Jogo arriscado da Turquia com mercados esbarra em dilema
Investidores na Turquia estão familiarizados com a volatilidade que durante anos tem marcado uma das maiores economias do Oriente Médio. Mas nem todo mundo pode decidir ficar desta vez.
A lira caiu para um recorde de baixa na sexta-feira, embora o banco central tenha gastado bilhões ao longo do último ano para valorizar a moeda.
No início da semana, o custo de emprestar dinheiro no exterior passou de 1.000%, o mais recente sinal de desordem nos mercados financeiros da Turquia.
Autoridades têm resistido em subir os juros, apesar da contínua pressão de desvalorização da moeda, o que provoca saída de capital estrangeiro e deixa a economia vulnerável com a lira em baixa.
Contexto
A expansão descontrolada do crédito está no centro da turbulência. Mesmo antes de a pandemia de coronavírus chegar à Turquia, o banco central já estava mergulhado em um ciclo de afrouxamento, incentivado pela política do presidente Recep Tayyip Erdogan de fazer a economia crescer a qualquer custo.
Para amenizar o impacto da pandemia, autoridades redobraram as apostas em uma campanha para fazer o crédito fluir.
De acordo com a métrica preferida do banco central, a taxa anual de expansão do crédito foi de 40% nas últimas 13 semanas e atingiu o pico de 50% em maio, o ritmo mais rápido desde pelo menos 2008.
A explosão do crédito empurrou o saldo da conta corrente do país de volta ao déficit e corre o risco de alimentar uma nova onda de inflação que desvalorizou a lira ao longo dos anos.
Por que não aumentar os juros?
Para começar, Erdogan acredita que juros mais altos alimentam a inflação. No ano passado, ele demitiu o presidente do banco central por não cortar os juros.
Há também o objetivo mais pragmático de criação de empregos. Erdogan sofreu sua pior derrota em eleições no ano passado, quando seu partido perdeu o controle dos principais municípios, incluindo a capital Ancara e o centro comercial Istambul.
Com a taxa de desemprego perto do nível mais alto em mais de uma década, o impacto econômico da pandemia pode testar a popularidade do partido AK do governo.
A economia deve encolher 4% em 2020, de acordo com a mediana das estimativas de analistas consultados pela Bloomberg.
Mas manter a lira sob controle não é igualmente importante?
Sim. Na verdade, é o indicador econômico mais observado em um país onde mais de US$ 200 bilhões em patrimônio das famílias e economias das empresas são mantidos em moeda estrangeira.
É também uma questão existencial para muitas empresas do país, que possuem US$ 289 bilhões em dívidas em moeda estrangeira, o equivalente a mais de 30% do PIB. A economia como um todo tem US$ 169,5 bilhões em dívida externa para rolar nos próximos 12 meses.
Próximos passos
Alguns especialistas dizem que o banco central vai ceder e aumentar os juros de forma agressiva, como acabou fazendo em 2018.
Mas os que esperavam por tal medida em meio à queda na quinta-feira ficaram desapontados. Em vez disso, o regulador disse que vai reverter as medidas de liquidez tomadas para apoiar a economia durante a pandemia.
Ainda assim, há sinais de que as autoridades podem mudar de postura. Bancos públicos estiveram em grande parte ausentes do mercado de câmbio na quinta-feira e pareciam ter decidido deixar a lira flutuar livremente.
As autoridades também aliviaram algumas das restrições para a negociação de moedas estrangeiras e adotaram um maior controle sobre políticas que alimentaram a farra de crédito.
Também há a última opção de recorrer a algum tipo de assistência financeira do Fundo Monetário Internacional, embora Erdogan tenha descartado isso repetidamente.
Uma crise poderia afetar outros mercados emergentes?
A Turquia não é mais a queridinha dos mercados emergentes. Os volumes de negócios caíram consideravelmente, e os investidores estrangeiros estão ligeiramente posicionados.
A participação de investidores estrangeiros na dívida em moeda local diminuiu para a mínima histórica de 4,2%, enquanto o peso da Turquia no índice de referência de ações MSCI caiu quase pela metade em dois anos, para apenas 0,4%.
Ainda assim, em dólar e outros índices de dívida em moeda forte nos mercados emergentes, apenas sete países têm pesos maiores do que a Turquia, e a venda forçada por fundos passivos poderia desencadear uma venda mais ampla. Isso causaria nervosismo e poderia limitar o investimento em outros mercados.