Liderança tecnológica no agronegócio
Por Francisco Perez, diretor de Novos Negócios do Banco Alfa e responsável pelo programa de inovação aberta Alfa Collab
O Brasil é um dos líderes mundiais em tecnologias aplicadas à agricultura e à pecuária. Essa é uma daquelas frases – verdadeiras, diga-se – que todos pensamos já ter ouvido mil vezes. Mas, infelizmente ainda não é a nossa imagem projetada, nem mesmo dentro do país. Pelo menos não na dimensão e na profundidade que o ambiente do agronegócio brasileiro respira tecnologia.
O mercado de startups dedicadas ao segmento só tem crescido, sendo que a grande maioria desses empreendimentos mira em ganhos da produtividade no campo. O impacto de novas tecnologias que aplicam geoprocessamento, IoT, inteligência artificial, robótica e outras, já se tornou evidente pelos resultados obtidos. Basta checar os números da eficiência no plantio e na colheita, e da melhoria dos rebanhos.
Essa mentalidade tecnológica agora começa a ser aplicada na gestão dos investimentos em safras futuras e a startup FinPec é um bom exemplo da nova fronteira. Pioneira na modalidade de plataforma de investimentos financeiros na pecuária, a startup opera como um fundo de renda fixa, com taxa pré-fixada, cujo lastro são cabeças de gado.
O mindset de inovação vai além da produtividade e avança na direção das finanças e dos investimentos. Afinal, o novo ecossistema de agrifoodtechs vem mostrando grande resiliência durante a pandemia. Em 2020, o setor avançou ainda mais em investimentos, tecnologia e inovação. Somente no primeiro semestre o segmento captou US$ 8,8 bilhões em investimentos.
Tecnologia está na base do agronegócio brasileiro
Novembro passado registrou um crescimento em 10% nas exportações de carne bovina do Brasil, muito por conta do aumento de compras pela China, que saltou em um mês, de 109 para 123 mil toneladas, segundo a associação de indústrias Abrafrigo.
No mercado interno, a tônica pela qualidade tem transformado o segmento. E a inovação e a tecnologia possibilitaram a evolução da genética brasileira, que mudou o padrão da reprodução do gado, verificável não apenas pelo salto de produtividade dos últimos 20 anos, como também pela qualidade da carne.
A relativa baixa capacidade de investimento e as deficiências logísticas do Brasil, quando comparadas a países produtores do primeiro mundo e à China, são compensadas pelas propriedades de grande extensão que viabilizam a produção em grande escala e tecnologias desenvolvidas internamente que agregam grande diferencial competitivo.
Lideramos as exportações de carne bovina, café, soja, carne de frango, açúcar e suco de laranja. E já nos aproximamos da liderança na exportação de milho. O manejo dos campos e dos animais é muito bem-feito. Sem mencionar o clima excelente que permite até três safras anuais. Pesa contra o país a deficiente estrutura logística, além do custo de capital, acima dos concorrentes mundiais.
Várias iniciativas inovadoras, como a da Finpec, emergem com grande força e perspectivas favoráveis. Somente para mencionar alguns outros destaques, a Agrofy oferece um marketplace de produtos e serviços agrícolas, que comercializa até maquinário usado. A Orbia vende commodities com precificação da Bunge, compra e venda de insumos e contratação de serviços com aproximadamente 170 mil usuários cadastrados. A startup Elevor apoia produtores na gestão das fazendas pela automação de processos, com ganhos evidentes sobre a eficiência na lavoura. São vários exemplos de inovação no campo.
A ESALQ, Escola Superior de Agricultura da USP, e a Embrapa são ícones nacionais da revolução tecnológica no campo. Dentre muitas outras façanhas, a Embrapa conseguiu fazer da soja um produto de alta produtividade em clima tropical. A base de soluções tecnológicas da empresa apresenta nada menos que 138 soluções em química, software e metodologias bem testadas, somente para o plantio da soja.
Por sua vez, a ESALQ abriga 140 laboratórios, operados por mais de 700 funcionários, a maioria pesquisadores e técnicos, enquanto a Embrapa conta com impressionantes 9.540 funcionários, sendo que mais três mil envolvidos diretamente na execução de 34 portfólios de pesquisas instituídos em temas de grande importância estratégica.
Abordagem de investimento e rentabilidade
Essencialmente, investidores são atraídos pela melhor combinação entre rentabilidade, segurança e liquidez. Essas são as informações indispensáveis para a decisão de onde colocar tempo, capital e atenção. Nesta equação conta muito a perspectiva de crescimento.
Por natureza, startups apostam no futuro. Por outro lado, investimentos acontecem no presente. Por isso, compreender e assimilar tendências faz parte do mindset do investidor. Curiosamente, a palavra em latim Pecus quer dizer “cabeça de gado” e tem a mesma raiz de pecúnia, que significa dinheiro. Na Roma antiga os animais criados para o abate eram também usados como moeda.
Velhas tradições inspiram abordagens inovadoras, particularmente em um setor de grandes perspectivas, que gera emprego e renda, além de aprimorar os cuidados com o meio ambiente. Ao menos no cenário atual, tudo conta a favor para atrair mais capital para este segmento.
O fato é que o ambiente tecnológico do agronegócio brasileiro já criou uma mentalidade geral de uso intensivo de tecnologias. É uma questão de tempo para que agrifoodtech esteja imediatamente associado à imagem do país.
O mindset inovador faz com que, por exemplo, não soe estranho a compra de ações lastreadas em gado para engorda ou safras futuras. Estamos a um passo de uma nova lógica financeira no campo com tecnologias financeiras genuinamente nacionais.