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Luiz Serafim: Tecnologia ampla, centrada no ser humano e ética 

04 maio 2022, 14:00 - atualizado em 06 maio 2022, 9:50
Tecnologia Realidade Virtual
A tecnologia não nasceu com a realidade aumentada, criptomoeda ou chatbots, dando seus primeiros passos quando ainda aprendíamos a lascar pedras, gerar fogo por atrito ou usar armas (Imagem: Unsplash/XR Expo)

Na estreia de meu espaço no Money Times, quero deixar clara a moldura que usarei para falar deste tema fascinante da Tecnologia.

Fiel à minha eterna busca pelo equilíbrio, fora de visões polarizadas e aprisionantes, não me alinho nem aos integrados, aqueles que recebem avanços da tecnologia só com exagerado entusiasmo, nem aos apocalípticos, excessivamente pessimistas, emprestando definições de Umberto Eco, de quem espiei os escaninhos na Universidade de Bologna em 1989.

Sou um apaixonado por criatividade e inovação. Tenho mais de 25 anos de contribuição para a inovação brasileira, compartilhando visões e experiências em mil palestras, aulas em diversas universidades e workshops em empresas de diversos setores e portes.

São quase 30 anos como agente inovador dentro da 3M (MMMC34), empresa de ciência e tecnologia que é referência mundial em inovação. Lá venho atuando para transformar diversos mercados. Antes passei por Tam e Vicunha. Tenho mais de década e meia como professor de marketing e inovação, inspirando estudantes a inovar com olhos atentos para as tendências.

Assim, é absolutamente natural que eu celebre a tecnologia como vetor fundamental para geração de valor, crescimento dos negócios, evolução dos mercados e do planeta.

Da mesma forma que me fascino pela tecnologia e seus impactos, tenho uma visão bastante humanista que valoriza nossos potenciais, nossa imperfeição e finitude. Assim, não esperem textos deslumbrados sobre metaversos e nem críticas agudas contra NFTs.

Gosto de traçar uma visão ponderada, por vezes ambígua, que reconhece impactos incríveis da tecnologia para a vida humana e ambientes corporativos, movidos pela eficiência e produtividade, ao mesmo tempo em que se preocupa em conhecer seus efeitos colaterais.

Minhas lentes também convidam os leitores a compreenderem a tecnologia para muito além da transformação digital. É claro que a revolução digital e seus filhotes (big data, inteligência artificial, computação na nuvem, machine learning, internet das coisas, blockchain e outras) são um dos principais aceleradores de mudança da Era Conectada, indissociáveis de nosso futuro.

Entretanto, a Técnica se tornou a essência humana há milhares de anos, desde que começamos a manipular o ambiente para nossos objetivos. O filme “Os Croods”, de 2013, elabora uma visão divertida do começo deste Tempo dominado pela técnica, quando passamos a criar ferramentas, sapatos, roupas e fogões.

Portanto, a tecnologia não nasceu com a realidade aumentada, criptomoeda ou chatbots, dando seus primeiros passos quando ainda aprendíamos a lascar pedras, gerar fogo por atrito, usar armas (lembranças do bloco inicial “A aurora do Homem”, de 2001 Uma odisseia no espaço) e preparar peles de animais para vestirmos.

A tecnologia é, portanto, o estudo contínuo para aperfeiçoar meios, instrumentos, mecanismos e processos de transformação do mundo e se vê presente em todas as atividades humanas, da agricultura às artes, da gastronomia ao esporte, da produção industrial à pesquisa científica, da educação à comunicação.

No mundo hiperconectado, cada vez mais as atividades humanas serão suportadas por chipes processadores, sensores, computação em nuvem, telas, algoritmos. Mas meu ponto lembrará aos leitores que tecnologia, em essência, é muito mais ampla que o universo digital.

Outra coisa que defendo é ter o ser humano no centro do desenvolvimento tecnológico. Muitas empresas costumam cultivar essa retórica. Há alguns anos, fui convidado para palestrar em evento dos 100 anos da IBM no Brasil. Quem abriu as apresentações foi o famoso enxadrista Garry Kasparov, compartilhando suas experiências com temperamento forte, mas mantendo o discurso encomendado pela empresa aniversariante: que o valor da tecnologia está sempre relacionado a sua contribuição positiva para os seres humanos. Que assim seja!

A 3M, empresa na qual lidero a área de comunicação, tem seu posicionamento que conecta ciência com aplicações para melhorar a vida das pessoas. A Bayer também tem Ciência para vida como seu mote. A Rockwell Automation, patrocinadora do Congresso de Inovação da CNI de 2022, confirmou que tudo faz pela automação industrial, mas para nos retirar de tarefas repetitivas, pouco saudáveis, cansativas, e nos liberar para atividades de maior potencial.

A realidade é muito mais complexa que taglines e discursos bem-intencionados, mas é bem razoável que nossa ambição busque levar a tecnologia para aumentar a produtividade agrícola e reduzir a fome, monitorar nossa saúde e prevenir doenças, melhorar as condições de mobilidade, amplificar a cobertura e qualidade da comunicação, proporcionar acesso à informação e participação ativa na sociedade, e tantos outros objetivos nobres. Ou mesmo metas justas de felicidade hedônica onde teremos mais tempo para prazeres, reduzindo o tempo com perrengues domésticos e contratempos rotineiros.

Esse ângulo me leva a um terceiro ponto. Mesmo quando nos entusiasmamos com a tecnologia e defendemos sua aplicação centrada no ser humano, a verdade é que muitas vezes agimos ingenuamente, sem um entendimento holístico da situação.

Há séculos, construímos um sistema em que a Técnica é o elemento que define nossa sociedade. Ela é hoje a forma mais elevada de racionalidade humana, a razão instrumental que consiste em obter o máximo de resultados com o mínimo de recursos. Acreditamos que podemos dominar a Técnica, mas no fundo, ela que nos domina, como alerta o filósofo italiano Umberto Galimberti, apontando que tudo aquilo que não entra neste tipo de racionalidade é expulso das nossas vidas.

Do ponto de vista técnico extremo, elementos irracionais como amor, dor, ócio, admiração da beleza e outros sentimentos se tornam insignificantes e vistos quase como motivos de distúrbio.

Por isso, precisamos ver a tecnologia com entusiasmo e cautela, atentos a cada circunstância. Nunca esqueço de uma tarde inspiradora ao lado do professor José Carlos Teixeira Moreira da Escola de Marketing Industrial em que ele, contando sobre seu conceito de empresas de valor, definia: “O dinheiro, o lucro, o retorno são fundamentais. É uma premissa. Por outro lado, a realização, o significado, o propósito, a verdade, são essenciais!”

Pelo menos desde 2010, minhas apresentações de Inovação, muito inspiradas pelos valores da 3M, pregavam que Inovação deve sempre ser sustentável. Dá para aceitar inovações que degradam comunidades, oferecem condições de trabalho precárias, destroem florestas, geram lixo incontrolável? Podemos vibrar com tecnologias que abrem mil possibilidades, mas viciam, deprimem, adoecem? Conseguiremos mesmo celebrar tecnologias que poderão ampliar desigualdades no longo prazo? Seguiremos priorizando uma visão excessivamente calculista e utilitarista do mundo, negligenciando a empatia, o bem-estar, a equidade, a solidariedade, e outros tantos elementos essenciais de nossa humanidade?

Nosso grande desafio é unir o essencial e o fundamental; integrar a ética, o correto e o belo; equilibrar a tríade composta pela ciência, filosofia e arte. Assim, tentaremos avançar com a Tecnologia para fazer nossa vida melhor, com eficiência, produtividade, agilidade, resultados, mas sempre guiados pela ética, revalorizando o que é belo, verdadeiro, justo e positivo!

Luiz Serafim é professor, palestrante, Head de Marca & Comunicação e Líder de Inovação da 3M, onde atua desde 1994. Palestrante com mais de 950 apresentações sobre Criatividade, Inovação e Negócios, é professor de Gestão de Marketing e Inovação nos cursos da Inova Business School e ESALQ/USP.

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