Mario Serpa: Enquanto a Reforma da Previdência não vem
Por Mario Cezar Silva Serpa, economista e sócio da Planner Redwood Asset Management
Ao longo dos anos a ciência econômica tem tido diversas definições, passando pela formal de Adam Smith, com ênfase nos estudos dos processos de produção, consumo e acumulação de “riquezas”, até a definição de “bem estar” de Alfred Marshall, transcendendo àquela de Smith e ampliando o foco para as atividades e ações humanas.
Contudo, sem prejuízo de qualquer rigidez ou inflexibilidade conceitual, talvez a mais “adequada” das definições seja a de Lord (Lionel) Robbins em seu livro “An Essay on the Nature and Significance of Economic Science” (1932) onde, com objetividade e simplicidade, ousamos resumir seu pensamento sobre economia como sendo uma “ciência de se fazer escolhas”.
Neste sentido, a ciência das escolhas racionais ou do processo decisório sob condições de escassez impõe a atual equipe econômica e a iminente a assumir, desafios que deixam os ensinamentos do Nobel de Economia de 1970, Paul Samuelson, mais atuais e presentes à nossa realidade do que nunca. Em especial aos imprescindíveis e inadiáveis resultados positivos do chamado superávit primário (total de receitas menos despesas antes do pagamento dos juros), necessita, além de profundo estudo para as melhores escolhas do emprego dos recursos para a sociedade, de um movimento disruptivo em relação a quase tudo feito nos últimos anos – sim, mudança de paradigmas!
Com a legitimidade do presidente-eleito, a renovação do Legislativo e uma equipe tecnicamente bem preparada poderemos enfrentar um orçamento que ruma para o engessamento total – hoje com “margem fiscal” (teto dos gastos menos obrigações) próxima de 8%. Não há chance de recuperação constante e definitiva sem uma reforma previdenciária, ainda que gradual e evolutiva, mas alguns pontos podem e devem ser atacados prioritariamente.
Estes servirão não somente como início da nova postura gerencial, de ações de readequações e melhoras na eficiência da gestão, mas também capitaneará com sinais claros de reversão administrativa a mexer nas expectativas, índices de confiança, etc., até que a Reforma da Previdência seja aprovada.
Não são poucas as ações que podem ser desenvolvidas de imediato. Dentre aquelas consideradas como foco principal a auxiliar no primário com esforço inicial “majoritariamente exclusivo” do Poder Executivo, com resultados possíveis para ainda no 1º SEM/2019, sugerimos:
– Rever as desonerações – Todas; alinhar à futura Reforma Tributária;
– Aumentar eficiência das arrecadações – avaliação e ajustes de Inadimplentes;
– Revisão e adequações – auditorias nos gastos e receitas previdenciárias;
– Redução da Administração direta – Fusão de Ministérios, cargos e comissões;
– Suspender em definitivo, transferências (fins de aumento de capital) para Estatais;
– Privatizar/vender/fechar as Estatais possíveis (Necessidade revogação de medida Cautelar); Redução das operações quasi-fiscais (via bancos públicos);
– Aquisições públicas – melhorar o planejamento e a gestão das compras;
– Revisão das políticas de apoio às empresas;
– Outros gastos tributários ineficientes.
Os cem maiores montantes da dívida não previdenciária, que não estão pendentes de questionamento na justiça, somam R$ 378 bi, enquanto que os cem maiores valores da dívida previdenciária chega a R$ 36 bi, i.e., impacto direto de R$ 414 bi.
Segundo a Receita Federal e com base na LOA para 2019, o país tem projetado gastos tributários de R$ 306 bi, ou 21% da arrecadação esperada. Somente o programa Simples Nacional tem previsão de gasto de mais de R$ 87 bi, enquanto a Zona Franca de Manaus responderá por gastos tributários da ordem de R$ 30 bi.
Em 2017, o total dos custos do governo federal superou R$ 1 tri, sendo que deste total apenas 21,55% ocorreu na forma de custos controláveis. No total de gastos com pessoal ativo, gastou-se R$ 82 bi, enquanto R$ 548 bi foram gastos com benefícios previdenciários.
As perdas de receita com gastos tributários alcançaram 4,1% do PIB, concentrado em nove modalidades. O mais importante, contudo, não reside somente no “como fazer” ou mesmo em “qual fazer”, sobretudo porque a atual equipe já tem, em boa medida, mapeado e identificado seus problemas, mas no timing de se implementar os ajustes, cortes e otimização dos gastos e receitas.
As ações requeridas não se resumem à mecanicidade de atitudes, não. O processo, embora urgente, necessita de habilidade, conhecimento, capacidade operacional e sensibilidade técnica e gerencial – ou seja, não há espaço para “curvas de aprendizado”. Esta a razão pela qual não há porquê se desconsiderar alguns dos atuais executivos e gestores do governo, altamente qualificados e sem viés político-ideológico, que aceitem o desafio de alterar a lógica e, de fato, inovar nos procedimentos.
O que se está em jogo, neste momento, é a singular oportunidade de se recuperar a credibilidade da gestão fiscal, fomentando um ambiente propício para reverter, em definitivo, as práticas danosas verificadas (2008-2016), e consolidar e avançar em novos procedimentos, evitando retrocessos.
“O enfraquecimento da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF” e as manobras amplamente realizadas pelo Ministério da Fazenda e pelo Tesouro Nacional, conhecidas como “contabilidade criativa” a escamotear a realidade do resultado primário, não podem mais ocorrer.
Nesta linha, os gastos com a “política social”, por sua expressividade na despesa primária, precisa ser revista e otimizada – notadamente naqueles pontos que dependem do Executivo, como o reajuste do Salário Mínimo (logo no início de 2019) frente aos seus impactos, inclusive, em outros diversos gastos vinculados de forma permanente.
Enfim, os ajustes iniciais advindos do Executivo darão o tom para as Reformas estruturais a serem aprovadas pelo CN. O ciclo expansionista visto no Brasil até 2014 destruiu todo o avanço em termos de consolidação fiscal até 2008, e a política fiscal mais “restritiva” vivenciada a partir de 2015, foi forçada por razão direta da recessão econômica.
Não podemos nos sujeitar as “ciclicidades” econômicas como forma de ajuste. O gasto e sua priorização, em contexto de alocação dos recursos públicos, precisam ser eficientes com regramento prévio, e com mecanismos de controle ex-ante.
O mantra a ser seguido é: Controle fiscal absoluto! Somente os cortes e a racionalização das despesas nos levarão a um novo patamar de evolução em nossas finanças e na economia. O orçamento é apertado, mas sua grandiosidade “esconde” ineficiências a se enfrentar com processo de escolha alocativa diferenciada, levando-se em conta a conveniência estrutural das decisões, com coragem, competência e responsabilidade – precisamos colocar a casa em ordem. Afinal, o termo economia vem do grego oikonomia (oikos=casa + nomos=administração).