Marink Martins: O que derrubou a Kraft Heinz poderá tirar o seu sono!
Por Marink Martins, do MyVOL e autor da newsletter Global Pass
Confesso que já me preparava para a minha longa caminhada de sábado quando ao ouvir os primeiros 5 minutos do podcast Motley Fool Money ouço analistas discutindo a respeito do write-off / impairment (baixa contábil) de US$15 bi anunciada pela empresa Kraft Heinz.
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Instantaneamente, fui tomado por um sentimento de raiva e frustração que sempre me ocorre ao relembrar do que se é praticado em diversos departamentos de Relações com Investidores (RI) – uma área que é forte candidata ao prêmio hipocrisia no mundo dos mercados de capitais.
Antes de explorar o tema mencionado no título, preciso alertar o leitor que você jamais será informado pela área de RI sobre o que realmente ocorre dentro de uma empresa. Trata-se de uma área de marketing voltada a promover a empresa e a filtrar tudo que é dito aos investidores para que este se comporte de forma análoga a Truman Burbank – aquele personagem do filme The Truman Show, estrelado por Jim Carrey.
Dito isso, ao analisar os resultados publicados por uma empresa listada na B3, faça-me um favor. Evite o tal do Earnings Release!!! Este é um relatório concebido sob a influência do yetser-hará (palavra judaica que se refere à inclinação ao mal). Sendo assim, ele é de mais fácil leitura, com gráficos coloridos e interessantes – tudo para desviar sua atenção do que realmente ocorre.
Por ali observa-se muitas classificações contábeis precedidas da expressão ADJUSTED. Uma outra expressão que disputa espaço neste infame relatório é o tal do ONE TIME, tentando se passar como algo não recorrente, mas que é mais frequente do que arroz de festa. Sendo assim, vá direto ao ITR – pois neste há menos flexibilidade. Melhor mesmo é você gastar tempo e sola de sapato para conversar com fornecedores e empregados da empresa.
Agora deixe-me explicar o que é a classificação contábil IMPAIRMENT, que é o filho bastardo de outra classificação, conhecida como GOODWILL.
E aqui vou por um caminho empírico e tudo ficará mais claro.
Atuei por menos de um ano na área de RI de uma empresa listada no Novo Mercado da B3. Tal empresa lançou suas ações em um celebrado IPO na B3 em novembro de 2011, em uma captação de aproximadamente R$600 milhões junto a investidores estrangeiros. Na ocasião, metade dos recursos levantados entraram para o caixa da empresa (operação primária) enquanto a outra metade foi para os acionistas fundadores (operação secundária).
Os recursos da oferta primária foram destinados a financiar a expansão desta empresa – uma holding no ramo de corretagem de seguros – via aquisições de pequenas e médias corretoras.
Sendo assim, a empresa embarcou em uma onda expansionista, adquirindo em um período de 2 anos, aproximadamente 25 pequenas corretoras.
Em uma típica operação, promovia-se uma incorporação de uma pequena empresa organizada em regime de cotas, de valor contábil irrisório, pagando um múltiplo que variava entre 8 e 15x o seu lucro líquido projetado para os próximos 12 meses. Tal processo era coordenado por jovens analistas de enorme talento, que faziam um ótimo trabalho de seleção e análise de corretoras potenciais.
Neste processo, o valor pago que excedia o valor contábil era contabilizado como GOODWILL, tudo conforme as regras estabelecidas por normas internacionais – IFRS (International Financial Reporting Standards). Até aqui, tudo OK!
Contudo, vale informar que o processo de classificação e determinação da parte do ágio que é pago e classificado como goodwill exibia enorme opacidade. Se era difícil para quem estava dentro da empresa, imagine para os acionistas. No caso específico da empresa em que atuei, uma boa parte do valor que era classificado em tal linha se referia a expectativas de ganhos futuros associados ao ativo adquirido.
Aqui, reflita comigo! Imagine se eu pago R$15 milhões por uma empresa (normalmente de estrutura familiar) de valor contábil de R$500 mil. Contabilmente, estou pagando um ágio de R$14,5 milhões sobre o valor contábil. Destes, informo aos meus acionistas que R$2 milhões referem-se a software e outros itens específicos, e o restante, R$12,5 milhões, referem-se a capacidade de ganhos futuros de seus gestores.
Educo a minha equipe de RI a esclarecer aos acionistas que a CVM permite que uma pequena parte do ágio seja amortizada ao longo de um determinado prazo, e que a parte mais relevante, será classificada como GOODWILL, sujeita a revisões de IMPAIRMENT – palavra inglês que refere-se a uma redução do valor recuperável de um ativo adquirido.
Deixo vocês com as seguintes perguntas:
– Qual é a capacidade dos gestores em uma determinada holding de acessar, em tempo real, o valor econômico de uma empresa adquirida?
– E quando o fazem e são surpreendidos negativamente com os resultados obtidos, quanto tempo, em média, se leva para comunicar tal evento a sua base acionária?
Afirmo aqui que os write-offs / impairments são eventos contábeis que são postergados ao máximo e que você, acionista minoritário, normalmente é o último a saber.
Nestas ocasiões, a assimetria de informação presente no mundo corporativo se faz casa do yetzer hará, privilegiando um seleto grupo que vai de insiders até a gestores bem informados bem atendidos por expert networks de corretoras e bancos de investimentos.
Ao pensar em expert network, pense em Bobby Axelrod, o personagem da série Billions. Tal personagem foi inspirado no fundador da SAC Capital – empresa que teve, em um determinado momento, mais de 10 de seus funcionário processados por uso de informação privilegiada.
Daí vem a necessidade de se manter diversificado de forma estratégica. Os ETFs nos ajudam neste sentido.
O yetzer hará está em todos nós. No mundo corporativo, ele cresce nas small caps e sonha habitar o mundo das blues chips. Quando consegue, ilude até sábios como Warren Buffet e Jorge Paulo Lehman.