Lula atrasa, mas não inviabiliza agenda liberal de Bolsonaro
A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao centro do debate político deu maior voz aos críticos da agenda liberal do presidente Jair Bolsonaro. No entanto, com boa parte do Congresso apoiando a estratégia de cortar os gastos públicos, poucos esperam que o carisma de Lula seja capaz atrapalhar completamente a agenda.
O que a espuma gerada por ele pode fazer é adiar a votação de propostas num momento em que o governo tem uma janela relativamente curta, até o meio de 2020, para conseguir aprová-las.
Desde que deixou a prisão no início deste mês, o ex-presidente deu maior voz à oposição e atacou os principais problemas econômicos enfrentados pelo governo de Bolsonaro: o baixo crescimento e o alto índice de desemprego.
Um dia depois de ser libertado da prisão em Curitiba, Lula disse a apoiadores: “Eles não sabem o quanto eu quero lutar por este país e por trabalhadores.” E acrescentou: “Já provamos que é possível governar para os mais necessitados, levar os pobres às universidades, gerar emprego e prosperidade.”
“Lula ainda importa, mas ele não é um obstáculo à agenda econômica”, disse o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). “De fato, se alguém prejudicou as propostas do ministro Paulo Guedes recentemente, foi o presidente Bolsonaro e sua decisão de deixar o próprio partido”, afirmou.
Após a aprovação de uma grande reforma previdenciária em outubro, o governo agora quer se concentrar em medidas para garantir maior controle sobre o orçamento federal e cortes nos gastos públicos.
A equipe econômica de Bolsonaro também anunciou planos para impulsionar a criação de empregos que exigem apoio do Congresso. Mas com a proximidade do recesso do Legislativo e a mobilização em torno de Lula, poucos esperam muito progresso nesses itens este ano.
Lula foi solto em meio ao cumprimento de sentença de oito anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que condenados só sejam presos quando todas as instâncias recursais estejam esgotadas.
Irritado com a decisão do tribunal, um grupo de senadores e deputados agora está tentando mudar a lei. A decisão do STF também reforçou o apoio ao pacote “anticrime”, patrocinado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
Embora essa legislação represente uma distração da agenda econômica do governo, o Congresso continua comprometido em revisar as reformas em 2020.
”A prioridade no Congresso no momento é o pacote anticrime e prisão após a segunda instância”, disse deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). “A agenda econômica não seria votada integralmente em 2019 de qualquer maneira. Mas certamente avançará no próximo ano”, disse.
Van Hattem lembra que a libertação de Lula não faz nada para mudar a composição do Congresso. Com apenas 20% dos 513 deputados na Câmara, os partidos de oposição não têm votos para interromper muitas das propostas do governo.
Embora o PT acredite que o carisma e a inteligência política do ex-presidente permaneçam potentes, seus membros reconhecem que ele ganhará mais tração na disputa eleitoral de 2020.
“Lula muda o cenário político do país porque pode mobilizar as pessoas que realmente sentem os efeitos das reformas de Bolsonaro e que podem pressionar os congressistas contra o governo”, disse Alexandre Padilha (PT-SP).
O PT passará esta sexta-feira e o sábado em reuniões para decidir a estratégia para as eleições municipais e como reorganizar a oposição com a ajuda de Lula livre da prisão. O partido do ex-presidente perdeu muito poder após escândalos de corrupção e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Era o terceiro maior do país em número de prefeituras, mas agora amarga a 10ª posição, tendo se tornado uma legenda média nos últimos anos país afora.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) é responsável por conduzir a legislação no Congresso que ajudaria o governo a cortar custos para cumprir um limite de gastos constitucionalmente exigido.
Comparando as habilidades políticas de Lula com os talentos futebolísticos de Pelé, Guimarães disse que o retorno do ex-presidente “aquece o debate político”. Mas, acrescentou, isso não mudaria a necessidade de reforma econômica. “Até a esquerda sabe que a responsabilidade fiscal é importante para qualquer governo.”