Lula tenta ‘distração’ na conversa sobre China, mas o Uruguai só ganha com acordo bilateral
O presidente Lula tentou ‘distrair’ seu anfitrião uruguaio, Luis Lacalle Pou, dizendo que quer o Mercosul formalizando um acordo com a China. O presidente vizinho não deverá cair nessa e protelar o seu interesse em se aproximar de Pequim, o Mercosul goste ou não.
Primeiro, levaria muito tempo. Além da retomada dos entendimentos com a União Europeia (UE), um interesse conjunto dos quatro membros da União Aduaneira faria a China vender caro esse acordo, o que demandaria muito mais prazo para se chegar a um consenso.
Depois, e mais importante ainda para o pequeno Uruguai, esperar esse mecanismo é o mesmo que abdicar de seus interesses imediatos, que é atrair investimentos chineses na industrialização do país – o alvo principal – e abrir mercado preferencial para seus produtos agropecuários.
Com o Brasil e a Argentina no blocão, a China vai direcionar seus investimentos para esses dois países, que possuem mais massa de consumo e mão-de-obra. A brasileira, por sinal, é mais barata.
Mesmo que não haja tarifa de importação nas transações intrabloco, por que não fabricar diretamente onde há vantagens com custos menores?
Na verdade, o furo da Tarifa Externa Comum (TEC), que o Uruguai pretende fazendo acordo bilateral com a China, nem vai fazer efeito direto na concorrência que os manufaturados brasileiros e argentinos enfrentariam frente aos dos chineses. O país tem apenas 3,5 milhões de habitantes.
Muito menos ameaçar a agroindústria, já que é difícil imaginar que alimento processado chinês possa concorrer com os do Mercosul.
Lacalle Pou quer agradar a China, fazendo-a direcionar recursos à economia do país, indiretamente.
Aí, sim, a situação muda para Brasil e Argentina. É o que viria do Uruguai que pode apavorar as indústrias dos dois outros sócios maiores do Mercosul.
Quanto à maior abertura para as carnes uruguaias, também isso é relativizado. O país já embarca à China mais da metade das cerca de 540 mil toneladas exportadas, na média de 2022.
Um acordo poderia oferecer algumas outras vantagens para os fazendeiros locais, mas não vai tirar mercados das carnes argentinas e brasileiras, noves fora que a expansão do rebanho é limitada pela geografia, mesmo com boa produtividade por hectare.
O produto é a única coisa que o vizinho ao Sul tem de sobra, fora os lácteos, e um pouco de arroz, muito disputado pelo Brasil. A produção de soja é de pouco mais de 3 milhões de toneladas, insignificante.