15 jan 2020, 16:38
-
atualizado em 15 jan 2020, 16:39
Disfarçada de pacote de bondades, a B3 (B3SA3) anunciou no último dia 02/01 uma nova política de tarifas para o mercado de Balcão e Renda Variável.
Segundo divulgação nas redes sociais da companhia “de forma geral, o pequeno investidor pessoa física é o maior beneficiado com essas mudanças.
A B3 entende a importância de incentivar este mercado neste momento e as novas medidas tornam o mercado de capitais muito mais acessível ao pequeno investidor”.
Entende?
Hum…Vamos à nova política e assim você, leitor, poderá tirar as suas próprias conclusões. De acordo com o portal de Relações com Investidores, as principais medidas para serviços de negociação e Central Depositária de Renda Variável incluem:
– Tarifas diferenciadas para investidores com grandes volumes;
– Criação de Programa de Incentivo para Grandes Day Traders;
– Atualizações na Tarifa sobre o Valor em Custódia;
– Criação de Tarifa sobre o Processamento de Proventos Financeiros de 0,12%;
– Isenção total das Tarifas sobre o Valor em Custódia e sobre o Processamento de Proventos Financeiros para investidores com valor em custódia inferior a R$20 mil.
Reparem que o pequeno especulador, digo, o pequeno investidor, só é lembrado na última linha. Logo de início podemos enxergar um dos problemas: é nítida a criação de um ambiente discriminatório àqueles que não compactuam com a definição da B3 sobre Bolsa de Valores ser sinônimo de giro. Não a culpo, afinal é assim que ela lucra.
Será?
Os dados disponíveis até o terceiro trimestre de 2019 mostram que 41,54% do faturamento acumulado da companhia, R$ 2 bilhões, foram de fato provenientes do bom desempenho do segmento listado de ações e instrumentos de renda variável.
Aproximando a lupa e observando a antiga segmentação de receita, enxergamos a surpresa: apenas R$ 582,86 milhões são fruto dos emolumentos cobrados sobre negociação. Isso representa 12% sobre a receita total.
Portanto, não. Não é assim que de fato a B3 lucra.
Segundo relatório da agência de rating Moody’s, “B3 S.A: Brasil, Bolsa, Balcão: Brazilian stock exchange operator’s revised fee structure is credit negative” e reportagem do Valor Investe, “apenas 4% da receita da B3 em 12 meses veio do trading de ações, enquanto 24% vieram do pós-trading, principalmente serviços de clearing, compensação e serviços de depositária para ações e derivativos, registro e custódia de derivativos de balcão, renda fixa, ônus e gravames”.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Não é só por R$ 0,30
Sim, ela fatura mais no ambiente de pós negociação, exatamente onde as mudanças mais esdrúxulas deverão entrar em vigor, a tarifa sobre o valor custodiado e sobre o processamento dos proventos financeiros.
Ainda segundo o discurso comovente da companhia eles estão “abrindo mão de receitas de curto prazo (cerca de R$ 250 milhões em 12 meses, segundo simulações) para ampliar a base de investidores e aumentar a liquidez do mercado, compartilhando os benefícios do seu modelo de negócio com todos”.
Menos com o investidor.
Mas calma, de acordo com a nossa benfeitora, ” no novo modelo, contas com saldo até R$ 20 mil (65% de quem está na B3) ficarão totalmente isentas da taxa de proventos.
Exemplificando a mudança de investimentos acima desse valor: para quem tem uma carteira de R$ 100 mil e dividend yield de 3% ao ano, o impacto é de R$ 0,30/mês”. Entendam, novamente não são só os R$ 0,30 centavos. É sobre a mensagem e como ela foi entregue.
Na era da transparência chega ser ultrajante à inteligência do investidor divulgar as referidas mudanças como uma tentativa de se tornar mais competitiva. O Robin Hood do mercado de capitais. Como ficam os outros 35% dos investidores, que para chegar onde estão, um dia tiveram de romper a barreira dos R$ 20 mil?
As medidas incentivam claramente o comportamento especulativo, perfil este necessário para dar liquidez aos ativos, mas que não se interessa pelo real objetivo do mercado de capitais: promover a captação de recursos para as empresas e assim gerar riqueza na economia real.
É como diz o provérbio português, “o vilão morde a mão que o afaga, e beija o pé que o esmaga”.
Afinal, cadê o CADE nesta história? Enquanto o pé esmagador da concorrência e do livre mercado não se encarregam de sua tarefa, resolvi pesquisar.
Não sou advogada, mas com uma breve leitura e pouco esforço de interpretação de texto do Art. 36, da Lei n° 12.529, de 30 de novembro de 2011, é possível chegar à conclusão de que a B3 está se valendo de conduta anticompetitiva. Destaque para o inciso IV, sobre “exercer de forma abusiva posição dominante”. Achei motivo suficiente para registrar uma denúncia.
Se você, assim como eu, ainda está matutando sobre a tarifa de processamento de proventos, cuidado com a conclusão errônea de que a estratégia de dividendos poderá se tornar uma furada. Se fosse tão ruim, não estariam todos se matando para abocanhar um pedacinho. Follow the money.
Usamos cookies para guardar estatísticas de visitas, personalizar anúncios e melhorar sua experiência de navegação. Ao continuar, você concorda com nossas políticas de cookies.