Lionsgate fora da América Latina e enxugamento na Disney+: Modelo de streaming está sob risco?
Após alguns anos de empolgação no mercado de produção de conteúdo, o streaming vem dando sinais de desgaste. O modelo de negócio, que nunca se provou realmente rentável, vem motivando mudanças profundas – como demissões, desacelerações de investimentos e, pela primeira vez, ameaça de saída de alguns players de mercados locais.
Apenas nos últimos dias, duas notícias comprovam que o setor não é mais tão empolgante como se imaginava.
A Lionsgate (antes conhecida como Starzplay) anunciou que vai deixar a América Latina após quatro anos de operação. O serviço ficará disponível apenas até 31 de dezembro.
O conteúdo da plataforma será integrado a um outro player, o qual não foi divulgado. Já a Disney anunciou uma baixa de cerca de 4 milhões de assinantes apenas neste ano.
O CEO Bob Iger também sugeriu pela primeira vez que investimentos poderão ser desacelerados ou até mesmo encerrados em alguns países – ainda que não tenha citado quais e quando.
O modelo de streaming está em risco? O Brasil pode ser impactado por isso?
O que é um fato incontestável, e que também independe da viabilidade comercial do modelo de streaming, é que o telespectador não está disposto a voltar a consumir conteúdo como antigamente. Se antes emissoras de TV determinavam o que o telespectador iria assistir, quando, onde e por quanto tempo, hoje esse poder é do telespectador.
Ao mesmo tempo, fazer streaming é caro e incerto. A injeção de dinheiro é uma necessidade constante: a produção de séries filmes, somada ao investimento em servidores e UX (user experience) tornam o cenário extremamente desafiador.
Também é incerto pois, por não haver grandes barreiras de aquisição e cancelamento, não há fidelidade: se após o término de uma série o telespectador não encontrar um outro conteúdo do seu agrado, ele não pensará duas vezes antes de cancelar o serviço.
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Investimentos aceleram no Brasil: até quando?
Por aqui, o mercado de streaming ainda atravessa uma lua de mel, mas que da mesma forma que ocorre nos EUA, certamente tem data para acabar.
Com o fim da pandemia, investimentos que estavam represados agora correm à solta. Só a HBO já tem duas novelas engatilhadas – “Beleza Fatal” e “Dona Beija”, ambas com previsão de estreia para 2024.
A artilharia é pesada: além de um casting até mesmo superior ao que temos visto nas atuais novelas da Globo, no caso de “Dona Beija” é prevista até uma cidade cenográfica – algo que só nos tempos áureos da TV aberta ocorria para produções curtas (são previstos apenas 40 capítulos).
No entanto, é importante deixar claro que, apesar da empolgação, os streamings em nada se diferenciam de qualquer outro tipo de negócio. Um player entrante faz pesados investimentos e tolera prejuízos durante algum tempo para que, apenas depois de consolidado, possa calibrar seus gastos de acordo com a receita.
A Uber é um exemplo disso: foram mais de 10 anos no vermelho para que os primeiros resultados positivos começassem a aparecer.
A Amazon, por exemplo, exemplifica esse modelo de forma clara. A sua assinatura custa apenas R$ 14,90 (inferior a praticamente todos os concorrentes) e, além de um catálogo robusto de produções no Prime, o cliente também tinha acesso a frete grátis sem valor mínimo; ao Amazon Music Prime com mais de 100 milhões de faixas sem anúncio; ao Prime Reading com ebooks e revistas e a ofertas exclusivas.
Alguém acredita que todas essas comodidades possam ser remuneradas e com lucro por apenas R$ 14,90?
Também é importante olhar para a renda média da população – independente se no Brasil ou nos Estados Unidos.
Sem que ela cresça, não há como esperar um maior consumo de streaming (seja pela assinatura de mais de uma plataforma ou por tolerar um aumento na assinatura atual) – afinal estamos falando de um serviço supérfluo e que, portanto, figura no topo da lista dos primeiros cortes de uma família em dificuldades financeiras.
Não há espaço para todos: licenciamento de conteúdo deve se intensificar
São diversos players no mercado. Sem grandes esforços, é possível nomear Netflix, Amazon Prime, Globoplay, HBO Max, Apple TV+, Discovery+, Star+, Paramount+, Disney+ etc. Todos com suas estruturas pesadas para produção e disponibilização de conteúdo.
Dificilmente essa mesma quantidade continuará existindo daqui alguns anos – o que não significa na falência desses produtores, mas sim na sinergia a partir de fusões ou licenciamento de conteúdo.
Não será uma surpresa se Globo, Disney e Amazon possam, algum dia, compartilharem a mesma plataforma de streaming e onerando o cliente com apenas uma assinatura recorrente em vez de três que se alternam de acordo com a variedade e disponibilidade do catálogo.
Não há sentido que empresas como Globo e Disney, conhecidas pela altíssima qualidade de seus produtos, percam tempo, energia e desloquem recursos para financiar a aquisição de expertise em tecnologia – ainda mais sendo que há quem faça isso muito melhor que elas.
Outras linhas de negócio também poderão ser exploradas a curto ou médio prazo. A comercialização de conteúdos para emissoras de TV aberta pode ser uma boa saída para todos os lados.
Ao comercializar uma série encerrada há três ou quatro anos para um canal aberto, além de se elevar a qualidade de programação de tal canal, cria-se uma possibilidade de aquisição de novos assinantes: o telespectador que assistir a determinada série na Record, SBT ou Band, poderá se tornar um assinante da plataforma de streaming para ver os episódios restantes quando e onde quiser – sem a necessidade de aguardar o dia ou a semana seguinte para vê-la na TV.
Independentemente do que acontecerá no futuro, o que já é consenso é que o modelo atual não se sustentará a longo prazo.
Ainda que a demanda por entretenimento vá continuar existindo para sempre, a forma de financiá-lo, que durante décadas se manteve sem alterações, tende a ser constantemente revisitada nos próximos tempos.