Keynes como investidor e especulador
Pedro Lula Mota é editor do Terraço Econômico
“Os mercados podem permanecer irracionais por mais tempo do que você ou eu podemos ficar solventes”
-Keynes
Keynes, um dos economistas mais influentes dos últimos tempos, além de ter dado sua contribuição para o desenvolvimento da macroeconomia e de seus principais conceitos, também foi um exímio investidor. Em vários de seus livros fica claro que ele acompanhava diariamente os principais movimentos dos mercados, especialmente o comportamento dos agentes – foi um dos primeiros a sinalizar aspectos de movimentos de massa, euforia, profecia autorrealizável e tendências de mercado, etc [1]. Porém, não ficava tão evidente quais eram seus retornos práticos como alocador de recursos e os resultados auferidos.
Contudo, recentemente a edição feita pela Cambrigde University Press em conjunto com a Royal Economic Society de suas obras, uma coletânea de livros, artigos e correspondências faz um grande consolidado. Os escritos sobre investimento estão contidos no Volume XII. Keynes envolveu-se com finanças e mercados em diversas situações. Primeiro, como investidor individual ativo, tendo comprado sua primeira ação aos 22 anos de idade. Também foi um especulador frequente em diversas classes de ativos, especialmente após 1919, quando deixou o Tesouro. Depois, como Bursar do King´s College, em Cambridge e, finalmente, como membro do conselho de companhias seguradoras e investments trusts na City.
A sua tese central era fundamentalista de longo prazo, possuindo diversas posições “táticas” de curto prazo, o que lhe traz muita proximidade com o que hoje conhecemos como um gestor de fundo Macro (hedge fund, em termos internacionais). Investia e especulava em ações – na Inglaterra ou nos Estados Unidos – títulos de dívidas globais, moedas, commodities, e até em imóveis.
Em uma nova pesquisa da publicação acadêmica Business History Review, o professor de finanças David Chambers, da Faculdade de Administração Jurídica de Cambridge, analisou como Keynes teve coragem de investir pesadamente em ações de um país devastado pela crise e pela depressão resultante. O mercado de ações dos Estados Unidos havia retraido 38,4% nos 12 meses anteriores. Mas o economista estava tão animado pelo preço das ações nos EUA, que decidiu ir trabalhar em uma pequena corretora de Nova York, a Case Pomeroy & Co., para pesquisar o mercado e ideias de investimentos nas bolsas.
Ele comprou ações americanas durante toda a depressão. Quando elas caíam mais 38,6% em 1937, Keynes, decididamente, comprou ainda mais. Em 1939, ele já havia colocado metade de seu portfólio principal da faculdade em empresas americanas, favorecendo ações preferenciais com pagamento de dividendos, trustes de investimento e, um pouco mais tarde, em empresas públicas. Ele se concentrou em um pequeno número de ações, que eram negociadas muitas vezes mais baixo de seu valor patrimonial, mantendo-as por oito anos ou mais até que os preços recuperassem e refletissem o valor real dos papéis.
Acumulando as valorizações, o retorno líquido total no período foi de mais de 2.400%!
Assim como a maioria dos hedge funds, Keynes operava frequentemente com uso de alavancagem (empréstimos) e, por vezes, em volumes substanciais. Por conta desta ousadia, os resultados obtidos na gestão de seu próprio patrimônio apresentam uma volatilidade enormes.
De acordo com suas próprias anotações, chegou a ter um patrimônio líquido negativo em 1920, resultando em perdas enormes, especialmente em marco alemão, lira italiana e franco francês. Ou seja, praticamente quebrou, mesmo chegando a se recuperar bem rapidamente nos anos seguintes. Porém, quando alcançou o ápice de patrimônio no ano de 1935 (506 mil libras), teve uma gigantesca queda de um ano para o outro, e nunca mais chegou próximo deste valor.
O período de seus investimentos corresponde de 26 anos e foi marcado por três grandes eventos: i) a quebra da Bolsa em 1929, ii) a Grande Depressão logo em seguida e iii) a I Grande Guerra Mundial. Apesar de tudo, Keynes conseguiu gerar um retorno anualizado de 13,2%a.a. e que se comparado aos índices de ações na Inglaterra e nos Estados Unidos, estes renderam apenas 1,8% a.a. e 2,5% a.a, respectivamente. Ajustado pela inflação, o patrimônio de Keynes de £ 411.238 em 1945 seria equivalente a algo em torno de £ 14 milhões hoje.
Em seu livro, “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda [1]”, escrito há 80 anos, já deixava evidente sua forma de atuar nos mercados financeiros. Suas palavras ainda fornecem algumas pistas de sua tática para comprar ações quando o mundo todo estava desabando:
“O espetáculo dos mercados modernos de investimento às vezes tem me levado à conclusão que tornar a compra de um investimento permanente e indissolúvel, como um casamento, exceto por motivo de morte ou outra causa grave, pode ser um remédio útil para nossos males contemporâneos. Porque isso forçaria o investidor a direcionar sua mente nas perspectivas de longo prazo e apenas nelas.”
Keynes entendeu, assim como seu contemporâneo, o caçador de pechinchas americano Benjamin Graham, que os mercados baixistas são tão imprevisíveis que evitá-los é praticamente impossível — e que a dor de perder dinheiro é quase insustentável.
Não obstante, existe uma diferença considerável entre Keynes e investidores fundamentalistas: aparentemente, ele dedicava apenas 30 minutos por dia, rigorosamente, para suas atividades de investimento, após despertar pela manhã. Esse era o período em que Keynes ligava para seus corretores, lia as páginas financeiras dos jornais e examinava os documentos das companhias. Os resultados de seus investimentos ganham uma perspectiva diferente quando realizamos quão pouco tempo ele efetivamente dedicava ao assunto.