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Mãos de Tesoura: 5 legados de Galeazzi que transcendem gerações

06 mar 2023, 13:13 - atualizado em 06 mar 2023, 13:13
galeazzi
Galeazzi deixou como legado lições de sua carreira como reestruturador de empresas (Imagem: Divulgação)

Logo nas primeiras horas da última sexta-feira (3), os principais veículos do país começaram a anunciar a morte de Claudio Galeazzi – ocorrida na noite de quinta (2). O executivo de 82 anos perdeu a luta contra um câncer que se arrastava há 18 meses.

Conhecido pelo incrível poder de reestruturar empresas em momentos delicados, Galeazzi chegou a ganhar o indecoroso apelido de “Mãos de Tesoura” por não ter pena em fazer cortes – sobretudo em estruturas inchadas, em todos os níveis, visando a perenidade do negócio.

Autor do livro “Sem Cortes”, lançado em 2019, Galeazzi resumiu sua passagem por diversas empresas e os feitos alcançados. As histórias se iniciam no começo dos anos 90, portanto, muito antes dos smartphones, machine learning, metaverso e ChatGPT emergirem.

No entanto, todas elas transcendem gerações pelo simples fato de que negócios são sobre pessoas – e que por mais que o mundo tenha mudado milhares de vezes nos últimos trinta anos, os vícios, egos e vaidades de pessoas que regem o mundo corporativo não mudaram.

A partir do “Sem Cortes”, extrai cinco legados de Galeazzi que merecem ser destacados:

1 – Vamos mudar tudo, desde que não tenhamos que mudar nada

A reestruturação de empresas passa por mudanças estruturais. Chegar ao outro lado do rio é o objetivo, mas a forma pela qual se percorre a correnteza não é necessariamente agradável para todos – sobretudo para os altos executivos.

No começo dos anos 90, quando assumiu a Cecrisa, uma das maiores fábricas de porcelanato e revestimentos do Brasil e à beira da falência, Galeazzi enfrentou a ira do dono Manoel Dilor de Freitas (falecido em 2004). Entre diversos problemas, um se destacava: gente.

Dilor, sendo dono, não se preocupava em misturar despesas pessoais com as da empresa. Até mesmo as rações dos gansos de suas fazendas eram pagas pela companhia. Também havia mais de 20 executivos de alta posição com péssima performance ou resistivos a mudanças, mas que não deveriam ser demitidos por questões afetivas.

Romper com ambos erros quase custou seu cargo. Mas anos mais tarde a decisão se mostrou correta e a Cecrisa segue relevante no mercado até hoje.

2 – Teoria da Panela de Pressão

Galeazzi defendia a chamada ‘Teoria da Panela de Pressão”. Por ela, entendia que ao se dispensar altos executivos refratários às mudanças, abria-se espaço para que ideias represadas por funcionários de cargos inferiores pudessem ganhar corpo.

Tanto na Cecrisa como nas Lojas Americanas, tal fenômeno se comprovou: supervisores ou gerentes de áreas operacionais, portanto detentores do conhecimento da engrenagem do negócio, conseguiram se fazer ouvidos logo após a saída dos antigos executivos.

Dessa forma, novos projetos foram implementados, melhorando a eficiência operacional do negócio – algo que jamais seria alcançado com decisores acomodados.

3 – O fim do “sempre fizemos assim…”

Ao chegar à Lojas Americanas, em 1998, Galeazzi se deparou com algumas situações curiosas, certamente nocivas ao negócio, mas que ninguém sabia explicar o porquê de ocorrerem. A resposta era ‘sempre fizemos assim…’ – nada muito diferente do que se escuta em 2023 em diversas empresas, independentemente do porte.

À época, a Lojas Americanas contava com cerca de 80 refeitórios para atender seus funcionários.

O impacto era gigantesco: toda a operação (contratação de pessoal, compra de mantimentos, preparo, atendimento, limpeza) e o que cercava ela (como atuar em conformidade com a Vigilância Sanitária) consumiam recursos, tempo e sobretudo energia, sobretudo para um gerente de loja – responsável por tudo que ocorria nela.

Ou seja, muitas vezes em vez de estar na linha de frente supervisionando funcionários, giro de estoque e relacionamento com o cliente, o gerente estava às voltas com a reposição de algum ingrediente que havia faltado no restaurante e que precisava ser retirado do estoque da loja para que as refeições pudessem ser feitas.

Ao questionar a existência de tal processo, Galeazzi recebeu como resposta “Sempre fizemos assim…”. Ele apresentou duas soluções: ou a terceirização dos refeitórios ou a concessão de um Vale Refeição – tão corriqueiro hoje em dia.

Optou-se pela segunda possibilidade e toda aquela estrutura fora desmontada para que pudesse ser dado foco ao que realmente importava para o negócio.

4 – Vaidades que quase condenaram um negócio

Em 2003, ao assumir o Grupo Estado, Galeazzi se deparou mais uma vez com uma empresa familiar com estrutura inchada. A família Mesquita se dividia em pequenos feudos: O Estado de São Paulo, Agência Estado, Jornal da Tarde, Rádio Eldorado etc, nos quais não havia intromissão alheia.

Como essas estruturas não se comunicavam, ainda que estivessem no mesmo grupo, quando um determinado fato ocorria, iam para o local uma equipe do Estadão, outra da Agência Estado, uma terceira do JT e a quarta da Rádio Eldorado. De um time de pouco mais de 3 mil funcionários, havia pouco mais de 1,2 mil cargos sobrepostos.

A necessidade de se manter títulos paralelos se justifica até hoje (afinal são públicos diferentes), mas não o esforço gasto para isso.

Confrontar com tais feudos e suas vaidades era necessário, até porque, pior que reduzir os poderes de integrantes da família, era não haver poder algum para ser exercido – o que certamente ocorreria com a provável falência do jornal.

Curiosamente, Galeazzi diagnosticou e atuou para mitigar os efeitos dessa sobreposição há 20 anos – muito antes de projetos como o Uma Só Globo, que foi iniciado em 2018 e tinha justamente tais premissas.

5 – Não entender de ternos pode ser bom para administrar uma empresa de ternos

Por fim, outra curiosa lição de Galeazzi está no rompimento de vícios e de status quo. Ao ser convidado para reestruturar a Vila Romana, marca de moda masculina, o executivo trouxe Paulo Remy, que havia trabalhado com ele na Cecrisa e que nada entendia de ternos ou vestuário masculino.

O diagnóstico dado à Vila Romana poderia ser perceptível mesmo que quem observasse nunca tivesse chegado perto de uma máquina de costura. Seus líderes se preocupavam em expandir e em atividades glamourosas, como ir a Nova York para acompanhar as últimas tendências.

E a cultura do negócio estava enviesada: um dos diretores chegou a sugerir a construção de um novo depósito para armazenar as roupas que não cabiam no atual – ninguém havia questionado o porquê de ser necessário um novo depósito, quando na verdade o objetivo deveria ser vender as peças para que elas não tivessem que ficar armazenadas.

Em casos como esse, a mudança é ainda mais complexa, pois se trata de uma nova cultura que precisa ser pensada e cascateada. E a construção dessa nova cultura passava por uma série de assuntos que não eram tão agradáveis: em vez de Nova York, escolha de tecidos e novas coleções, era necessário se debruçar em números, planilhas e também no mais básico – o que o cliente estava demandando. O diagnóstico de quem olhava de fora teve um peso essencial na reestruturação da empresa.

Galeazzi estava há cerca de 15 anos longe da liderança da Galeazzi & Associados, mas acompanhava os acontecimentos. Uma das últimas grandes movimentações da empresa se deu em fevereiro, quando a Marisa contratou a consultoria para reestruturar seus custos e evitar o destino da Lojas Americanas.

Um perfil como o de Galeazzi é polêmico e pode ser extremamente rejeitado, sobretudo aos que foram demitidos ou tiveram projetos ou departamentos ceifados por ele. No entanto, independentemente de gostar ou não de Galeazzi ou de seu modus operandi, existe um consenso: é impossível que seu nome passe incólume aos que conhecem minimamente seu trabalho.

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