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Marink Martins: Esqueça a loja da esquina. Viva o capitalismo!

31 jul 2020, 13:09 - atualizado em 31 jul 2020, 13:13
Soma
“O mercado amadureceu e vimos diversas operações no mundo da moda ao longo dos últimos 20 anos”, pontua o colunista (Imagem: Reuters/Eloisa Lopez)

Hoje temos uma estreia na B3: Grupo de Moda Soma (GSOM3), controlador das marcas Animale, Farm, Cris Barros, A-Brand, Fábula, Foxton, Off Premium, e Maria Filó. Trata-se de uma oferta primária no valor de aproximadamente R$1.350 bilhões e uma secundária no valor de aproximadamente R$270 milhões.

Lembro-me bem da época em que era um estudante na Flórida durante os anos 90 e me surpreendi ao saber que as redes de lojas das marcas Victoria Secret, Abercrombie & Fitch, e outras marcas conhecidas pertenciam a um mesmo grupo – o grupo “The Limited”, hoje conhecido como Lbrands. Era o início de um processo de consolidação que tomou conta do varejo norte-americano.

Tal movimento demorou a chegar ao Brasil. Por aqui, a falta de escala e os juros altos eram fatores que tornavam o processo não muito convidativo. Contudo, o mercado amadureceu e vimos diversas operações no mundo da moda ao longo dos últimos 20 anos.

O que de fato me fascina e faz-me enaltecer o capitalismo é o fato de que uma rede de loja vendida em uma operação privada, até um tempo atrás, poderia sair por 3 a 5 vezes o lucro recorrente dos últimos 12 meses. Já em uma oferta pública – como neste IPO do Grupo de Moda Soma – temos a rede vendida ao público por um valor equivalente a 37 vezes o lucro registrado em 2019.

Como comparação, vale citar aqui os múltiplos (P/L) de outras empresas do setor de vestuário e calçados tomando como base o lucro registrado em 2019: Lojas Renner (40x), Arezzo (35x), Hering (25x), Riachuelo (20x), C&A (19,4x), Centauro (19x).

Em tempos em que empresas do varejo digital (MGLU3, VVAR3, BTOW3) negociam na estratosfera, não vou nem tentar argumentar aqui que o Grupo Soma está chegando à bolsa a um preço exorbitante.

O meu objetivo aqui é enaltecer o capitalismo e mostrar que, um lançamento de sucesso como este, só é possível em momentos de liquidez abundante. Existe um enorme apetite por parte dos investidores mais jovens, tanto aqui no Brasil como no exterior.

Observe que esta é uma oferta predominantemente doméstica. Contudo, há uma parte das ações que está sendo vendida a investidores estrangeiros qualificados (oferta de acordo com a regra 144A). Os investidores estão com dinheiro e embalados por narrativas transformacionais.

Por estas razões e muitas outras, os três fundadores da principal empresa do grupo – a Animale -, caso optassem por uma venda privada (vendendo somente a Animale), poderiam conseguir algo entre R$200 milhões considerando um múltiplo de 5x, e R$400 milhões considerando um múltiplo de 10x o lucro de 2019 (este cálculo é aproximado tomando como base a participação da Animale de 32% das vendas do grupo).

Mas, eles foram ousados. Se organizaram. Promoveram o que é conhecido em inglês como “roll up” – o agrupamento de empresas visando um IPO de um grupo com maior escala.

Com isso, ao invés de vender sua “ideia” para um outro empresário, eles criaram as condições necessárias para vender parte do seu grupo para diversos investidores que exigem uma taxa de retorno bem inferior àquela exigida por concorrentes e empresários experientes.

Ofereça uma oportunidade de retorno de 10% para um fundo de pensão canadense e eles vão até te enviar uma caixa de bombons e flores em forma de agradecimento.

Mas, eles foram ousados: o agrupamento de empresas visando um IPO de um grupo com maior escala (Imagem: Divulgação/Animale)

Para isso é necessário muito trabalho, um belo time para empacotar a operação, e um outro para criar uma bela narrativa. Isso não só envolve bancos de investimentos, mas também advogados, auditores, gráficas, e muitos outros. A comissão paga aos participantes não foi aquela de 0,5% da tabela tradicional da B3 (B3SA3), mas algo próximo a 4.89% (incluindo os custos da B3).

Como resultado deste trabalho temos os 3 fundadores da Animale colocando no bolso nesta sexta-feira aproximadamente R$160 milhões e, em paralelo, mantendo o controle da empresa com 37,7% das ações avaliadas em R$1.7 bi! Veja só: neste processo houve uma criação de valor superior a R$1,4 bi para os fundadores da Animale.

Bem, se você notou uma certa inveja da minha parte, você está absolutamente certo! Leio um prospecto e fico fascinado. Viva o poder multiplicativo do capitalismo! Meus sinceros parabéns aos fundadores e a todos que estruturaram esta bela operação.

Para o bem ou para o mal, o capitalismo faz com que o valor de venda de algo não tenha muito a ver com o seu valor intrínseco, mas sim com o poder de compra, nível de conhecimento, e apetite (“animal spirit”) daquele que está comprando. Uma boa embalagem ajuda bastante!

Um bom fim de semana a todos!