Lula x Bolsonaro: Por que nenhum deles pode cantar vitória a 6 meses da eleição
O governador de São Paulo João Doria (PSDB) anunciaria nesta quinta-feira (31) a desistência da sua candidatura à presidência da República nas eleições deste ano.
Ainda pela manhã foi divulgado que ele desistiria da corrida eleitoral. O tucano, no entanto, recuou de sua decisão.
Outra surpresa veio no final da tarde: foi Sergio Moro quem abriu mão de sua candidatura ao anunciar que deixava o Podemos, partido no qual estava desde novembro, para migrar para a União Brasil.
O ex-juiz federal abriu mão da carreira na magistratura para integrar o governo Bolsonaro como ministro da Justiça e Segurança Pública.
Moro desembarcou do governo ainda em 2020, acusando o ex-chefe de interferir na Polícia Federal para proteger aliados e familiares, além de fazer corpo mole no combate à corrupção – sua principal bandeira.
Até então ele despontava como o nome mais relevante da chamada “terceira via”, que se apresenta como uma alternativa aos dois principais candidatos, Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
A quase-saída de Doria, além da desistência de Moro, já mostra, de alguma forma, que a eleição deste ano deve guardar novidades até o final.
O cenário hoje é bastante diferente do de 2018, quando o presidente Bolsonaro até então um deputado federal do “baixo clero”, surpreendeu o mundo político e venceu o pleito, impulsionado por um discurso de outsider propagado, sobretudo, pelas redes sociais.
O ex-presidente Lula (PT), na época condenado em segunda instância e preso em Curitiba (PR), deixou de disputar as eleições, sendo substituído praticamente às vésperas do primeiro turno por seu ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que dividiu chapa com Manuela D’Ávila (PCdoB).
Na ocasião, Bolsonaro venceu uma eleição já bastante polarizada, por pouco mais de 10 milhões de votos. Quatro anos depois, no entanto, bastante coisa mudou: Lula, até então inelegível, foi solto e conseguiu anular suas condenações.
Geraldo Alckmin, um dos fundadores do PSDB e tucano a vida toda, deixou a legenda em dezembro do ano passado para se filiar ao PSB de Márcio França, ora seu vice. Tudo indica que ele será o vice na chapa de Lula.
O casamento inusitado se justifica por ambas as partes com um discurso que entoa a defesa da democracia e a união de forças para impedir um novo mandato do atual presidente.
Os “plot twists” não param por aí. Isso porque a desistência de Sergio Moro pode ser só o começo: a tal da terceira via discute a possibilidade de lançar uma só candidatura. Além de João Doria, figuras como Simone Tebet (MDB), André Janones (Avante) e mesmo Ciro Gomes (PDT) disputam esse lugar.
Outros nomes até pouco tempo atrás especulados, como o do presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD), e do senador Alessandro Vieira (PSDB, ex-Cidadania), já anunciaram publicamente que não entrarão na disputa pelo Executivo.
Lula já está com a eleição ganha?
Todas as pesquisas eleitorais têm mostrado o mesmo cenário, com pequenas oscilações entre os números: Lula lidera a corrida eleitoral na casa dos 40% das intenções de voto, seguido de Bolsonaro, com pouco mais de 20%. Sergio Moro e Ciro Gomes ficam em terceiro e quarto lugar, com um dígito de intenções.
Mesmo a seis meses da eleição, é difícil pensar em um segundo turno que seja diferente do embate entre Lula e Bolsonaro. No entanto, ainda é cedo para acreditar que a disputa está ganha.
Creomar de Souza, cientista político, CEO da Dharma Politics e professor da Fundação Dom Cabral, lembra que ainda há muito o que acontecer. Em janeiro, por exemplo, havia quem, como parte dos petistas, especulasse que a eleição seria decidida já no primeiro turno, cenário hoje tido como pouco provável.
“A gente está caminhando até aqui com os dados que temos hoje. A tendência que se alimenta com a fotografia que temos hoje é que nós teremos uma eleição com cara de plebiscito, um plebiscito que vai definir qual força política será a de maior destaque nos próximos quatro anos, se será o antipetismo ou o antibolsonarismo. Isso me parece ser mais importante do que os próprios candidatos”, explica Creomar.
Por isso, para o cientista político, dizer que a eleição está ganha é muito mais um exercício de militância política do que de análise. “Falo isso de maneira muito convicta: é muito cedo para estabelecer um prognóstico sobre quem será o vencedor. Os dados estatísticos mostram a tendência de uma eleição de Lula contra Bolsonaro, com o ‘estrangulamento’ de qualquer outro candidato da terceira via, que a gente chama de ‘nem nem’ — nem um, nem outro”.
Ele ainda cita que ambos candidatos possuem “teto de vidro”, com seus trunfos e polêmicas, e que muita coisa pode mudar até lá, tal como foi na eleição de 2014, que inicialmente desenhava um embate entre Dilma Rousseff e Marina Silva.
“A gente também tem que estar de olho em impactos de eventuais fenômenos que estejam fora do radar desse processo, como por exemplo a própria facada [que Bolsonaro levou durante um dia de campanha em Minas Gerais, às vésperas do primeiro turno da eleição de 2018] que mudou o panorama eleitoral. Não consigo traçar um prognóstico. Lula ainda não apareceu [oficialmente] em termos de campanha. Quando Lula começar a fazer campanha de verdade, seu resultado eleitoral pode aumentar ainda mais porque ele está de fato fazendo campanha, mas pode ter um efeito reverso também”.
Lara Mesquita, cientista política especialista em eleições e professora na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), concorda que é difícil fazer conjecturas a 180 dias do pleito. No entanto, o cenário de segundo turno deve ser, de fato, o que se apresenta hoje.
“É muito pouco provável que um candidato que não esteja bem posicionado nas pesquisas chegue entre os dois primeiros lugares no primeiro domingo de outubro. Pensando com o que a gente aprende nas eleições anteriores, a probabilidade é pequena”.
Ela avalia que Bolsonaro tem feito e mirado em ações que são de forte apelo eleitoral e que poderiam, desta forma, surtir algum efeito nas urnas, como é o caso de transferir renda, buscar diminuir o efeitos da inflação — hoje, acima da meta — para a população ou mesmo olhar para o preço dos combustíveis.
Por outro lado, ainda que isso pudesse melhorar a sua imagem de alguma forma, os constantes escândalos de corrupção no governo também têm um grande efeito reverso. O mais recente resultou na saída de Milton Ribeiro do comando do Ministério da Educação.
Em áudios divulgados pelo jornal Folha de São Paulo, o ex-titular do MEC dizia repassar verbas do FNDE a municípios indicados por pastores, atendendo a uma solicitação do próprio presidente Jair Bolsonaro.
Compromisso com a eleição
As pesquisas de intenção de voto também têm mostrado um número baixo de nulos e brancos. Na última eleição, se somados com as abstenções, foi o maior índice desde 1989.
Creomar avalia que esta é uma eleição que deve engajar o eleitor, visto que ambos os candidatos despertam “paixões”. Por isso, é muito possível que um coopte um bom número de votos apenas porque o intuito do eleitor é impedir que seu rival vença.
Já Lara acredita que é importante olhar os números com cuidado, até porque eles não citam as futuras abstenções. Além disso, ela destaca que as pesquisas são feitas com um grupo de eleitores que, via de regra, costuma votar. Ou seja, é difícil cravar que o comparecimento às urnas será maior este ano do que foi em 2018.
“Nos últimos anos, se falou muito sobre a importância da democracia. Do outro lado, a gente vê um grupo que está muito mobilizado desde a eleição de 2018, de apoiadores do presidente Bolsonaro que nunca se desmobilizaram. Ele ficou em campanha durante todo o seu mandato, conseguindo manter seu eleitorado muito mobilizado”, diz.
Como fica o PSDB na eleição agora?
Antes protagonista nas eleições, hoje o PSDB se mostra com menos força política, pelo menos quando o assunto é o Planalto.
Antagonizando com o Partido dos Trabalhadores desde a redemocratização, os tucanos disputaram a presidência com os petistas em 1994 e 1998 (Lula x FHC), 2002 (Lula x Serra), 2006 (Lula x Geraldo Alckmin), 2010 (Dilma x José Serra) e 2014 (Dilma x Aécio Neves).
O PT perdeu contra Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998, quando o ex-presidente venceu Lula ainda no primeiro turno, sustentado pelo prestígio de ter derrotado a hiperinflação com o Plano Real, lançado em 1994. Depois disso, o PSDB perdeu em todas as eleições.
A quase saída de Doria da corrida eleitoral é mais um sinal de que a legenda perde fôlego nas eleições gerais. Ainda assim, nenhum dos nomes — tanto de Doria como o de Eduardo Leite — performa bem nas pesquisas até então. O governador de São Paulo tem hoje, no máximo, 3% das intenções de voto.
Para Creomar, deve-se analisar o processo de degradação que pode levar ao desaparecimento da legenda como força competitiva. “[O processo] tem início em 2014, com a derrota e Aécio Neves, e mesmo o próprio João Doria, que flertou com a antipolítica, fazendo campanha dizendo não ser político, e sim gestor. Essa ideia não se sustenta na realidade. É impossível fazer política sem ser político”.
O pesquisador acrescenta que “o PSDB perdeu aquele voto técnico, da classe média, que queria votar em políticos técnicos. E deixou de ser a força do antipetismo, a primeira escolha. Essa degradação resultou na saída de tucanos históricos”.
É o caso de Geraldo Alckmin, figura histórica do tucanato, governador de São Paulo por três mandatos como titular e por um mandato como vice de Mário Covas, além de ter sido um dos fundadores do partido. Hoje ele se alia a Lula, a quem teceu elogios no dia da sua filiação ao PSB, dizendo que o petista “reflete a esperança”.
“O que me aprece até aqui é o ex-presidente Lula construindo uma chapa com instrumentos de governabilidade. Em termos de chapa, ele tenta reeditar o normal de uma campanha presidencial, mesmo que migre para uma posição mais de centro para conseguir o maior número de eleitores possíveis”, analisa Creomar.
“Em 2018, Bolsonaro conseguiu avançar com liberais, neopentecostais, militares e outros criando uma coalizão eleitoral. Mas em 2022, alguns desses agrupamentos não estarão no seu palanque. É uma eleição em que cada voto vai contar, e a leitura do ex-presidente Lula é que ele precisa do maior arco de alianças possível para chegar ao Planalto”, conclui o cientista político.