Economia

Juro neutro no Brasil: a hora da verdade

12 jan 2018, 10:40 - atualizado em 12 jan 2018, 10:40

Paulo Gala é economista e diretor geral da Fator Administração de Recursos

O ano de 2017 foi marcado pela queda dos prêmios dos juros futuros brasileiros que vinham de um excessivo desconto por conta da instabilidade política do país, do “desrepresamento” dos preços administrados, da deterioração dos preços das commodities e da consequente desvalorização cambial no biênio 2015 e 2016. Estes eventos combinados resultaram em uma pressão inflacionária expressiva, que impactaram para cima as projeções de inflação implícita aos títulos públicos locais, além de acrescentar prêmios além dos convencionais nos papéis de prazos mais dilatados.

A despeito da manutenção de um ambiente político desafiador, observamos no decorrer do ano de 2017 um ambiente geral favorável. No cenário externo a manutenção de uma postura cautelosa do FED na condução de sua política monetária implicou em um aumento do apetite a risco para economias emergentes, algo que implicou em uma reversão da depreciação cambial brasileira. Internamente, o ajuste do mercado de trabalho implicou em uma forte correção dos núcleos da inflação – normalmente são estes os principais componentes na condução da política monetária. Por fim, as super-safras agrícolas ampliaram o recuo dos preços internos, possibilitando ao BC uma postura mais agressiva no ciclo de cortes de juros.

Será que a taxa Selic voltará a subir no final de 2018 ou em 2019? A inflação no Brasil voltará para cima dos 4% se o BC mantiver a Selic em 7% ou abaixo por muito tempo? Será mesmo 5% nosso juro real neutro (aquele que não provoca pressões inflacionárias na economia)? Teremos todas essas respostas ao longo de 2018 e início de 2019. O BC provavelmente seguirá reduzindo nossa taxa básica abaixo de 7% na próxima reunião e quiçá mais abaixo ao longo do ano que vem.

A economia responderá com forte crescimento? Não. O desemprego vai cair rapidamente, indo abaixo de 10%? Também não. Nossa recuperação de atividade é muito lenta: talvez em 3 anos consigamos retomar o patamar de produção de 2014. As importações que despencaram US$ 100 bilhões por ano desde o estouro da bolha de crédito no Brasil, nesse patamar baixo continuarão.

Com isso, o superávit comercial seguirá na casa de u$ 50 bilhões em 2017, 2018 e talvez 2019. Isso somado às reservas de US$ 375 bi e investimentos diretos de US$ 80 bi nos dão tranquilidade externa. Selic a 7% ou abaixo não provocará outra bolha como a que se viu em 2012; é muito difícil inflar duas bolhas na sequência: o estoque de dívidas continua alto e o excesso de oferta criado durante a bolha demorará a ser absorvido.

Câmbio estável e recuperação lenta vão manter inflação na casa dos 4%. Com juros mais baixos, a trajetória da dívida pública melhora muito. A sobra de dólares manterá nosso CDS abaixo dos 200 pontos. Nesse patamar de risco nossos preços de ativos seguem atrativos. Quais são os riscos para esse cenário? A volatilidade das eleições no Brasil, forte alta de juros nos EUA e hard landing na China. O Fed provavelmente subirá juros ainda de maneira lenta até 2%, pois a economia americana segue em recuperação branda.

Os preços de commodities estão bem comportados, basta a China ser capaz de manter seu regime de câmbio quase fixo. E as reformas no Brasil? Pouco foi feito de fato no congresso e ainda assim a Selic caiu pela metade pois a inflação desabou. A questão da previdência continua problemática, como aliás está no mundo todo. O que derrubou os juros foi o derretimento da inflação, mesmo com déficit primário grande nos últimos 3 anos. O cenário econômico doméstico parece dado para 2018, a incógnita está na corrida eleitoral.

No cenário mundial as sucessivas intervenções dos bancos centrais de países desenvolvidos no mercado monetário conseguiram reduzir as taxas de juros de curto e longo prazo contribuindo para comprimir os prêmios de risco, apesar de crescente dívida pública. Tais intervenções que levaram à expansão dos balanços dos principais BCs ficaram conhecidas como medidas de “relaxamento monetário” visando atenuar os efeitos da crise financeira global de 2007-2008.

Embora a compra de ativos em larga escala pelos principais BCs tenha gerado efeitos previsíveis sobre o preço dos ativos financeiros, foi insuficiente para estimular o investimento produtivo e a recuperação econômica. Apesar da massiva expansão monetária dos BCs, houve uma queda nas expectativas inflacionárias e as ações de política monetária não geraram os impactos antecipados. Bancos centrais se viram obrigados a reformular o desenho das intervenções no mercado de tal forma que a política monetária não convencional, inicialmente concebida como temporária, assumisse caráter permanente.

Os “bond vigilants”, que previam a disparada dos juros longos nos EUA por conta da dívida pública ficaram quietos. As taxas insistem em se manter abaixo dos 3%. Sem inflação não há juros. Aqueles que insistiram em modelos de previsão convencionais deixaram de embolsar ganhos de capital significativos no mercado de títulos. Taxas de juros próximas de zero, ou mesmo negativas, se tornaram o novo normal. Será que algo parecido pode acontecer no Brasil? A discussão aqui caminha para algo parecido com o debate dos “bond vigilants” nos EUA. A dívida pública vai disparar? Os juros longos vão voltar a patamares vistos em 2015? Se o exemplo mundial servir para o Brasil a resposta é não. O que se viu no mundo, inclusive emergente, foi um derretimento de inflação e de taxas de juros nos últimos anos, apesar de inúmeros problemas domésticos.

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