Macro Summit Brasil 2024: China não vive uma bolha e ainda beneficiará Brasil, diz ex-CEO do Banco dos BRICs
É corrente no mercado financeiro global acompanhar cenários que apontem para uma crise na China (ou que provoquem uma). Uma das atuais preocupações é se a economia chinesa vive uma bolha, cujo estouro impacte negativamente o mundo inteiro – incluindo, claro, o Brasil. Mas, quem acompanha de perto a China diz que não há motivos para perder o sono.
Um deles é Marcos Troyjo, cientista social, diplomata, escritor e economista, que participou do Macro Summit Brasil 2024, evento online gratuito sobre cenário macroeconômico e mercado financeiro realizado pelo Market Makers, um dos principais hubs de conteúdo financeiro do Brasil, em parceria com o Money Times e Seu Dinheiro.
“Eu não me encontro entre aqueles que acham que, em questão de semanas ou meses, haverá a explosão de uma bolha na China, com terríveis consequências econômicas e se tornar uma potência de segunda classe. Eu acho que isso não vai acontecer”, diz o Troyjo.
Troyjo tem boas credenciais para comentar questões relacionadas a China. Além de ter sido secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia no período de 2019 a 2020, ele é fundador do BRICLab, da Universidade de Columbia, e ex-presidente do NDB (New Development Bank), o Banco dos BRICs, entre 2020 e 2023, que tem sede justamente na China.
“O modelo chinês como conhecemos não acabou, mas está mudando. E não necessariamente para pior”, disse Troyjo no painel: “CHINA x EUA: o Brasil na nova geopolítica”, que contou com a mediação de Thiago Salomão, fundador e apresentador do Market Makers, e Paula Comassetto, jornalista do Grupo Empiricus.
Segundo ele, a partir do final dos anos 1970, os chineses aumentaram gradualmente suas exportações para os Estados Unidos, recorrendo a vantagens competitivas como sua grande massa de trabalhadores (e consequente baixo custo de mão-de-obra), a implementação de uma política de abertura econômica e o aumento do investimento externo no país.
Mas, agora, a economia chinesa está mudando de perfil. “A China não é mais um low cost country [país com baixos custos de produção]”, diz o ex-presidente do Banco dos BRICs. Como exemplos dessa transformação, Troyjo citou o forte crescimento da remuneração dos trabalhadores, além dos maiores investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação realizados por empresas chinesas.
Troyjo acrescentou que a China deixou de ter uma economia sustentada pelo comércio internacional, e se apoia cada vez mais no consumo interno muito forte, cuja participação no PIB (Produto Interno Bruto) cresce a cada ano. Segundo ele, em 2006, a soma das importações e exportações da China atingiram 67% do PIB. Porém, esse percentual vem caindo, até atingir 34% em 2023.
Mesmo que cresça em ritmo menor daqui para frente, a China continuará ampliando sua força global. Segundo Marcos Troyjo, em dez anos, Estados Unidos e China serão as duas maiores economias mundiais. Outro exemplo do potencial chinês é que, se toda a riqueza criada pelo crescimento acumulado do PIB previsto para esses dez anos fosse separada em um “novo país”, essa “nação” já surgiria como a terceira maior economia do mundo, superando potências tradicionais como Alemanha e Japão.
“Velocidade e intensidade importam, mas tamanho também importa”, explica Troyjo.
China e Brasil: O que nós temos a ver com isso?
E como fica o Brasil nisso tudo? Troyjo explica que o Brasil tem valores culturais próprios, derivados do fato de sermos ocidentais e democráticos, mas que ainda assim mantém uma relação muito proveitosa com a China, se beneficiando desse brutal crescimento do PIB chinês.
“Se levarmos em consideração que o Brasil pode acumular gigantescos superávits comerciais, mediante a força das suas exportações, a gente tem números macroeconômicos muito impressionantes, com muita razão para ficarmos otimistas com nosso país”.
Troyjo também comentou que o Brasil, hoje, apresenta aspectos positivos e negativos. Ele cita três vantagens competitivas: a insegurança alimentar no mundo, com o Brasil sendo protagonista na produção de alimentos; o Brasil conta com segurança energética; e o país também é protagonista na transição para uma economia verde.
Por outro lado, ele diz que existe uma percepção dos investidores globais de que o ciclo de reformas estruturantes realizados nos últimos oito anos foi interrompido. O economista acrescenta que há incertezas sobre a preservação de grandes vitórias institucionais, como a independência do Banco Central, o marco regulatório do saneamento, e as privatizações e concessões realizadas.
“Os aspectos do lado negativo machucam o país. Ficar falando mal da independência do Banco Central faz mal para a economia, pois traz insegurança jurídica”, disse.
Eleições americanas e China
Nas eleições americanas deste ano, em que o atual presidente, John Biden (Democratas), deve enfrentar novamente seu antecessor, Donald Trump (Republicano), a postura dos Estados Unidos em relação à China deve ser um dos poucos pontos em comum entre os candidatos, avalia Troyjo. “Eu não acho que haveria muita mudança”, disse, referindo-se a uma eventual vitória de Trump.
Troyjo explicou que os chineses viam a administração de Trump como muito dura e vocal, mas aberta para os negócios, enquanto a administração Biden foi menos vocal, mas também muito dura em medidas restritivas de comércio.
“Mas tem uma diferença de estilo e retórica. Tem muita gente que diz que fazer é uma coisa, falar é outra. Mas nas relações internacionais, falar é fazer, porque um pronunciamento já tem impacto”, sublinhou o economista.
Momento global de policrises
Marcos Troyjo usa o termo “policrises”, repaginado pelo seu colega da Universidade de Columbia Adam Tooze, para analisar o momento geopolítico e geoeconômico atual, que considera ser o mais impactante desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Ele destacou três elementos para a policrises:
– Pandemia de Covid-19;
– Retração da economia mundial em 2020, que demandou respostas monetárias e fiscais muito hipertrofiadas;
– Recessão geopolítica: conflito com o Hamas, com potencial para se alastrar além de Israel e Palestina; guerra entre Rússia e Ucrânia, considerada a mais grave ameaça ao equilíbrio no coração da Europa desde a Segunda Guerra Mundial; e uma grande competição (“guerra fria 2.0”) entre o Ocidente e a China, ou entre os Estados Unidos e a China.
– Grande expansão monetária: de cada seis dólares em circulação hoje, um não existia há apenas 24 meses.
Além desses três elementos, Marcos Troyjo destaca que existem outras quatro situações em movimento no mundo e que podem ser interessantes para o Brasil.
O primeiro é que o mundo deve atingir 10 bilhões de pessoas em 2050, com queda de natalidade em 185 países que compõem a ONU, e crescimento robusto em apenas nove: Índia, Paquistão, Indonésia, Estados Unidos e outros cinco países da África Subsaariana – Uganda, Tanzânia, Etiópia, Nigéria e Congo. “Em 2050, a cada quatro pessoas no mundo, uma será africana”.
O segundo é que o crescimento mundial se dará muito mais pelo E7, grupo de países emergentes composto por China, Índia, Brasil, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia e México, do que pelo G7, o conjunto das atuais sete nações mais ricas do mundo.
“Quando há uma ascensão tão dramática em um espaço tão curto de tempo, a partir de um patamar de renda tão baixo, as pessoas comem mais e consomem mais energia, com maior investimento em infraestrutura”, explica.
O terceiro é o redesenho das cadeias globais de produção, que eram muito concentradas na China e têm migrado para outros países, como Índia, México e pode passar também pelo Brasil.
Por fim, ocorre uma metamorfose do talento, em que novas competências são agregadas em diversas profissões e também cadeias produtivas.
Para Troyjo, todas essas mudanças tendem a favorecer o Brasil. “Me parece que o jogo de cartas está sendo redistribuído, e esse jogo tem uma mão boa para o Brasil”.