Opinião

Luciana Seabra: 6 frases que gestores nunca deveriam dizer (mas dizem)

27 fev 2019, 16:46 - atualizado em 27 fev 2019, 17:20

Por Luciana Seabra, da Empiricus Research

Diz o Nobel de Literatura Gabriel García Márquez que a melhor profissão do mundo é ser jornalista. Melhor do que isso só ser jornalista que acompanha a indústria de fundos de investimento. Isso significa ter uma agenda recheada de conversas com gente inteligente, que desvenda o cenário macro para você e diz onde estão as melhores oportunidades de investimento.

E mais legal ainda é ser essa pessoa em um momento como este: com o potencial do varejo cada vez mais claro, os próprios gestores nos procuram para contar suas histórias e mostrar seus fundos.

Nas corretoras e nos bancos, o tamanho da comissão, o rebate, ajuda na abordagem: quanto mais da taxa de administração o gestor está disposto a deixar no distribuidor, maior o interesse dele em oferecer o produto.

Aqui é diferente. Não recebo rebates – quem paga pelo meu trabalho é o investidor, assinante das publicações. Sendo assim, o gestor depende mais do gogó: como ele apresenta o fundo, somado à avaliação quantitativa da nossa equipe, será determinante para a história que vamos contar ao investidor.

O que acho curioso é como parte da indústria está despreparada para lidar com o investidor que não é multimilionário – principalmente quando a arma do “quem paga mais leva mais” não está à mão.

Listo abaixo algumas das frases reais que ouço com mais frequência do que gostaria nos encontros com gestores. E que para mim revelam uma intenção de ter o dinheiro do investidor de varejo, mas não de assumir uma responsabilidade com ele.

Cabe a você, investidor, aí na outra ponta, tomar cuidado com quem só te trata como um cifrãozinho ambulante – se reparar bem, os rastros estão nos produtos.

1. “Não coloquei carência alta porque me disseram que não ia vender”
Sabe aquele fundo de crédito privado com resgate rápido em que você investiu o dinheiro de que pode precisar a qualquer momento? Em muitos casos, o gestor achava mais seguro ter uma carência mais longa – para ele ter tempo de vender os papéis sem prejuízo em caso de estresse. Mas, como o distribuidor disse que ia ficar mais difícil vender assim, ele resolveu correr o risco. Agora é rezar para tudo correr bem.

2. “Este aqui o varejo adora porque tem baixa volatilidade”
Para o investidor de alto patrimônio, ele ofereceu o filé: seu potencial como gestor na plenitude. Para o varejo, ele deu uma diluída no risco. Assim não tem chororô no dia do prejuízo. Pergunta se ele baixou a taxa de administração? Não, ela continua concentrada. Ou seja, você ganha menos do que o cliente dele de alto patrimônio – às vezes muito perto do CDI, que poderia levar em um título público –, mas paga o mesmo. Compra brioche e leva pão francês.

3. “Ficamos bem no ranking da revista, você não viu?”
Os rankings premiam retorno alto de curto prazo e baixa volatilidade. Se minha mãe resolver montar um fundo de crédito e comprar tudo que paga bem no mercado, sem avaliar risco de inadimplência, ela provavelmente vai aparecer muito bem no próximo ranking. Vai captar bastante, mas dificilmente vai sobreviver até o ranking do ano que vem.

Para fundo de ações, vale o mesmo: boa parte de quem ganha dinheiro demais hoje se arriscou em excesso. Faça um exercício para um período mais longo, como cinco anos: os melhores gestores dificilmente serão os mesmos dos rankings anuais. E sabe o que é pior? Os gestores sabem disso. Eles usam os mesmos argumentos para criticar os demais quando não são os primeiros.

4. “Coloquei a aplicação mínima alta pra ter um passivo de maior qualidade”
Se seu negócio é private banking, tudo bem, respeito. Mas se você vai ao varejo, não vá com nojinho. Sou uma grande defensora do mínimo baixo: ele empurra o investidor para a diversificação. O tradicional mínimo de 50 mil reais faz com que o investidor invista em poucos fundos. Se o tíquete é de 5 mil reais, por exemplo, mais difícil que o investidor confie todo o patrimônio a você, sofrendo mais em dias de prejuízo e se precipitando no saque.

5. “Não me comunico, não gosto de aparecer”
Essa é uma longa briga minha com gestores incríveis que adoro, mas preferem o anonimato. Se uma parte de seus investidores está no varejo e você não se comunica com eles, não reclame que saquem em períodos longos de prejuízo. Se você não conhecesse quem cuida do seu dinheiro, não soubesse o motivo para um período ruim, faria o quê? Sacaria com certeza. Comunicação é vital: seja por carta, áudio, vídeo… um gestor precisa se comunicar.

6. “Sabe como é… O varejo não entende”
Essa é a que mais me incomoda. O varejo não entende mesmo se você não se comunica ou, como diria Caetano em um meme clássico, se você fala de maneira burra. Se você não consegue explicar seu produto de forma didática, aí é melhor nem oferecer mesmo para o varejo – nem para ninguém, na verdade.

Não existe obrigação regulatória para que os gestores escrevam cartas aos cotistas. Muitos deles escrevem, entretanto, e algumas são acompanhadas no mercado com mais ansiedade do que série do Netflix. Quatro delas para você colocar nos Favoritos: AtmosDynamoVerde e SPX – clique no nome da gestora e vá direto até a seção de cartas.

Essa é uma ótima forma de conhecer de perto os gestores e, principalmente, de aprender mais sobre investimentos.

Lamento que os investidores de fundos por meio de corretoras ou bancos, quando não do private, não tenham acesso em geral às cartas publicadas pelos gestores.

Ainda que queira, o gestor não consegue enviá-las – no modelo chamado “conta e ordem”, ele em geral não tem acesso à identidade do investidor. Não deveriam as corretoras se darem ao trabalho de fazê-las chegar a nós? Acredito que sim.

Vamos nos unir? Hoje é dia de mandar aquele e-mail para quem te atende, pedindo para receber a carta do gestor.

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