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Luiz Serafim: A jornada da inovação nunca termina

15 jun 2022, 17:11 - atualizado em 15 jun 2022, 17:11
Netflix
“No mundo volátil e imprevisível da nossa sociedade líquida, a chapa é hiperaquecida”, diz Serafim (Imagem: Unsplash/Venti Views)

A Netflix me deu a inspiração inicial para divagar sobre o tabuleiro da tecnologia e de inovação na coluna deste mês.

Sua história é um tanto batida porque todos a usam de exemplo em palestras, blogs e livros nestes últimos dez anos para ilustrar jornadas de criação de valor, desenvolvimento tecnológico e até mesmo práticas de diversidade.

No entanto, resultados apresentados no segundo trimestre registraram a perda inédita de 200 mil assinantes. O mercado reagiu mal e puniu severamente a companhia incensada, mesmo que houvesse boas justificativas como a suspensão de negócios na Rússia. Nosso modelo insustentável segue cobrando um inalcançável crescimento infinito e punindo no primeiro solavanco.

Todo mundo conhece a narrativa que a Netflix, fundada em 1997, conseguiu revolucionar o antigo mercado de aluguel de filmes e acelerou numa jornada de transformação permanente. Nas minhas aulas, adicionava apenas um elemento pouco comentado para destacar a importância de se construir estratégias de inovação.

Numa época em que reinava sozinha como agregadora de filmes, já detectando dificuldades com acordos de licenciamento e prevendo competições futuras de outras empresas e estúdios, ela tomou o surpreendente caminho de inovar e investir recursos em produções próprias como Narcos, Orange is the new black, Sense8, Ozark, The Crown e Stranger Things, o que se mostrou muito acertado.

Continuou crescendo e desenvolvendo modelos, inteligência artificial, parcerias, até que um dia perdeu 200 mil assinantes. Agora, está lá tentando buscar maneiras de melhorar seus resultados, demitindo, propondo assinaturas mais baratas com publicidade e impedindo compartilhamento de senhas. Isso pode dar uma resposta de curto prazo, mas isso não será suficiente. A jornada de inovação nunca termina!

Este mundo do entretenimento, da música, do filme, dos conteúdos sociais, é um daqueles reatores de alta voltagem. Não tem jogo fácil nem música lenta. É só pancadão. É só filme de ação explosiva.

Eu sempre gostei de explicar a efervescência da inovação de alguns mercados e o imperativo de se manter um olhar estratégico, mostrando a evolução do delicioso hábito de ouvir música, que partiu de eventos ao vivo até fins do século XIX, quando surgiu o fonógrafo. Evolui pela vitrola e Era de Ouro do Rádio, passando pelo Walkman e Discman, que carreguei na cintura na minha adolescência, mergulhou nos aplicativos piratas, desembocou no iPod e seu brilhante ecossistema, e chegou aos apps de streaming que rodam em nossos onipresentes smartphones.

A grande lição desse desfile tecnológico é que, quando focamos apenas em aperfeiçoar o que fazemos, melhorando nossos produtos marginalmente, investindo somente em produtividade, redução de custos e busca por eficiências, é provável que venha um tsunami para desmontar todo o circo.

No passado da indústria da música, estão RCA Victor, Philips, Sony, Nokia e muitas outras que podem dar seu testemunho amargo de quem não conseguiu acompanhar as demandas dos usuários, as novas fronteiras tecnológicas, as mudanças socioculturais. Falando nisso, neste trimestre, outra notícia simbólica. Vinte anos depois, a Apple anunciou que parou de fabricar o iPod, símbolo que jaz obsoleto ao lado do retroprojetor e do videocassete. Sinceramente, achei que ele já não existia há uns oito anos.

Alguns mercados giram em mais baixa rotação e sofrem pressões mais leves em termos de tecnologia e expectativa dos clientes. Uma fita crepe, que a 3M criou em 1925, ainda é uma fita adesiva reconhecível. O Big Mac, que virou até índice para medir paridade de poder de compra, é comercializado desde 1968 sem ganhar recheios gourmet, versão Smashed ou qualquer outra mudança dramática. Claro que os mercados e canais mudaram, a competição se acirrou, a transformação digital entrou na vida das pessoas e empresas. Entretanto, quem atua em segmento com tempo para respirar entre uma onda e outra pode erguer as mãos para o céu.

No mundo volátil e imprevisível da nossa sociedade líquida, a chapa é hiperaquecida.

No mundo das redes sociais, a tiktokização está na pauta do dia e fazendo escola. O Instagram veio com o Reels ao lado do YouTube Shorts enquanto o Kwai vai testando o formato de mini novelas de dois minutos. O balanço da Netflix arrastou pra baixo o valor do Spotify que começou suas experiências em metaverso, criando um espaço desenvolvido pela Roblox no qual ouvintes terão acesso a produtos exclusivos. A vida segue este ritmo ansioso, infodêmico, 24×7, em tempo real.

E no mundo das empresas com pés em chãos de fábrica, gôndolas metálicas e paredes de cimento? A Magalu, por exemplo, que tropeçou nestes meses em seus resultados, afetando seu valor de mercado, vai aprofundando a transformação digital no seu caminho de engrossar seu marketplace enquanto sua influenciadora digital assumiu a primeira posição mundial com mais de 31 milhões de seguidores.

Também adquiriu nos últimos dois anos os portais de conteúdo Jovem Nerd e Canaltech e passou a financiar o desenvolvimento de games para o promissor mercado brasileiro. Em paralelo, experimenta nova fronteira no varejo com o lançamento do piloto de serviço de locação Vai e Volta para eletrodomésticos e outros itens. Você poderá alugar furadeiras, frigobar, caixas de som e equipamento de jardinagem para os dias em que realmente precisa deles. O projeto nasceu em parceria com a Housi.com, inovadora plataforma digital de moradia por assinatura do visionário Alexandre Frankl.

Conheci este líder inovador numa apresentação há uns 5 anos na época em que presidia o comitê de marketing da Câmara Americana em Campinas, quando Frankl mostrava como poucos o que significa identificar cenários prováveis e criar pontes para um futuro desejável, planejando rotas de futuro para sua construtora Vitacon, unindo muito bem as tendências de mobilidade urbana, economia compartilhada, design inteligente, segurança e outros elementos emergentes em seus projetos.

Bancos tentam encontrar novos caminhos para fazer frente às fintechs, mesmo que algumas solucem aqui e ali no curto prazo para ajustar expectativas absurdas. Nestes dias, a Shopee recebeu autorização para operar como instituição de pagamento no gerenciamento de contas do tipo pré-paga. Todo dia tem novidade nesse mundo competitivo, incerto.

A conclusão é que, não importa onde você jogue, é absolutamente essencial criar estratégias de inovação. Por algum tempo, visões superficiais foram aplaudidas, levando muitos a acreditarem que não devem existir visões de longo prazo ou planejamentos estratégicos como se o mundo dos negócios fosse um lúdico exercício de testa e erra, de eventos fortuitos e de impulsos improvisados.

É claro que planejamentos precisam ser muito mais flexíveis e dinâmicos, mas ainda assim são imprescindíveis. Identificar os territórios de expansão, as áreas centrais potenciais de crescimento, as oportunidades adjacentes, os espaços mais radicais de transformação é atividade crítica para as organizações que pretendem se manter relevantes, e a partir daí, alocar recursos em projetos que ergam pontes para o futuro desejado.

Tecnologias como inteligência artificial, automação, análise preditiva, aprendizagem de máquina, realidade virtual, aumentada e mista, entre outros, terão um impacto cada vez maior na produtividade, direcionarão oportunidades de crescimento, potencializarão novos canais e viabilizarão novos modelos. Todos temos que priorizar caminhos e aportar recursos.

A empresa em que atuo, uma das mães da inovação, sempre cultivou estratégias, avançou por rotas tecnológicas e estudou mercados, fazendo apostas para o futuro. Recentemente, lançou a plataforma 3M futures que dá noção sobre como se prepara para os próximos anos.

A Unilever tem práticas recentes muito interessantes, conectadas à sustentabilidade, diversidade e inclusão, bem como iniciativas ousadas como seu marketplace para lojistas Compra Agora ou suas apostas para oferecer serviços pela Omo Lavanderia.

A Arezzo&Co vem construindo seu mapa com aquisições e muita energia em inovação aberta, lançando o ZZ Mall, seu próprio Marketplace, investiu na startup brechó Troc, impulsionou seu núcleo ZZ ventures para apostas no ecossistema de empreendedores, comprou a Reserva.

A chapa só deve seguir esquentando no preocupante ritmo do aquecimento global.

E sua empresa? Que estratégias vem desenhando e executando para criar seu espaço relevante no futuro, apoiadas pelo desenvolvimento tecnológico? Lembre-se: focar apenas no que seus clientes desejam hoje e na excelência das operações atuais não basta. Mais do que nunca, precisamos de talentos ambidestros, capazes da eficiência de curto prazo e ao mesmo tempo, ambiciosos para construir os caminhos desejáveis para nosso futuro.

Luiz Serafim é professor, palestrante, Head de Marca & Comunicação e Líder de Inovação da 3M, onde atua desde 1994. Palestrante com mais de 950 apresentações sobre Criatividade, Inovação e Negócios, é professor de Gestão de Marketing e Inovação nos cursos da Inova Business School e ESALQ/USP.

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