Luciana Seabra: O incognoscível (Ou: Para onde vai o dólar?)
Por Luciana Seabra, da Empiricus Research
“O Dólar, enquanto grande referência de valor, deveria se desvalorizar ao longo do tempo, embora a pergunta crucial seja ‘desvalorizar contra quem’?”.
É assim que se encerra a carta mais recente da Verde, de Luis Stuhlberger, certamente o gestor de fundos brasileiro que mais ganhou dinheiro com câmbio.
Pensei em adotar nos almoços da família, só para confundir e ganhar tempo enquanto escapo da pergunta mais difícil de todas: “O dólar vai subir?”. A partir de agora, vou responder: “Contra quem?”. Até a pessoa entender que a resposta certa é “contra o real”, eu já saí à francesa para o toilette.
Bom fazer uma ressalva antes de seguir. Quando o objetivo é viajar para fora, a resposta é fácil: “Compre dólar”. É o único caminho para ter certeza de que você vai comprar no fim do ano o mesmo ingresso para Hogwarts que compraria hoje.
Só que essa não é normalmente a pergunta, mas, sim: “O dólar vai subir?”. O que posso fazer por você é compartilhar o que tenho ouvido e lido de algumas das pessoas mais geniais que eu conheço. Não é consenso, mas o sentido em geral é de dólar mais fraco ante o real – e também ante outras moedas emergentes.
Comecemos por Ray Dalio, fundador da Bridgewater Associates, o maior hedge fund do mundo, com 160 bilhões de dólares sob gestão. Ele deu entrevistas no fim do ano passado dizendo que o dólar poderia perder quase um terço do seu valor em um futuro relativamente próximo. O motivo: o crescimento de gastos do governo Trump muito maior do que a expansão da receita com impostos, que inclusive foram cortados.
(Em tempo: hedge funds são tipo multimercados, e não fundos de hedge como a edição brasileira de Billions costuma traduzir, o que nos leva a associá-los com proteção.)
O raciocínio de Dalio tem sentido. Se gasta mais do que ganha, o governo americano pode imprimir mais dólares (adoraria que fosse assim lá em casa). Mas há penalidade, claro: quanto mais moeda em circulação, menor seu valor.
A opinião de bons gestores brasileiros com os quais conversei nos últimos dias vai na mesma linha: dólar mais fraco. Stuhlberger escolheu a libra para se posicionar contra o dólar, mas outros têm preferido uma cesta de moedas, incluindo o real.
Das gestoras com as quais tive contato, a mais vocal é a Legacy, da excelente equipe egressa da tesouraria do Santander. Um quarto do patrimônio do fundo multimercados da casa está posicionado para ganhar com a desvalorização do dólar, sendo mais da metade disso em real e o restante em moedas de outros países.
Ou seja: talvez Felipe Guerra, gestor da Legacy, deixasse para comprar os dólares do mochilão de seus filhos na última hora, quando deve estar mais barato (mas eu não brincaria com esse risco sem ajuda de um adulto).
Ontem também recebi aqui na Empiricus o Walter Maciel, CEO da Quest, que carrega na bagagem o Garantia e o Safra, e que sempre ajuda a desenhar o cenário.
Em seus multimercados, a Quest também está comprada em real contra dólar, assim como em moedas de outros países, ainda que a aposta maior seja em Bolsa. Aos olhos de Maciel, a virada de fim de ano na fotografia americana — de aceleração que pressiona alta de juros para desaceleração e até risco de recessão, com política monetária frouxa — deu tempo para nós aprovarmos a tão necessária reforma da Previdência.
Em bom português, a crise lá de fora pode ser boa para nós. Reclamar dela, diz Maciel, é até ingratidão com Deus.
Mas voltemos ao câmbio. Também o Felipe Miranda, nosso estrategista-chefe, tem dito aos quatro leitores do Day One há alguns meses que espera um real mais forte ante o dólar.
Essa me parece a principal consequência negativa dessa tendência de dólar fraco para a composição de portfólio: sempre defendemos aqui uma pitadinha de moeda americana na carteira, para se defender de cenários adversos.
Para os momentos de estresse, ainda parece fazer sentido: veja como o dólar andou nos últimos dias, dando alívio às perdas na Bolsa, alimentadas pelo vai não vai da reforma da Previdência. Mas, confessemos, é duro carregar algo cuja tendência estrutural é se desvalorizar.
O Felipe encontrou uma solução: ainda admite o valor de uma pitada de dólar como proteção, mas tem sugerido uma mistura da moeda com um pouco de ouro — sendo que o melhor instrumento é o fundo Trend Gold, da XP, porque ele compra ETF do metal lá fora, mas anula a exposição cambial. No ano, o ganho já é de 3,38 por cento.
Do outro lado…
Preciso dizer que, comprado em dólar contra real e outras moedas, encontrei apenas um gestor até o momento em minhas andanças, porém de peso: Márcio Appel, da Adam.
Essa inclusive foi a principal mudança no portfólio da casa de 2018 para 2019. A posição em Bolsa foi mantida do mesmo tamanho, a em juros prefixados, equilibrada com NTN-Bs, com vencimento próximo de 2020, mas o que chegou de novidade mesmo foi a posição em dólar contra real.
Perguntei se o objetivo com a posição é proteção, já que as demais estratégias no mercado local tendem a se beneficiar mais em um cenário de Brasil melhor. André Salgado, sócio de Appel, diz que ela tem, sim, um papel de balancear a carteira, mas que a equipe também vê potencial de ganho, com o dólar no limite chegando a 4,10 reais.
Dentre os motivos apontados pela Adam para um real mais fraco estão o menor diferencial de juros entre Brasil e EUA, que tende a diminuir a entrada de dólares para investir em renda fixa, e também a demora para o gringo vir à Bolsa brasileira. Para a equipe, depois da série de traumas vividos no ano passado em Bolsas como a do México e a da África do Sul, o estrangeiro vai esperar para ver e vir só depois da aprovação da reforma previdenciária.
Enfim, não sei se ajudei (eu tentei!) ou confundi mais. No mínimo, espero ter mostrado que especular em dólar é uma brincadeira de gente grande; nada óbvia.
Na sequência do BTG, a Órama anunciou a redução da taxa de administração de seu fundo Órama DI Tesouro FI Renda Fixa Simples LP, até então de 0,2 por cento ao ano, a zero. Assim, nasceu mais uma excelente opção, que investe somente em títulos públicos, para substituir a poupança.
O fundo guarda uma desvantagem, ainda que pequena, em relação ao do BTG: a taxa de custódia de 0,034 por cento ao ano. Mas o CEO, Habib Nascif, me disse que também pretende zerá-la em breve.
Como o fundo da Órama ainda é pequeno em patrimônio, os custos fixos também pesam. Mas Habib já disse que está se preparando para cobrir custos com auditoria, Anbima, CVM, Selic e Cetip. E também para reduzir a aplicação mínima inicial dos atuais 1 mil reais para 100 reais. Não tem mais desculpa pra ficar na poupança, certo?
Na ponta oposta do BTG e da Órama, estão os fundos Santander Liquidez e Bradesco Brilhante, também do tipo Renda Fixa Simples e com nomes lindos, porém taxa de administração de 2,5 por cento ao ano.
Dada a taxa tão elevada, o retorno, de 0,83 por cento, fica bem atrás até mesmo da poupança no ano, com seu 1,04 por cento, sobre o qual nem incide imposto.
Os fundos Simples foram criados pela CVM na última reformulação das regras que regem esse mercado — a Instrução nº 555 — com o objetivo de serem a porta de entrada dos investidores no universo dos fundos. Por isso, eles não exigem o preenchimento de questionário de perfil de risco, podem ter comunicação on-line e, em contrapartida, não devem assumir riscos excessivos.
Um abraço,
Luciana Seabra