Lula e Xi: Uma oportunidade histórica para empresas brasileiras na China
Por Robert Lawrence Kuhn*
A tão esperada visita de Estado do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva à China e seu encontro histórico com o presidente chinês Xi Jinping foi muito noticiada. Não preciso aqui repetir o que está no noticiário, mas vale destacar vários fatores sobre a visita. Mais que isso, falar das implicações às empresas brasileiras que estão fazendo negócios na China – ou estão pensando em fazer negócios na China.
Para isso, aproveito minha longa experiência de trabalho na China e com líderes chineses. Conheço o presidente Xi e o novo primeiro-ministro Li Qiang desde 2005.
Porém, de maneira crítica, vale mencionar a importância das declarações de Lula em apoio à China e às políticas chinesas. Entre elas, a política de “Uma só China”, que faz referência à Taiwan, é especialmente importante (e apreciada) neste momento de elevada tensão geopolítica com os Estados Unidos e grande parte do mundo desenvolvido.
No entanto, o mais importante foi o apelo de Lula por um papel mais aprimorado para os Brics e o Novo Banco de Desenvolvimento – do qual a ex-presidente Dilma Rousseff assumiu o comando. Também merece atenção a defesa do presidente brasileiro pela menor dependência do dólar e aumento do uso do yuan chinês, o renminbi, como moeda internacional. Tudo isso especialmente para o chamado Sul Global, que abrange todos os países os quais se alinham perfeitamente com a visão da China para o futuro.
Lula e Xi nas manchetes
O jornal People’s Daily ou Diário do Povo, tido como porta-voz do Partido Comunista Chinês (PCCh) e publicação oficial de registro das políticas governantes do país, dedicou sua manchete principal ao encontro de Xi com Lula. Citando o periódico, Xi destacou que “a China e o Brasil são os dois maiores países em desenvolvimento e mercados emergentes nos hemisférios oriental e ocidental”.
Segundo o presidente chinês, ainda no jornal, como parceiros estratégicos abrangentes, a China e o Brasil compartilham amplos interesses comuns. “A influência abrangente, estratégica e global das relações China-Brasil continua a crescer. A China sempre vê e desenvolve as relações com o Brasil de uma perspectiva estratégica e de longo prazo, e vê o relacionamento como uma alta prioridade em sua agenda diplomática”.
Além disso, “a China está disposta a trabalhar com o Brasil para abrir um novo futuro para as relações bilaterais na nova era, trazendo mais benefícios para os dois povos e desempenhando um papel positivo e importante na paz, estabilidade, prosperidade e desenvolvimento da região e do mundo em geral.”
Investimentos entre Brasil e China
Apesar do discurso, o tema investimento foi destaque. Os dois líderes incentivaram as empresas a investirem nos respectivos países, especialmente nas áreas de infraestrutura, energia limpa, logística, mineração, agricultura e alta tecnologia.
Ambos observaram a necessidade de fornecer um ambiente de negócios aberto, justo e não discriminatório para empresas de um país que investem e fazem negócios no outro país, de acordo com as leis e regulamentos locais, sejam brasileiras ou chinesas. Notavelmente, o Brasil e a China assinaram uma série de acordos e memorandos de entendimento abrangendo áreas como redução da pobreza, segurança alimentar, inovação científica e tecnológica, aeroespacial, informação e comunicação, inspeção alfandegária, finanças, economia digital e facilitação do comércio.
Xi disse especificamente que os dois lados precisam aprofundar a cooperação, avançar constantemente nos principais projetos de cooperação e liberar ainda mais o potencial de cooperação na agricultura, energia, infraestrutura, espaço, aviação, inovação etc. O presidente chinês acrescentou que os dois lados precisam explorar maneiras de fortalecer cooperação em economia verde, economia digital e energia limpa, entre outras áreas.
“A China dá boas-vindas a mais produtos de alta qualidade do Brasil em seu mercado”, disse Xi, em outra reportagem do People’s Daily. “A China vai explorar ativamente maior sinergia entre sua Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) e a estratégia de reindustrialização do Brasil”, emendou.
Xi dá sinal às empresas
Vale repetir a frase mais importante de Xi às empresas brasileiras: “A China dá boas-vindas a mais produtos de alta qualidade do Brasil em seu mercado”. É importante entender o significado abrangente do que parece ser essa simples declaração, uma entre muitas.
Este é Xi Jinping fazendo tal afirmação. Ele é o governante absoluto de um governo liderado de cima para baixo e que provavelmente permanecerá como o líder supremo da China pelo resto de sua vida. No sistema da China, os líderes têm grande poder e são altamente respeitados.
Quando dão diretrizes, sejam elas gerais ou simples, os funcionários de todos os níveis prestam muita atenção e seguem essas diretrizes de perto. Isso ocorre porque suas carreiras dependem disso. De fato, os funcionários são avaliados e julgados por quão bem cumprem as diretrizes da liderança e quão efetivamente implementam essas políticas.
Vale observar que nessa diretiva, Xi usou o descritivo qualificador “alta qualidade” para descrever os produtos brasileiros aos quais ele está incentivando. No entanto, para funcionários do governo e executivos de empresas, a mensagem não poderia ser mais clara.
Há uma razão profunda pela qual Xi realmente busca aumentar “produtos de alta qualidade do Brasil”. Ele, em particular mas também como liderança chinesa em geral, precisa e aprecia muito o apoio do Brasil. Ou seja, há um temor de que se o Brasil apenas exportar commodities para a China e importar produtos manufaturados chineses, com o tempo o Brasil ficará cada vez mais desencantado com a China.
Isso porque as lideranças chinesas pensam a longo prazo. Assim, para evitar essa deterioração e garantir o apoio contínuo do Brasil, há um incentivo tanto ao apoio chinês à industrialização no Brasil quanto ao sucesso das empresas brasileiras que fazem negócios na China.
Por isso, este é o momento ideal para as empresas brasileiras fazerem negócios na China. Hoje, há uma perfeita confluência da geopolítica e da economia, de modo que as autoridades chinesas em todos os níveis de governo e os executivos de todas as empresas, especialmente as estatais, irão enxergar os negócios com o Brasil como algo positivo para suas carreiras.
E essa é a motivação que dará às empresas brasileiras uma vantagem no mercado chinês.
*Robert Lawrence Kuhn é um renomado especialista em China, estrategista corporativo internacional e banqueiro de investimentos que aconselha corporações multinacionais na formulação e implementação de estratégias no país asiático. Ele recebeu o China Reform Friendship Medial do presidente Xi Jinping. Autor do livro “Como os Líderes Chineses Pensam”, publicado no Brasil pela Autonomia Literária.