de M&A se tornaram uma solução tanto para superar a crise, como para fazer frente aos investimentos necessários à transformação digital ou disruptura do negócio.

Antes de pensar nos valores ou mesmo nos objetivos da transação, é preciso estar com esses pontos bem equacionados. Afinal, choques de cultura podem colocar tudo a perder e esse não é definitivamente um momento em que há espaço para erros.

*Marly Parra é executiva com experiência em diversas multinacionais, membro da Comissão de Ética em Governança do IBGC e Conselheira na Solstic Advisors

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