Marcelo Cypriano: A Grande Dificuldade
Por Marcelo Petersen Cypriano, estrategista de investimentos da Mont Capital Asset e economista-chefe.
Uma opinião fora do consenso é sempre difícil e arriscada, pois economistas com amplo acesso a informação elaboram bons cenários. Outra frase arriscada é this time is different, mas às vezes é necessária para ver além do consenso.
Apesar do risco, vale elaborar sobre pontos pouco mencionados na discussão macroeconômica atual, mas capazes de enriquecer o debate. Para começar, espero que os membros do Comitê de Política Monetária elevem a taxa Selic em 0,75 ponto percentual na reunião do dia 4 de agosto. Os passos seguintes podem ser bastante diferentes também.
O primeiro ponto é o aumento da taxa de poupança doméstica após o choque da pandemia. A queda na ocupação e nos rendimentos dos 80% menos escolarizados, somada ao aumento dos preços transacionáveis, aumentaram o excedente bruto da economia. Estas mudanças alteraram a distribuição de renda a favor dos lucros e taxas de poupança maiores permitem taxas de juros menores.
O segundo ponto é mais importante. O teto constitucional para os gastos federais vai finalmente funcionar e diminuir sensivelmente os gastos, como proporção do PIB, em 2022 e nos anos seguintes.
O Brasil nunca passou por uma estabilização com tal apoio da política fiscal. O valor do PIB nominal deve crescer cerca de 13%-14% este ano e em torno de 10% em 2022, enquanto os gastos federais limitados pelo teto vão crescer 2,1% e 8,3% nestes anos, respectivamente, sem que exista, no cenário atual, uma perspectiva de gastos extra-teto que deixem o gasto federal/PIB em 2022 acima deste ano.
Ao analisar a arrecadação líquida federal como proporção do PIB no primeiro semestre de 2021 e compará-la com a trajetória do teto, o resultado primário dificilmente atinge déficits de -2,0% e -1,50% do PIB em 2021 e 2022. Quanto vale, em termos de uma taxa Selic terminal de ciclo mais baixa, um resultado primário em 2022 entre 2 e 3 pontos do PIB melhor do que o consenso atual?
This time is different por que a elevação de juros acontece com um aperto da política fiscal inédito e uma poupança doméstica em ascensão, ambos difíceis de considerar e sujeitos a excessos de guessnometrics. Daí uma grande dificuldade para formar uma opinião sobre juros no Brasil.
Como duas alternativas para a reunião de agosto, vamos considerar que o Comitê sobe 1 ponto, como é o consenso, mas destaca o avanço no ciclo de normalização e previsões de inflação (ligeiramente) abaixo da meta em 2022 (e novamente abaixo 2023, talvez), caso se use a trajetória de consenso para a Selic. O Comitê sanciona a expectativa para a reunião de agosto, mas procura retirar a expectativa de elevações adicionais expressivas, uma comunicação oposta ao esperado.
Outra possibilidade, agora mais fora do consenso, é a simples elevação em 0,75 ponto, acompanhada por mais do mesmo, ou seja, a sinalização de 5,75% em setembro. Um movimento assim mostraria a confiança nas previsões de inflação na meta em 2022 do primeiro Comitê com independência para decidir. Reduziria também a expectativa de aceleração das altas, mas deixaria em aberto o final do ciclo.
A elevação em 0,75 ponto ganhou custos para o Comitê, em termos de credibilidade, e vai exigir grande esforço de comunicação, com o possível uso da cartada da política fiscal, o que seria um certo retorno às condicionantes em 2020 da manutenção do forward guidance, condicionantes que terminaram atropeladas pela sequência de choques de preços.
O tempo está ao lado de uma estratégia assim, pois novos resultados fiscais mensais e mais um trimestre de contas nacionais com poupança doméstica em ascensão devem ser gradualmente incorporados ao cenário. O Banco Central pode gradualmente mostrar a consistência da prática de taxas de juros abaixo do neutro durante a recuperação da atividade.
Um registro necessário é a grande dificuldade para construir credibilidade fiscal, mesmo com um teto constitucional para os gastos públicos. O aperto fiscal à frente não foi incorporado, até o momento, ao consenso para o resultado fiscal primário dos próximos anos.
Outra dificuldade é como os primeiros membros a terem mandato fixo para a sua participação no Comitê devem se comportar. A perda da meta em 2022, por uma margem elevada e erro de avaliação, seria muito negativo para o início da independência do Banco Central.
Por outro lado, há uma bela recuperação cíclica com aumento do produto por ocupado, aumento da taxa de investimento, uma sequência de termos de troca favoráveis no comércio exterior, um princípio de abertura a importações e uma atividade notável no mercado de capitais. Conseguir encerrar a normalização abaixo do neutro, por causa da política fiscal pós-teto, aumentaria o apoio a consolidação fiscal, sustentaria melhor a continuidade da recuperação cíclica e tornaria mais custoso fazer campanha eleitoral com propostas de mudanças de política econômica. Fácil falar, difícil fazer.
Imagino que a maioria das decisões do Comitê de Política Monetária sejam difíceis e envolvam riscos de reputação, mas a próxima possui dificuldades adicionais.