Lais Costa: Colecionador de fundos
Meu primeiro “negócio” foi em venda de folhas de fichário.
Tudo começou com uma visita a uma papelaria (a única no centro da cidade onde nasci) para comprar um presente de aniversário e Natal. Sim, sou uma daquelas pessoas “sortudas” que faz aniversário junto com as festividades de fim de ano.
A loja tinha dois andares. Nessa época de festas, a parte de baixo da papelaria se transformava em uma enorme loja de brinquedos (aos meus olhos), enquanto os produtos de papelaria ficavam em cima. Dois meses depois, com o retorno às aulas, a ordem se inverteria.
Entrei procurando uma boneca que via quase todas as manhãs nos comerciais de televisão e, depois de achá-la, fui ao segundo andar para olhar a papelaria. Uma passadinha rápida, só por curiosidade. Nem preciso dizer que fiquei lá muito mais tempo do que imaginava. O motivo: folhas de fichário. Fiquei muito impressionada com a variedade de cores e formatos. Era a primeira vez que via uma folha preta. O inesperado me arrancou uma pequena gargalhada.
Decidi que iria começar uma coleção. Se eu conseguisse difundir a ideia entre meus colegas de sala e meus amigos próximos, conseguiria fazer um mercado de folhas por unidade.
Como alguns aqui já sabem, meus pais eram professores do ensino básico. Além das aulas nas escolas, a maior parte da nossa renda mensal familiar vinha das aulas particulares que eles davam todas as tardes e noites (incluindo algumas madrugadas). Passei a transitar entre os alunos com o olhar atento àqueles que usavam fichários. Em uma semana, eu já tinha montado a estratégia para colocar a minha coleção de pé.
Passei a pedir emprestada uma folha para cada aluno que tivesse um bloco diferenciado. O pedido era muito modesto para ser negado. Devolveria em dois dias.
Semanas depois, havia criado uma “modinha”. O mercado incipiente cresceu muito rápido. A minha coleção, que iniciou fortemente alavancada pelos empréstimos dos principais ativos do portfólio, foi impulsionada pela boa ação de parte dos credores, que formalizavam doações ao fim do contrato de empréstimo.
Com muito mais equity do que dívida, passei a trocar e depois vender os ativos. A operação começou a dar lucro e minha remuneração era em forma de picolé na hora do recreio. O mercado foi se desenvolvendo, impulsionado pelas injeções de liquidez completamente desproporcionais (mas bastante pontuais) de alguns pais, mas contava com o freio do intervencionismo dos professores, que passaram a acompanhar o mercado mais de perto.
Aos meus olhos, era o início de uma startup. Do interior de Minas Gerais direto para o Vale do Silício. Nem preciso dizer que esse não foi o fim dessa história.
O que passou a ser um negócio na minha cabeça permaneceu como algo com um valor sentimental muito grande para os outros “players do mercado”. Eles eram colecionadores e eu me assemelhava mais a uma comerciante com um book de amostras.
A liquidez do mercado foi secando. Vesti o chapéu de “market maker” algumas vezes, mas comecei a achar chato um negócio que tinha meramente o objetivo de acumular, porque isso implicaria necessariamente na perda de potencial de retorno do business. Perdi o interesse pelo negócio e decidi zerar o meu book antes das férias natalinas seguintes.
No mundo dos investimentos, envolver-se emocionalmente com um ativo também pode ser fatal e é mais comum do que se imagina. Quando se trata de fundos de investimento, temos outro fator de risco: identificação com o gestor. Por ideologia, leitura de cenário ou algum viés comportamental. Uma vez investidos em um fundo de um gestor benquisto aos nossos olhos, é o fim da análise quantitativa.
Esse comportamento de apego emocional pelos ativos é muitas vezes travestido da filosofia “buy-and-hold”, que virou um argumento barato para justificar a irracionalidade. Para piorar, nomes como Warren Buffett, CEO da Berkshire, e Terry Smith, CEO do famoso fundo de ações britânico Fundsmith, são citados para emprestar credibilidade ao enredo.
O portfólio se torna uma coleção de gestores queridinhos e isso basta.
No mês passado, o lendário hedge fund americano Bridgewater lançou uma nova versão da estratégia carro-chefe da casa: o All Weather Sustainability. O lançamento no Brasil veio capitaneado pela equipe da Itajubá, que também distribui os outros veículos da casa global aqui, e atraiu a atenção de muitos investidores.
Desde então, nós aqui da série Os Melhores Fundos de Investimento temos recebido uma pergunta recorrente: a estratégia de impacto recém-lançada passa automaticamente a ser uma recomendação da série?
A resposta para essa pergunta é simples. Temos uma regra de ouro, cumprida à risca, sem margem para interpretações ou recursos: toda alteração em um fundo recomendado ou não, ainda que sutil, é sujeita a avaliação qualitativa e quantitativa. Sentimentos postos de lado, não é por ser de uma casa admirada ou ter um apelo da moda (ESG) que o fundo vai se tornar necessariamente uma indicação.
Nesse caso específico, as diferenças entre o All Weather e o All Weather Sustainability são bastante significativas. Diferentemente das demais estratégias da casa, foram designados dois co-CIOs à frente da equipe de gestão: Karen Karniol-Tambour e Carsten Stendevad. Stendevad é ex-CEO do fundo de pensão nacional da Dinamarca (ATP Group) e se juntou à Bridgewater em 2017, com o mandato de sustentabilidade. Karen era a chefe de pesquisa da própria Bridgewater, onde trabalha desde 2006.
Em relação ao portfólio, o fundo passa por um filtro de sustentabilidade composto por 17 fatores, denominados “sustainable development goals” (objetivos de desenvolvimento sustentável), que refletem a visão de impacto ambiental e social positivo das Nações Unidas (ONU). O resultado é a exclusão de 70% do universo de títulos e ações elegíveis pela estratégia raiz e 85% do book de commodities.
Se você está interessado em nossa análise completa sobre essa estratégia, vai aqui um spoiler: a publicação dos Melhores Fundos Global da semana que vem incluirá esse tema. Se você ainda não é assinante, junte-se a nós.
Um abraço,
Laís