Marink Martins: uma narrativa falaciosa
Independente de ter sido acertada ou errada a resposta dos governantes diante da pandemia, é fato que – pelo menos nos EUA – uma boa parte da população formou uma poupança que não foi fruto do trabalho, mas sim, da transferência de renda. Em um determinado momento neste ano, cidadãos americanos receberam US$600/semana!
Repetindo as palavras do senador republicano Pat Toomey: conceder auxílio emergencial para aqueles que não sofreram adversidades financeiras – como os funcionários públicos americanos – é uma aberração.
O fato é que – como disse Jim Cramer – uma parte deste dinheiro sempre caminha para o mercado acionário. Neste ano, em particular, não faltaram razões para esta transição. Sem poder frequentar estádios e cassinos, os jovens americanos foram “fisgados” por uma narrativa extremamente convidativa: a da era da digitalização e da energia limpa.
Não quero dizer aqui, de forma alguma, que essas duas tendências inexistem.
O que busco transmitir é que estas narrativas quando associadas a premissa de que a renda variável é a única alternativa a ser considerada no mundo dos investimentos resulta em um movimento especulativo global como este que estamos testemunhamos.
Até mesmo o veterano estrategista Anatole Kaletsky – um dos sócios fundadores da casa de pesquisa Gavekal — sucumbiu às forças desta combinação ao publicar o gráfico abaixo:
No gráfico acima, observamos o diferencial entre o P/L de Shiller (invertido) e a taxa dos títulos de 10 anos do tesouro americano. O que observamos é que – em se tratando do índice S&P 500 – tal relação nos diz que a bolsa está barata quando levado em consideração o rendimento da renda fixa.
O leitor que me acompanha, que já leu o meu texto da “Beautiful Selic“ sabe que penso diferente. Para mim o gráfico acima está distorcido pelo fato de que a forma como o rendimento da renda fixa é definida hoje é diferente da forma como era definida no ano 2000.
É notória a artificialidade das taxas de juros soberanas nos dias de hoje. Vivemos em um mundo onde há 17 trilhões de dólares investidos em títulos cujos rendimentos são negativos. Vivemos em um mundo onde a taxa de 10 anos dos títulos de Portugal está negativa. Vivemos em um mundo onde o rendimento do título de 10 anos da Grécia é menor do que o rendimento do título de 10 anos dos EUA.
Neste mundo onde os rendimentos dos títulos soberanos deixaram de ser determinados pelo mercado e passaram a ser manipulados pelos BCs, a bolsa irá sempre parecer mais atrativa. Isso, contudo, é uma falácia!
Quando os rendimentos soberanos são mantidos baixos de forma artificial, os retornos subsequentes de diversos projetos implementados caem! (Os retornos convergem para a taxa soberana). Todavia, antes da materialização deste evento, o que observamos é uma escalada piramidal no preço dos ativos.
Marink Martins